sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Pergunta de Leitora - Contrariedade


Tenho 43 anos e estou casada há dez. Te escrevo porque tenho nojo, verdadeira aversão, de transar com meu marido. Não sei explicar o porque. Sempre foi assim, mas eu esperava que com o tempo a vontade dele por sexo fosse diminuir, mas isso não aconteceu. Meu marido e eu nos damos bem e somos ótimos companheiros um para o outro. Acho que eu o amo, mas não consigo transar, pelo menos não querendo. Acabo fazendo forçada para não contrariá-lo. O que será que me acontece?

            Para não contrariar o marido o caminho que você escolheu foi o de contrariar a si mesma. Hoje você transa, não porque quer, mas porque se obriga a tal. A situação do sexo te enoja, é óbvio, porque quando o sexo tem que ser obrigação não dá para ser bom e mesmo assim você continua sustentando essa atitude de se forçar. O que será que isso tudo diz de você?
            Provavelmente diz que há um gozo masoquista presente. A posição que você atualmente ocupa é a da masoquista já que preza a auto humilhação. Porque você prioriza o auto sofrimento eu não sei dizer, pois para isso seria necessário mais informações que você não forneceu. Agora, o que posso entender é que essa situação em que você se encontra já perdura há anos e que você espera que ela se resolva sozinha, sem a sua participação. É por isso que acreditou que a vontade de seu marido por sexo diminuiria com o tempo, o que como você mesma disse não ocorreu e só te levou a mais contrariedade.
            Para sair dessa situação precisa descobrir o que te acontece, mas para isso se faz necessário renunciar ao auto sofrimento. Precisa aprender a escutar o que você tem a dizer da sua historia de vida para compreender em que momento e por quais razões você foi levada a abraçar o gozo masoquista. Já pensou em se colocar em análise? O grande trunfo que a análise propicia é que ao levar o analisando a falar de si para alguém que saiba realmente escutar o analisando relembra o que havia esquecido e perdido de si próprio e tem a oportunidade de criar um novo desfecho para aquilo que vem se repetindo. Desfecho este agora mais favorável. Hoje o que você mais necessita é do conhecimento de si mesma.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Iluminação


            As filosofias orientais e praticamente todas as religiões falam de algo como a necessidade das pessoas de encontrarem “iluminação”. Isso não deixa de ser uma grande verdade também para a psicanálise. A iluminação se faz necessária na vida, caso contrário corre-se o risco de se ficar perdido na escuridão. Iluminar é trazer luz, ou seja, é criar condições para que se possa enxergar.
            Seja nas religiões, nas filosofias orientais ou na própria psicologia iluminar é, descontada as devidas diferenças, o ato de se compreender e de se responsabilizar pela própria vida. O oposto da luz é a treva e quem fica nas trevas não consegue mais ver a si mesmo e nem o outro. Fica-se perdido e quem se encontra perdido anda de um lado para outro sem saber onde quer chegar e com isso desperdiça-se energia e vida.
            Muitos dos distúrbios psicológicos ocorrem porque as pessoas levam uma vida de cegueira. Não enxergam bem o que fazem e por onde vão e terminam por se atropelarem. A doença mental nada mais é do que se encontrar numa treva interna e não conseguirem achar uma saída para o mal de que sofrem. Nesses casos só há uma coisa possível a ser feita: iluminar-se. Só trazendo luz para a própria vida é que se vai encontrar uma saída para um estado de espírito desalentador.
            E como a luz pode ser trazida para a vida de alguém? Através do autoconhecimento. Quem se conhece não fica mais perdido nas trevas e conta com melhores condições para se responsabilizar pela suas decisões e atitudes. Quem pode enxergar dentro de si mesmo não fica preso e acha, com muito mais facilidade, saídas e alternativas que levam a um viver mais eficaz, sem tantos atropelamentos. A escuridão ou a auto-ignorância é a condição original de todos nós. Ninguém nasce iluminado. Porém, essa condição pode e deve ser transformada. O que mais se faz necessário é acender uma luz interna. As vezes, no início, essa luz é de pouca intensidade e não tem longo alcance, mas já é um começo. E o importante nesse caso é começar de alguma forma. Antes a chama de uma pequena vela do que ficar perdido na escuridão. Todas as grandes coisas começam de maneira pequena e isso não seria diferente com nosso autoconhecimento. O melhor investimento que alguém poderia fazer é conhecer a si próprio. Bom para si mesmo e também para o mundo. 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Pergunta de Leitora - Para tudo há limite


Tenho um filho de 32 anos que é alcoólatra. Já tentei fazer de tudo para mudar essa condição e nunca consegui nada. Já levei ele em terapeutas, médicos famosos, clínicas de reabilitação, mas nada chegou a funcionar. Não vivo mais a minha vida pensando no que fazer para tirar o meu filho do álcool. Fico aflita 24 horas por dia e se o dia fosse mais longo ficaria aflita mais horas ainda e o pior é que o meu filho dá risada de toda a minha preocupação e ele não fica nada preocupado. Acha que é tudo uma grande brincadeira. Não agüento mais ver meu filho se destruindo e a mim junto. Teve vezes que tive que buscá-lo jogado na rua como um mendigo. O que posso fazer para ele que ainda não fiz?

            Você já tentou de tudo para ajudar o seu filho, mas nada adiantou. Talvez não reste mesmo mais nada a fazer a respeito disso. Quando alguém não quer mudar ou insiste em negar a reconhecer que tem algum problema não há nada que possa ser feito. Ninguém é tão poderoso que pode fazer o outro mudar, nem mesmo as mães!
            Quanto mais você se preocupa e se desespera pelo seu filho mais ele se sente no direito de não ter que se preocupar. Ao insistir na aflição que sente por ele mais ele se recusa a enxergar a própria responsabilidade nas suas atitudes. Ele está na posição da criança mimada que não precisa dar conta de nada e nem pagar nenhum preço.
            Agora, você pode, sim, fazer algo muito importante. Não por ele, mas por você mesma. Você pode se responsabilizar pela sua própria vida; cuidar de você e das suas necessidades está dentro das suas possibilidades. Será que isso você já tentou? Está na hora de direcionar o seu olhar e as suas energias para o desenvolvimento do seu bem estar e parar de se preocupar com quem não dá a mínima.
            Compreendo, no entanto, que talvez você se sinta culpada em fazer isso. Talvez ache que seja a mesma coisa que abandonar o filho ao léu, mas chega uma hora que é preciso saber abrir mão do que não funciona. Você não será uma má mãe por causa disso. Afinal, ele já é um homem adulto que precisa aprender a enfrentar as conseqüências de suas irresponsabilidades. Querer tirá-lo da realidade de que é ele que precisa se comprometer com sua melhora não vai ajudá-lo em nada. Você trava um luta ingrata e é chegado o momento de saber lutar a boa luta, sobre aquilo que você pode mudar. Que tal mudar a sua história e buscar um profissional que te escute e te ajude a se voltar para si mesma?

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O Papel da Psicanálise


            Muitos acreditam que o papel da psicanálise é totalmente diferente do que é na realidade. Alguns acreditam que isso é coisa de louco, que se trata de algo para os manicômios. Outros que é coisa de fresco e de quem não tem o que fazer. Alguns ainda vêem a psicanálise como algo mágico que vai trazer soluções para suas vidas. Não só a psicanálise é frequentemente vista de forma errônea como também há bastante preconceito para com ela.
            A psicanálise não é só para os loucos, mas para o ser humano. É trabalho sério e não é mágica. Seu papel é possibilitar a criação de um espaço onde uma pessoa possa vir a se compreender. Parece pouca coisa, porém é algo grandioso e necessário. Quem não se compreende se engana e adoece mais fácil. É que quem não se entende fica preso em muitas armadilhas e fica fadado à repetição. A psicanálise nos ajuda a dar um significado para o que acontece internamente e que não é visto claramente.
            Algumas vezes temos determinadas atitudes que nos causam mal e pior do que isso é ficar sempre a repetir essas mesmas atitudes. No espaço da análise pode-se encontrar o significado por detrás dessas atitudes, saber da sua origem e com isso possuir meios para se livrar delas, para se reconstruir de outra forma onde a vida é prazerosa. Ao dar um sentido a sentimentos e emoções sufocados a psicanálise permite uma mudança na vida.
            O benefício da psicanálise não é só individual, mas é social também. Afinal, indivíduos mais saudáveis transformam o ambiente a sua volta. Uma pessoa que se compreende e se reconstrói acolhe melhor seu mundo e tem muito mais inteligência e sensibilidade para provocar mudanças que se fazem necessárias. O preconceito que existe contra a psicanálise é devido ela buscar a verdade e não a enganação. Se deparar com a própria verdade nunca é fácil e a tendência de querer se enganar é sempre grande. No entanto, isso só forma pessoas doentes e pessoas deste tipo contribuem de maneira negativa para a sociedade. A psicanálise tem um papel importante a cumprir na dimensão individual e na social.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Pergunta de Leitora - Luto Permanente


Sou uma enfermeira particular e cuido de pessoas idosas e geralmente em estado terminal. Sou sozinha, nunca me casei e muitas vezes convivo mais com os idosos com quem trabalho do que com pessoas do meu circulo e idade. Sou religiosa e antigamente acreditava em deus e em sua misericórdia para conosco. Rezava com freqüência mas ultimamente acho que perdi completamente a fé. Não acredito em mais nada e estou passando a acreditar que os ateus estão certos em afirmar que nada existe. Mas é muito ruim me sentir assim. A minha pergunta é: será que é possível acreditar em algo que possa me deixar feliz? Será que é possível preencher esse vazio que me oprime com alguma coisa, mas que não me faça cair no engano de que deus vai cuidar de mim?

            Você tem um trabalho duro: cuidar de idosos em estado terminal. Convive com muitas dores, sofrimentos e sentimentos de dúvida em relação a vida. Provavelmente se encontra contaminada pelo desânimo e pela falta de esperança. Antes havia a idéia de deus para lhe trazer algum conforto, mas agora isso mudou e faz você se sentir perdida.
            Para complicar ainda mais a situação você sofre de solidão. Há poucos vínculos saudáveis e alegres que possam te animar e trazer vitalidade para viver. As suas ligações com as pessoas que necessitam de cuidados são tênues e pesadas. Não favorecem a alegria que tanto lhe falta, mas te convidam ao estado de luto permanente. Quando o luto persiste além da conta a vida perde o seu melhor.
            Só que nem tudo é tempo ruim. Parece que o sentimento de esperança enfraqueceu em você, mas não morreu. Tal como brasa que precisa de um sopro para acender, você precisa de algo para acreditar e poder se encantar e se animar. O que lhe falta acreditar é saber que a sua vida pode ser fonte de felicidade.
            Ninguém vai e ninguém pode tomar conta da sua vida. Essa é uma tarefa que só cabe a você. Afinal, só você pode saber do seu caminho e qual a melhor maneira de trilhá-lo. A vida, certamente, tem muitos sofrimentos, mas pode ser encantadora e surpreendente. Precisa se permitir ver a vida de outro ponto de vista. Não há só uma única perspectiva, mas várias. Encontrar e desenvolver a sua é o melhor caminho que poderá pegar. Em outras palavras, você precisa aprender que a vida traz outras possibilidades que não apenas o luto. Procure ajuda de um analista que saiba te escutar para você aprender a se ouvir e construir internamente algo mais saudável a que se apegar.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Hostilidade


“Se pudéssemos ler a história secreta de nossos inimigos encontraríamos em cada vida tristeza e sofrimento suficientes para aplacar qualquer hostilidade.” (Henry Longfellow)
            É natural se aborrecer e se irritar com determinadas pessoas. Todo mundo passa por isso. Agora, quando a irritação em relação aos outros passa a cobrar um preço alto demais para a vida isso se torna um problema. Aí, corre-se o risco de ficar ressentido e isso não é benéfico para vida de ninguém. Não precisamos tolerar tudo dos outros, porém não se precisa ficar tão irritado com o outro a ponto disso atrapalhar viver bem.
            Quando ficamos hostis em relação aos outros é porque nos sentimos frustrados e sentimos raivas das pessoas que nos causaram frustrações. Tendemos a julgá-las e a acreditar que essas pessoas só vieram ao mundo com o objetivo de nos tirar do sério. Queremos nos livrar delas rapidamente e até desejamos, ocultamente é claro, que elas se dêem mal. Quando isso acontece ficamos com um leve sentimento de satisfação e depois de culpa. Nesses casos o que se precisa é saber lidar com essas pessoas inconvenientes de uma forma mais apropriada e sábia.
            Não temos controle sobre como os outros funcionam, mas podemos ter controle sobre como vamos funcionar em relação aos outros. A questão, então, passa a ser como nós vamos lidar com a situação de ter que se ver com uma pessoa chata. Mudando a questão muda-se completamente toda a abordagem que precisamos encontrar para resolver esse problema. E além disso, muda-se também o sentimento que podemos ter em relação aos outros. Seremos mais compassivos, porém lembrando que ser compassivo não significa ter que aceitar qualquer coisa.
           Quando se tem em mente que não estamos presos ao outro e que podemos encontrar maneiras de deixar claro que não queremos ser aborrecidos terminamos por ver o outro de outra perspectiva. Antes o outro era só chatice, mas agora se torna uma pessoa cheia de problemas, como qualquer um, e que tem grandes dificuldades em se desenvolver. Uma pessoa chata faz mal, principalmente, a si mesma e se encontra numa posição bem precária. Ver as coisas desta forma permite que deixemos a hostilidade de lado e assumamos outro posicionamento. Assim nos livramos do sentimento de raiva em relação ao outro e nos tornamos mais livres para encontrar outras maneiras de viver com pessoas que nos causam desagrado. A atitude dos outros não devem ter poderes sobre nós. Devemos e podemos sempre mudar tal situação. 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Pegunta de Leitor - Meu Reino Por Um Cavalo


Tenho 25 anos e tenho um irmão mais novo de 22 anos. No geral nos damos bem, mas ele tem mania de se fazer de vítima. Finge que está doente para os meus pais só para eles ficarem com pena dele e não exigir nada dele como exigem de mim. Quando falo para meus pais que isso é frescura do meu irmão eles acham que eu estou com ciúmes. Só que com isso meu irmão acaba levando uma vida bem melhor do que a minha e tem muito mais regalias. Dá vontade de fingir também só para ver se sou tratado melhor pelos meus pais. Até o carro que ele ganhou é mais novo e melhor que o meu e quando falei isso todos acham que estou chorando de barriga cheia. Como posso abrir os olhos dos meus pais?

            Como posso abrir os olhos dos meus pais? Talvez deseje abrir os olhos errados. Os olhos que têm que ser abertos são os seus e não os dos outros. Ao desejar abrir os olhos errados você perde tempo em abrir os seus e deixa de enxergar a realidade.
            Tanto você como seu irmão se portam de maneira mimada. Entram numa disputa por saber quem mais recebe regalias e quem mais recebe atenção. Porém, nessa disputa há uma perda de tempo de usarem as oportunidades para se desenvolverem, crescerem e se tornarem cada vez mais independentes e aprenderem a deixar de lado disputas inúteis. Nessa família parece que todos fecham os olhos.
            Abrir os olhos no seu caso significa mudar a sua posição. Sair da posição em que se encontra para outra onde possa priorizar o seu crescimento. Se seu irmão não quer crescer e prefere fingir para receber tudo fácil essa não precisa ser a sua direção. Poderá escolher outra mais sábia que te leve por outro caminho e que te traga conquistas verdadeiras e realizações.
            Ao querer se igualar ao seu irmão você deseja a posição de menino mimado e se ressente por não ter sucesso nisso. Mas o sucesso que pode realmente te satisfazer é o de amadurecer e procurar seguir em frente com sua vida o melhor que puder. Caso aceite a realidade que demanda que alguém cresça de fato terá muito a ganhar e nada a perder. Afinal, o que são algumas regalias perto de realizações verdadeiras? Skakespeare em uma de suas peças fez um rei louco que dizia:  Meu reino por um cavalo! Você acredita que tenha sido uma boa troca?

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Sentimento de Solidão


            Vivemos numa época de rápidas conexões, mas nunca nos sentimos tão sós. Estamos rodeados por pessoas e mesmo assim nos sentimos solitários. Até mesmo quando nos encontramos com muitos amigos podemos carregar o sentimento de solidão e nos sentir mal. Afinal, de onde vem esse sentimento?
            Nos primeiros meses de vida vivemos uma relação com a mãe muito significativa. Quando tudo vai bem entre mãe e bebê o relacionamento é sentido por este último como algo mágico. A comunicação é pré-verbal e funciona através da intuição, ou seja, a mãe intui o que se passa com seu bebê e trata de cuidar de suas urgências e necessidades. Nesses momentos o bebê jamais se sente solitário e nem tem medo da solidão. No entanto, com o tempo o bebê percebe que sua mãe tem vida própria e que não pode ficar à sua disposição 24 horas por dia. É o primeiro contato com a solidão e é assustador. É preciso desenvolver habilidades para se comunicar com o mundo externo, pois nem sempre haverá uma mãe para traduzir e interpretar o seu desejo. A criança descobre que tem que crescer e crescer é solitário.
            Na vida adulta o sentimento de solidão está associado aos primeiros meses de vida. Queremos encontrar alguém ou algo que seja mágico e que nos traga uma sensação de completude. Buscamos cada vez mais ligações na intenção de encontrar a mágica perdida de antes. Só que isso não acontece e nem tem como acontecer. A vida do adulto exige que ele tolere a frustração de se contentar com ligações reais e possíveis e não mais esperar sobre o que não tem como existir. O sentimento de solidão existe quando esperamos por ligações mágicas.
            Provavelmente a origem e o sucesso das famosas redes sociais têm a ver com a exploração do sentimento de solidão. Em algum grau é até possível que elas consigam mitigar um pouco esse sentimento, mas nunca será completamente satisfatório. Sempre nos sentiremos sós. Esse sentimento só poderá ser mais ou menos resolvido a medida que usamos da comunicação verbal e aceitar todos os limites que ela implica, bem como tolerar relacionamentos reais e não mais se apegar ao impossível. Solidão sempre existirá, mas não precisa ser tão temida.