segunda-feira, 29 de maio de 2017

Perigos Próximos




            Um dia no shopping vi um menino, de mais ou menos 3 anos, correndo alegremente entre as pessoas. Ele era muito simpático, uma graça, passou por mim e quando notou que eu o olhava me abriu um sorriso encantador. Procurei ao redor quem estava com ele e não achei ninguém que estivesse realmente atento ao menino. Continuei olhando até que uma hora o menino falou com quem acredito fosse o pai dele. Só que o pai estava de costas, sem desviar sua atenção do celular e bebendo cerveja. O menino continuou passando entre várias pessoas e me dei conta do perigo que corria. Está certo que shoppings têm câmeras, mas mesmo assim alguém mal-intencionado poderia fazer algum mal àquele garoto e até mesmo leva-lo embora. Fiquei preocupado com aquele menino que estava só e sem ser devidamente cuidado.
            Quantas crianças por aí não são cuidadas adequadamente? Que estão sozinhas no meio de tantos e assustadores perigos? Como uma criança aprenderá a se cuidar se ela não é, primeiro, cuidada? Quando somos cuidados, quando percebemos que alguém zela por nossa integridade, física e mental, temos a chance de internalizar esses cuidados e aprender a nos cuidar e zelar por nosso bem estar. Assim, o olhar que tinham para conosco transforma-se no autocuidado tão necessário.
         Queremos que muitos jovens saibam reconhecer o perigo e se defender das ameaças do mundo, mas isso será algo impossível porque esses mesmos jovens nunca viveram de forma plena uma experiência de ser cuidado e por isso não têm condições de se protegerem apropriadamente. Quem não sabe se proteger aceita qualquer convite mesmo que este leve ao perigo. Quem nunca foi cuidado pode acabar até se relacionando com pessoas agressivas e abusivas no futuro e nem entenderão que poderiam evitar esses relacionamentos.
            Cuidar de uma criança, entretanto, não é deixa-la medrosa e desconfiada de tudo e de todos. Isso também não ajudaria em nada e só a deixaria numa posição vulnerável. Como sempre o equilíbrio é que é bom. Devemos ajudar os pequenos a investigar e descobrir o mundo ao seu redor, mas também cuidar para que eles aprendam a reconhecer os perigos próximos e não aceitar qualquer convite que em princípio soa muito bom, mas que pode ter resultados trágicos. Desse jeito, uma criança crescerá para se tornar um adulto mais preparado para a vida.  

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Pergunta de Leitor - De Menino a Homem




Tenho 26 anos e sou formado num bom curso em uma boa faculdade. Nunca me faltou trabalho, mas não tenho prazer nenhum. Faço porque tenho que trabalhar. Vivo com meus pais e só tive um namoro. Quase não saio e nem tenho amigos. Minha vida sexual se resume apenas à masturbação. Não sei o que fazer para ser mais entusiasmado com a vida. Tudo parece não me fazer muito sentido. Me sinto muito dependente dos meus pais. Até mesmo nas férias eu só viajo com eles e nunca viajei sozinho ou com amigos. Como posso deixar de ser tão submisso e cortar de vez o cordão umbilical?

            Aos 26 anos tendo cursado um bom curso em uma boa faculdade você mostra que cresceu intelectualmente. Sua parte racional vai muito bem. No entanto, sexualmente você não cresceu e fica ainda na posição de menino. Não tem vida própria e sente que depende dos pais para tudo. O que se faz necessário entender é o que você faz com sua sexualidade.
            Com sexualidade não quero dizer necessariamente ter uma vida sexual ativa, mas em poder abandonar a infância e ser de fato um homem adulto. Sem a sexualidade não crescemos ou se crescemos é apenas parcialmente, como o seu caso. É um profissional, porém é também um menino. Internamente, permanece-lhe uma parte infantil intensa que te impede de melhor aproveitar a sua vida como adulto. Hoje, a sua sexualidade está retraída, ou seja, não foi desenvolvida plenamente.
            O problema de se permanecer com uma sexualidade parcial é que se fica infantilizado. Entretanto, só alguém adulto pode de fato se realizar, criança não. Se realizar implica em uma audácia e ousadia maior, que são fatores da sexualidade. A criança só quer ficar com os pais e desconfia de estranhos e não quer se relacionar com eles, já que isto demanda uma ousadia (sexualidade) que ainda não possui. Sem a sexualidade ficamos retraídos e numa apatia sem graça e só resta mesmo o colo da mãe e do pai. Sem possuir uma sexualidade fica apenas o desejo por proteção, que você encontra nos seus pais e ambiente familiar. A sexualidade, por outro lado, não propicia essa proteção, mas te convida a experimentar o mundo e assumir riscos.
            Quem troca a sexualidade pela proteção não se dispõe a relacionar-se com quem quer que seja fora do ambiente familiar e se o faz é de forma mecânica e sem envolvimento algum. Com essa atitude não forma laços afetivos e nem se deixa “incendiar” por novos contatos, resultando em menos experiências emocionais de valor, maior desconfiança com o mundo e maior dependência ao conhecido. Em resumo, fica-se numa posição infantil e medrosa em relação a tudo que te exija desbravar o desconhecido. O resultado é uma vida empobrecida. Crescer é arriscado, mas permanecer no cordão umbilical além da conta também é. E agora?

segunda-feira, 22 de maio de 2017

O Possível




            Uma menina brincava com sua boneca de porcelana predileta quando acidentalmente a deixou cair. Seu brinquedo partiu-se em inúmeros pedaços, o que a deixou muito triste, mas ela resolveu pedir a Deus para que ele juntasse os fragmentos e consertasse a boneca. Seu irmão mais velho vendo essa atitude lhe perguntou “Você espera que Deus responda?” A menina disse-lhe que sim e lá foi ela rezar. Após um tempo o irmão quis saber da menina se Deus havia respondido e o que havia respondido. A menina disse que Deus respondeu e que a resposta havia sido um não.
            Com essa simples e singela historieta podemos aprender algo muito importante para essa vida que esquecemos com frequência. Muitas coisas nos acontecem que nos deixam tristes, frustrados, com raiva e nós desejamos que fossem diferentes. Aqueles que são religiosos oram e pedem a Deus o que desejam, outros que não são crentes não oram a Deus, mas secretamente pedem em seu interior que as coisas e a vida sejam de uma maneira ou outra. Porém, na verdade não é bem um pedido, mas uma demanda que se faz para a vida ou até Deus, como se tivessem que funcionar de acordo com o desejo de cada um.
            Perdemos muito tempo exigindo que a vida nos gratifique. Que ela funcione de maneira que concorde com nossos desejos e gastamos muito pouco tempo avaliando se o que desejamos é possível ou até mesmo bom. É muito fácil o ser humano esquecer-se de sua pequenez perante a realidade e acreditar que tudo ao seu redor deveria se dobrar à sua vontade. Há muita arrogância quando cremos que a vida deve ser do jeito que a desejamos e muita birra quando brigamos com a vida desejando o impossível.
            A menina da história acima pediu; a resposta foi não e parece que ela aceitou o seu desejo negado, por isso ela pode continuar em frente. Quando recebemos um não será que aceitamos de verdade a situação? Ou ficamos de mal para com a vida, emburrados porque não obtivemos a resposta que queríamos? Quem pede e exige o impossível, sem aceitar nenhuma contrariedade, tem como único destino a infelicidade e a arrogância. No final o resultado é uma vida muito pobre.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Pergunta de Leitor - Desencontros




Minha mulher decidiu que não vai mais transar. Ela decidiu isso sozinha e disse que na verdade ela nunca gostou de sexo e só fazia para me agradar. Me senti muito mal e ela me faz parecer como se eu fosse um animal por querer sexo com mais constância. Como vou fazer? Se ela não quer sexo e eu sim, qual vai ser o resultado disso? A traição? Não sei mais o que fazer com tudo o que está acontecendo. O que pode me dizer?


            Um casamento sem sexo não é mais um casamento. Sexo é parte importante e vital entre uma união de duas pessoas que se juntam no casamento. Até é possível que um casal fique junto sem o sexo, mas isso não é mais um casamento em si, porém uma parceria, companheirismo ou até mesmo uma amizade. A sua questão é que vocês dois vivem um desencontro no que cada um quer e desencontros assim causam infelicidade.
            O que será que aconteceu com esse casamento? Essa que é a questão a ser considerada. Antes havia sexo, mas agora ela lhe diz que nunca gostou. Se for esse o caso o que será que fez com que vocês dois se enganassem e fechassem os olhos para quem era o outro de verdade? É como se vocês dois não se conhecessem e não soubessem os gostos e necessidades um do outro e agora estão se surpreendendo negativamente. Há muitos casais que se formam sem um conhecer minimamente o outro e uma hora isso trará problemas porque alguém sempre se sentirá enganado.
            Outro ponto que também cria complicações é que você quer uma coisa que ela não quer te dar. A relação fica desequilibrada e relacionamentos que funcionam assim gera um impasse. Porque se ela se nega a dar o que você deseja ela fica com o poder e deixa você insatisfeito. Caso ela ceda, contra a própria vontade, e te dê o que você quer aí você fica com o poder e ela insatisfeita. Desse jeito um ou outro sempre perderá e se um casamento cai nesse desequilíbrio vai despertando ressentimentos de ambos os lados, que aos poucos vai envenenando a vida dos dois.        
            Se a traição servir para você e para ela, pode vir a ser uma solução. Se os dois conseguirem conviver com o fato de você ter sexo fora do casamento e ficarem bem com isso não há problema algum. Agora, se um dos dois não admitir tal hipótese a única possibilidade é vocês repensarem o casamento e se perguntar por que ainda devem ficar juntos. Nem você e nem ela devem viver o que não querem ou o que não podem. Tanto você quanto ela tem o direito de ser feliz. 

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Falta de Luz




            O vídeo acima é uma animação que retrata um guarda de museu protegendo as obras de artes que contém muitos nus. Pinturas e esculturas de mulheres e homens nus desagradam uma pequena freira “ninja” que faz de tudo para colocar uma tarja preta naquilo que ela considera ser uma sem vergonhice. Obviamente que é apenas uma animação divertida, para darmos risadas e é bem interessante, mas podemos também aproveitar para pensar sobre coisas realmente importantes.
            Ignorância leva ao fanatismo, ao preconceito e aos dogmas. Se olharmos bem ignorância nada mais é que uma cegueira, ou seja, não conseguir ver a vida nitidamente e se pautar por achismos que são transformados em verdades. Podemos brincar, se fosse motivo para brincadeiras, que se trata de falta de luz. É uma tarja preta frente à vida.
            Com a luz podemos ver a natureza humana, se abrir para novas experiências e aprender com elas. Na presença da luz podemos nos deslumbrar e nos encantar com o que de fato somos. Nossa sexualidade, quando realmente vista, pode ser bela. Sexualidade é muito mais do que apenas relação sexual, mas é tudo aquilo que nos liga à vida. Quem não se permite ver à sexualidade vai certamente temê-la e quem teme algo condena e tudo aquilo que condenamos odiamos. Em resumo quem odeia a sexualidade odeia, em si, a própria vida.
            Houve na história vários casos de pessoas que destruíram obras de artes que revelavam o nu justamente porque acreditavam que eram obras perigosas já que jogavam luz para a beleza. A freira totalmente coberta com panos odiava seu corpo e negava sua humanidade. Quantas pessoas não vivem assim? O artista precisa de luz para trabalhar e criar aquilo que há de mais belo. Não há arte na escuridão e nem encantamento. E quanto mais “tarjas pretas” colocamos por aí em nossas vidas mais nos afundamos em ignorância e enganos. Como sempre gosto de repetir, somos artistas de nós mesmo e isso nos leva a pergunta: que arte estamos criando?

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Pergunta de Leitora - Gata no Cio




Tenho 22 anos e ainda sou virgem. Fui muito ligada ao catecismo e suas proibições de ter sexo antes do casamento. Acontece que estou namorando e estou gostando muito dele. Saímos, ficamos juntos e até nos beijamos, mas nada além disso. Meu namorado está insistindo muito para que tenhamos relações e o maior problema é que eu também quero. Não sei como explicar, mas quero muito o corpo dele, me perder nesse sentimento, adoro o cheiro dele e isso tudo que estou sentindo é muito ruim porque me faz parecer uma pervertida, uma gata no cio. Quero ser uma boa pessoa, mas como posso ser se quero tanto o sexo com ele? Não quero ser uma transgressora. Não quero estragar meu relacionamento mostrando para meu namorado que não tenho valor e que sucumbo ao desejo. Me ajuda.
           
            É incrível como muitas pessoas não entendem nada da natureza humana e transformam coisas boas em verdadeiras sujeiras. Seu catecismo teve muito mais a ver com uma lavagem cerebral para você sair papagueando regras de conduta e certezas do que é certo ou errado. Enfim, é lamentável que em muitos círculos a natureza humana seja odiada. E outra coisa, qual o problema de uma gata no cio?
            De onde foi que você tirou a estapafúrdia ideia de que ter desejo sexual é errado? Provavelmente do catecismo e dos seus próprios preconceitos. Só que agindo assim você dá mostras de que você é uma pessoa presa e não livre. Está aprisionada porque não pode escolher o que é melhor para você. Quando nos agarramos desesperadamente às “certezas” impostas prestamos um enorme desserviço ao nosso desenvolvimento e bem estar. Quem elege determinadas ideias como certezas infalíveis coloca um grilhão em si mesmo e se imobiliza para pensar.
            Sexo faz parte da vida e não há como negá-lo. Com isso não estou dizendo, até porque não me cabe, que você deve ou não transar com seu namorado. Essa decisão é sua e só você pode arcar com ela e ninguém mais. Agora, o que estou dizendo é que você precisa mudar a visão que tem do sexo e do desejo sexual. Pois a visão que você possui hoje é preconceituosa, presa e pequena, para dizer o mínimo. Ninguém se torna pervertido por reconhecer em si desejos sexuais. Aliás, isso é humano. Pena que você ainda não aprendeu isso.
            A gente pode conduzir a vida ou sendo ovelha de rebanho, que na verdade é conduzida, ou pensando por si próprio. Ser donzela ou não aqui não é a questão. Tem muito mais a ver com você aprender a abandonar preconceitos e acolher com mais generosidade a natureza humana. Muitas gatas no cio tiveram sucesso em construir vidas maravilhosas e muitas donzelas tornaram-se rancorosas com a passagem do tempo. Portanto, não se trata de ser uma ou outra, mas de ser você mesma. 

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Análise de Filme - Capitão Fantástico



             Um filme belo sobre as relações humanas, principalmente entre pais e filhos, é o que oferece o drama Capitão Fantástico (EUA, 2016). Um pai mantem toda sua família (esposa e seis filhos) numa floresta afastada do contato com outras pessoas e do mundo. Lá eles vivem uma espécie de paraíso, longe dos vícios que se encontra numa cidade e que muitas vezes vão deformando o caráter que uma criança poderia vir a desenvolver. A rotina na floresta é dura, com exercícios diários dignos de atletas de elite. Eles têm que caçar sua comida, plantar seus legumes e aprender como se defender em casos de perigo. No entanto, eles também abrem tempo e espaço para ler os grandes clássicos da literatura, estudar pensadores, sociólogos, economistas, história e muitas outras áreas do saber. As crianças variam entre 17 e 4 anos e conforme crescem algumas indagações já começam a ser formadas entre todos como ocorre naturalmente quando crianças deixam de ser crianças e passam a ser jovens. Com a morte da mãe uma mudança se faz necessária, mas como sempre, as mudanças são sempre difíceis e dolorosas.
            O paraíso sempre precisa acabar. Sem o término de uma situação idealizada, concebida como o paraíso, não haveria possibilidade de crescimento. É que crescer implica em sair da idealização e encarar o mundo, por pior que este seja. O pai da família era um grande homem, intelectual, com fortes valores, mas percebe que se ressentia do mundo, queria evita-lo a todo custo. Apesar de ter entrado de cabeça no mundo selvagem resistia entrar no mundo humano com todos os seus defeitos, adversidades e injustiças. Ele queria criar um mundo próprio e particular, mas isso só pode existir por um tempo e não tem como prolongar-se para todo o sempre.
            O pai e mãe ensinavam seus filhos a ler, a pensar e questionar tudo. A educação era primorosa e muito melhor e mais intensa que as crianças poderiam obter numa escola tradicional. Outro ponto muito importante na educação era que todas as questões eram permitidas e o pai não fazia nenhum de seus filhos se sentir mal por estar perguntando algo. Muitas vezes acontece de a maioria dos pais reprimirem as dúvidas dos filhos e darem respostas falsas porque temem encarar temas difíceis e desconfortáveis. Para essa família, entretanto, não havia espaço para falsidades e tudo era visto com naturalidade, inclusive a sexualidade.
            O problema é que havia negação do mundo e suas imperfeiçoes. Não temos como fugir do mundo. A única coisa a fazer é nos prepararmos para lidar com ele de maneira eficiente. O pai temia que seus filhos fossem contaminados por hábitos que os alienassem e tirassem a capacidade de pensar e de torna-los indivíduos verdadeiros e independentes e seu erro (e que pai nunca errou, principalmente por amor?) foi ser rígido demais a ponto de esquecer que os filhos ao crescerem não são mais dos pais, mas de si próprios.
            Sua educação foi tão boa que os filhos começaram, cada um, a procurar o seu caminho e quando um jovem constrói sua estrada vai certamente discordar dos pais em algum momento e pensar de forma diferente. No fim, as famílias, sejam nas grandes cidades ou afastadas no mundo selvagem, passam pelas mesmas experiências. A experiência de separação que permite que cada um vá descortinando a pessoa que quer e que pode vir a ser. A independência é dolorosa e nunca um processo tranquilo, mas turbulento e criador de novas feridas. Em todas as famílias isso ocorre.
            Contudo nas famílias onde o amor impera as feridas e dores que são abertas podem ser superadas e motivo de mudanças e transformações para todos os envolvidos. O resultado é sempre a aprendizagem e crescimento. O que segura e mantém os laços de uma família não é o fator externo como sair do mundo ou se se corromper com o mundo, mas o quanto de amor pode ser vivido verdadeiramente. O filme nos ensina que se não podemos vencer o mundo podemos e devemos aprender a nos preparar para lidar com ele de forma que sejamos sempre nós mesmos.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Pergunta de Leitora - Sexualidade e Vida




Será que todos nós temos instinto sexual? Pergunto isso porque acho que sou diferente. Tenho 26 anos e não tenho interesse nenhum por sexo. Sou saudável e livre de preocupações exageradas. Minha adolescência foi tranquila, mas diferentemente de outras garotas e garotos, eu nunca me interessei por paqueras e coisas assim. O interesse pelo sexo nunca surgiu na minha adolescência. Nunca me atraiu a sexualidade que acho suja. Então o que será que acontece comigo? Nem consigo imaginar alguém me tocando. Isso me dá desprazer muito grande. Imagino que o sexo não seja para mim, que estou além dele. É possível isso?

            Todos nascemos com uma pulsão sexual, é parte da nossa natureza humana. Sem essa pulsão não haveria sexualidade, ou seja, sem a pulsão sexual não nos envolveríamos com nada e a humanidade não existiria. É a sexualidade que nos permite realizar belíssimas obras de arte e se jogar em direção às grandes empreitadas. É a sexualidade que nos faz lutar pela sobrevivência e até perpetuar a espécie humana. Se hoje você tem 26 anos e está viva para contar estórias é porque é dotada de sexualidade, mas talvez você não a entenda e nem saiba lidar com ela.
            Ao contrário do que se imagina a sexualidade não surge na adolescência. Freud, no início do século XX, descreveu como a sexualidade é algo que já nos acomete quando somos pequenos, assim que saímos do útero. Um bebê já é dotado de sexualidade. Agora, não confunda sexualidade com genitalidade. A primeira é muito mais ampla e tem a ver com a forma que nos relacionamos com o mundo, ou em outras palavras, como transamos com o mundo. Só que a sexualidade do bebê é diferente da do adulto. É uma sexualidade parcial, onde os órgãos genitais não são o centro do prazer. Só depois de alguns anos, lá pelos dois anos de uma criança, que ela descobre sua genitalidade. É muito comum vermos crianças pequenas se masturbando ao manipular seus órgãos prazerosamente. Esse ato é natural e não deve ser estimulado e nem mesmo reprimido pelos adultos.
            Conforme a sexualidade e a genitalidade da criança pequena vai se dando se forma a sexualidade e a genitalidade do adulto. A adolescência e vida adulta estão ligadas ao que aconteceu na infância. Alguém que na infância não pôde ter vivido uma sexualidade boa certamente terá dificuldades no futuro. Que, aliás, é o que ocorre com a imensa maioria de todos nós. Essas dificuldades podem ser desde algo relacionado com o ato sexual em si ou com a maneira que nos envolvemos com qualquer coisa que façamos na vida.  Seu nojo e desprazer pelo contato com um outro retratam uma dificuldade que pode ser encontrada na sua história de vida, que pode ser relembrada e elaborada.
            Parece que a sexualidade te assusta e te provoca tantas emoções difíceis de serem toleradas que você decidiu, sem saber que assim fazia, renunciar ao sexo. Hoje, você se coloca além do alcance de uma sexualidade, mas mesmo assim ela não deixa de existir. Ao fazer-me essa pergunta algo em você já está diferente em relação à sua sexualidade. Está trocando o nojo pela curiosidade. Está intrigada com o que lhe sucede. Provavelmente você sinta que já está na hora de se enamorar da vida e de você mesma, o que pode acontecer caso a sexualidade possa ser revisada. Só podemos nos fascinar pela vida quando permitimos o enamoramento e este é pura sexualidade.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Uma Nova Consciência



            Há uma história sobre uma mulher que tinha só três fios de cabelo. Ela acordou uma manhã, viu-se no espelho e decidiu que iria fazer uma trança para aquele dia e seu dia foi ótimo. Na manhã seguinte, ao acordar, notou que tinha só dois fios de cabelo e resolveu seu penteado repartindo-o no meio e seu dia foi ótimo. Em outra manhã só restou um fio de cabelo e ela decidiu que iria fazer um rabo de cavalo e teve um ótimo dia. Até que chegou uma manhã, contudo, que ao se ver no espelho percebeu que não tinha mais cabelo algum, mas ela vibrou e disse para si própria que não precisava arrumar o cabelo naquele dia  que acabou sendo, como quase sempre, ótimo.
            Obviamente essa história é apenas simbólica e não para ser tomada literalmente. Todavia ela nos mostra uma verdade da vida. A verdade é que dependendo de como olhamos para a vida nossas experiências podem ser boas ou ruins. Conforme a lente que usamos para olhar o que nos acontece nossas vivências e interpretações terão naturezas distintas.
            Não se trata, entretanto, de manter pensamentos positivos. Quantas vezes você já tentou pensamentos positivos e nunca deu certo? Aposto que muitas. Não se trata de, superficialmente, olhar o lado bom da vida, colocar um sorriso na cara e acreditar que isso resolve tudo. Quem dera fosse fácil assim. Trata-se, portanto, de uma nova consciência, de um novo relacionamento para com a vida. Trata-se de sentir o que fazemos e como vivemos para perceber que vivemos de maneira ineficiente.
            Quem aqui já não se deparou com um rompante de raiva e acabou brigando com todos e tudo e depois se arrependeu? E ainda prometeu que isso não ia acontecer novamente? Só que não adiantou e esses momentos de rompantes ocorreram inúmeras outras vezes. A pessoa até entende, racionalmente, que essa raiva e explosões são prejudiciais, mas não tem consciência do quanto estão se prejudicando. Há uma divisão entre o que entendem superficialmente e o que sentem de fato. E o que faz alguém mudar não é o entendimento, mas o sentimento.
            Quem fuma sabe muito bem que esse hábito é prejudicial à saúde, mas mesmo assim continua fumando. Sabe e entende os danos do cigarro, porém não sentem de maneira nítida o mal que estão fazendo consigo próprios. Se tivessem essa consciência parariam de fumar imediatamente e teriam um autocuidado para com suas vidas. A consciência de que somos responsáveis pelas nossas vidas e por muito do que nos acontece é fundamental para se viver bem.
            Viver uma vida melhor não se trata apenas de mudar as condições externas, mas acima de tudo de transformar as condições internas. Isso é um processo e não se dá mantendo um olhar superficial positivo, porém criando condições para emergir uma nova consciência sobre nós, para ver claramente como vivemos e como podemos viver. Quando uma nova consciência pode surgir podemos escolher como viver, mas antes de uma verdadeira consciência nascer é impossível escolher o que quer que seja.
            Escolher a forma que vivemos é uma atividade consciente, é preciso estar desperto. Quem permanece adormecido se engana acreditando que escolhe algo, mas na verdade acaba sempre se repetindo e aprisionado nos mesmos erros, dores e atitudes. No entanto, despertar não é mesmo fácil e é um trabalho para a vida toda. Não há descanso e férias desse trabalho e por isso mesmo é tão importante começa-lo já porque no fundo estamos todos atrasados.