segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Quando Gozar Vira Uma Tortura




            Quando chega a época do carnaval vemos inúmeras pessoas sentindo-se obrigadas a se divertir horrores. Para elas é preciso curtir, pular, beber, gargalhar desenfreadamente. Não é opcional, mas obrigatório e quem não entra na onda da folia sem limites é porque não sabe se divertir ou é um fracassado. Bom mesmo, de acordo com muita gente, é festar como se não houvesse amanhã e como se nossa felicidade se baseasse no quanto estamos gozando de uma alegria exuberante. Hoje, o mandamento que muito seguem é: “Terás que gozar”!
            Uma pessoa que jamais se permite viver a dimensão do prazer será, com certeza, frustrada. Se nada pode e se tudo é proibido isso gerará muitos sofrimentos e “neuroses”. Afinal, a vida sem prazer e sem festa torna-se intolerável. Entretanto, o mandamento obrigatório de ter que se divertir à beça também é torturante e nos faz viver numa prisão. Nesses casos uma pessoa se sente obrigada a mostrar uma alegria escandalosa que não existe, mas que se quer fingir que existe.
            Quando a festa é compulsória e exagerada é porque se trata de um desespero que fica oculto atrás de tantos pulos e gritos. Não se enganem. Quem mais entra num delírio de alegria é quem mais está desesperado e quem procura uma forma de compensar esse sentimento de desespero através de excessos: bebidas, comidas, drogas, sexo e declarações insistentes do quanto sabem curtir a vida. Tanto a proibição do prazer quanto o prazer excessivo são sinais de que algo não vai bem, de que se leva a vida ineficientemente.
            O budismo acredita que só pode ser feliz quem alcança o caminho do meio, que é equilibrado. Para Buda, as atitudes extremas só oferecem mais sofrimentos e ignorância. A ignorância procura compensações para a vida, o que só leva a enganos. Para a psicanálise quando há obrigação de se gozar é porque já não há mais prazer, mas angústia que precisaria e poderia ser tratada. Caso contrário o prazer facilmente vira tortura.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Pergunta de Leitora - Defeito é não se amar



Nasci com um defeito físico na face e já passei por várias cirurgias. Mesmo que essas mesmas cirurgias tenham melhorado nunca fui normal e são muitos o que me encaram com espanto e horror na rua. Minha mãe fica triste e para baixo com a minha situação. Ela não se perdoa, achando que a culpa é dela. No entanto, ela nunca me protegeu das chacotas das crianças na escola e da rua. Sempre tive vários apelidos pejorativos. Meu pai nunca quis saber de mim e falava que eu jamais poderia ser filha dele sendo tão feia assim. Meu tio disse que já que eu era feia deveria, ao menos, ser inteligente, mas ele me chama de burra frequentemente. Eu sei que sou uma pessoa gentil e boa e que posso fazer muitas coisas na minha vida que me deem prazer, mas parece que preciso sempre ficar justificando minha existência. Só que as vezes fico desanimada e sem vontade de viver. Já fiz terapia e não me ajudou. O que posso fazer para sair dessa situação?

            A marca mais pesada que você carrega não está no que você chama de defeito físico, mas na falta de relacionamentos afetivos de qualidade. Relacionamentos que tivessem te dado a oportunidade de você gostar de si e de aprender a se amar. A diferença, seja ela qual for, é um direito e você não precisa justificar o seu direito à existência.
            Sua mãe se culpa, você diz, talvez porque ela não consegue se perdoar por ter tido uma filha com “defeito”. Ela fica infeliz nessa situação. Entretanto, você não precisa ficar, afinal você não nasceu para fazer a sua mãe feliz. Esta não é a sua obrigação. A sua missão é você poder viver bem, já a felicidade da sua mãe é tarefa dela. Sobre seu pai não há comentários, além dele ser um desalmado. Com pais assim que não se permitiram te amar você ficou sem aprender a se amar. A gente aprende a se amar com o olhar do amor do outro.
            Hoje, você precisa de novos pais. Porém, os pais a que me refiro são os pais internos, aqueles que você pode criar dentro de si para se preservar dos ataques e maldades que vêm de fora; e que crie condições para uma construção de uma verdadeira autoestima. Em outras palavras, você vai precisar aprender a se olhar de uma maneira diferente. Você necessita dar a você mesma o que seus pais e familiares nunca te deram: afeto verdadeiro que te instigue a desbravar as suas potencialidades e que não te permita sentir pena de si própria.
            Você diz que já fez terapia, mas será que foi a psicoterapia certa, com o profissional certo? O profissional que pode te beneficiar é aquele que poderá te escutar de fato e possibilitar que você tenha um novo olhar e entendimento de você mesma e do seu sofrimento. É aquele que poderá enxergar além do seu “defeito” e criar condições para fazer emergir quem você realmente é. Enfim, é aquele que poderá te ajudar a transformar a sua dor em algo que te faça crescer. Você já sabe que é gentil e boa e que pode realizar muitas coisas, só precisa dar passos além que te possibilite dar um desfecho mais favorável à sua história. 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A Barbárie em cada um de Nós




            A vida civilizada seria impossível sem contenção dos nossos impulsos agressivos. Freud, em seu famoso trabalho “Mal estar na civilização”, deixou claro que todos nós carregamos impulsos de natureza agressiva que se não forem devidamente contidos e elaborados são um sério risco à sociedade. Sem contenção imperaria a lei do mais forte e a humanidade não poderia se desenvolver. O que está acontecendo no estado do Espírito Santo mostra bem a barbárie que existe em cada um de nós quando não há contenção.
            Foi só a polícia se retirar das ruas que o pandemônio se instalou rapidamente. E não foram só ladrões que saquearam lojas e mercados, depredaram, assaltaram e criaram terror, mas cidadãos de bem que nunca haviam praticados atos dessa magnitude. Se tivesse sido apenas os bandidos entenderíamos que a falta da força policial deixou o terreno aberto para os crimes. Todavia, homens e mulheres comuns, sem passagem pelo crime, mostraram que internamente são selvagens e que nunca desenvolveram uma verdadeira contenção para com seus impulsos.
            Quem não construiu dentro de si contenção fica sujeito aos próprios impulsos e para de pensar. Agem como bestas sem limites e creem que tudo podem. O fato de não haver polícia deu a sensação de que tudo era uma festa sem fronteiras para satisfazer o que de mais primitivo havia em suas mentes. É a lei do mais forte e esta lei é o fim do respeito que preserva a vida em sociedade. Mais do que a falta dos serviços da polícia o que falta é uma mente que tenha se desenvolvido a contento para não cair nos impulsos primitivos.
            Por contenção não me refiro a repressão. De nada adianta viver uma repressão maciça na mente. Isto também gera sofrimento. Contenção é o meio do caminho entre a selvageria e a ditadura. Viver bem e em sociedade significa entender que nem tudo se pode e se deve. Diferentemente dos brasileiros, quando houve a tsunami no Japão deixando tanta gente desabrigada, os japoneses não incorreram em nenhum crime. Será que os japoneses não têm impulsos agressivos ou será que eles desenvolveram uma mente que lida melhor com a primitividade? Precisamos de uma educação sentimental que nos dê meios para conter o que há de mais selvagem dentro de nós.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Pergunta de Leitora - Encontros



Tenho um tipo específico de sonho com certa frequência, nele sempre apareço tendo relações com uma mulher durante o sonho, eu gosto mas quando acordo me sinto muito mal e sempre ocorre no sonho de alguém estar perto e eu sempre sinto medo também, os lugares são sempre escuros. Durante minha infância eu tive uma aproximação diferente também com meninas, mas foi uma coisa que acabou e nunca mais aconteceu, nunca aconteceu de me apaixonar por mulher ou de chegar a ter relação com alguma, só senti atração por uma mulher que eu nem conhecia, sempre me relacionei com homens. A possibilidade de ter que repensar sobre a minha sexualidade me deixa bastante deprimida, eu perderia o amor da minha mãe, que abomina esse tipo de pensamento. Me sinto tão confusa quando tenho esse tipo de sonho, me sinto desconfortável de conversar com alguém mais próximo sobre isso.


            Nós não somos responsáveis pelos sonhos que temos. A criação de um sonho independe de nossa mente consciente de modo que não deveríamos, jamais, nos sentir culpados pelos sonhos que nos surgem. Você, em contrapartida, parece se sentir muito incomodada pela recorrência e teor dos seus sonhos e também culpada como se pudesse evitar tê-los. Isso mostra o quanto de auto crueldade você vem tendo consigo mesma.
            Esta postura cruel deriva de muitos julgamentos cristalizados dentro de você que geram preconceitos. Com esta atitude você fica irritada e aborrecida e não abre espaço para se conhecer mais. Parece que há um temor e tentativas de evitar você lidar com aquilo que há de mais interno e privado em você. Pensar e vir a conhecer mais sobre si mesma lhe deixa “deprimida” nas suas palavras. A depressão, em muitos casos, pode ser entendida como um grande sentimento de ódio pela vida e por si próprio.
            Parece que você teme sua sexualidade e mais precisamente o fato de estar com outra mulher. Não sei dizer se você é ou não homossexual. Esse sonho pode ter vários significados que não apenas aquilo que se manifesta. Pode até ser que essa outra mulher do sonho seja você mesma, como se você precisasse se encontrar, mas você adota uma atitude muito defensiva como se uma tragédia se anunciasse. Sendo homossexual ou não se faz necessário lidar com sua sexualidade de maneira amorosa e humana, ou seja, sem preconceitos e julgamentos. Não há como ninguém se livrar da natureza sexual e quanto mais você tentar mais confusa ficará.
            A sexualidade, seja ela de qualquer orientação, sempre traz mudanças e você teme mudar e perder seus pontos de referência. Tem medo de deixar de ser a menina que foi para conhecer a mulher que pode vir a ser. Teme que a mãe não mais te reconheça e portanto não mais te ame. Porém, se deixarmos de ser quem podemos ser corremos o risco de ser infelizes e isso nunca é um bom negócio. Você afirma se sentir desconfortável em falar disso com alguém, mas me escreveu. Será que não é hora de procurar um profissional que saiba te escutar e te ajude a se conhecer? Assim poderá abrir mão de gastar energia com defesas para poder viver de fato a sua vida. 

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Sobre a Carência



            O conto de fada João e Maria nos traz duas crianças pequenas abandonadas pelos pais numa floresta porque estes não tinham mais recursos para cuidar e alimentar os filhos. Perdidos num lugar desconhecido e ameaçador as crianças são logo atraídas por uma senhora que em princípio parecia muito atenciosa e boazinha e que lhe promete muitos doces e uma casa. As crianças não pensam duas vezes e seguem a mulher sedutora que na verdade era uma bruxa que tinha intenções cruéis com os pequenos. Apesar da velha alimentá-los, seu propósito era cozinha-los assim que eles tivessem mais cheinhos e quando as crianças descobrem seu vil plano arranjam um jeito de escapar. Essa estória vista pela perspectiva da psicanálise fala sobre a carência e os perigos que amaçam alguém carente.
            Os pais de João e Maria não ter recursos para cuidar dos filhos não precisa, necessariamente, ser entendido apenas como recurso financeiro. Na verdade, não tinham recursos internos e psicológicos para cuidar das crianças que se viam, por sua vez, sozinhos e abandonados. Eram crianças carentes de afeto, de cuidados e que andavam a esmo, perdidos procurando por alguém que lhes fornecessem a atenção que buscavam. A bruxa ao perceber isso, essa falta básica nas crianças, decide se aproveitar utilizando-se da sedução. A bruxa é sedutora, pois promete falsamente em vista de tirar vantagem. Porém, para alguém cair numa promessa sedutora precisa estar carente.
            A carência que aqui me refiro tem a ver com a falta de cuidados básicos em termos afetivos. Uma pessoa que nunca aprendeu a se cuidar internamente também não aprende a se amar. Fica bastante claro perceber que alguém que nunca aprendeu a se amar não tem como se preservar, fica meio que à deriva e por isso mesmo suscetível aos perigos da sedução. Já alguém que foi cuidado, amado e com isso aprendeu a se amar sabe como se preservar e por conseguinte não irá cair em qualquer sedução, pois saberá avaliar melhor os perigos que corre. Essa pessoa que se cuida não estará desesperada por afeto e atenção e assim não será tão impulsiva em corresponder qualquer convite.
            Quantas pessoas não caem no canto da sereia, em muitas seduções baratas, porque nunca aprenderam a se preservar? Há inúmeros exemplos de gente que fazem maus negócios seduzidos pelo lucro fácil e rápido ou que entram em relacionamentos doentios porque tem certeza de que a pessoa com quem está lhe ama realmente mesmo com todas as evidencias contrárias. Enfim, são muitas as seduções existentes para quem está desesperadamente carente. Nesses casos é preciso cuidar da própria carência, construir dentro de si o que faltou. Trabalhoso, sem dúvida, mas só percorrendo esse caminho, de muito trabalho interno, que se pode resolver de forma mais eficaz e satisfatória o estado de carência. Uma pessoa mais bem resolvida em suas faltas básicas internas não cai em estória para boi dormir. Assim que João e Maria aprenderam que não era com a bruxa que iriam satisfazer suas reais necessidades puderam se livrar dela e seguir em frente.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Pergunta de Leitor - Sob Olhares da Censura


Não aguento a casa dos meus pais. Me sinto um estranho, alguém indevido. Ainda faço faculdade e não tenho meu sustento garantido e por isso que moro com eles. Minha mãe é uma louca fanática por religião. Para ela tudo é pecado. Em casa, tirando a porta da frente, nenhuma tem chave, porque ela entra em todos os lugares para ver se ninguém está fazendo nada errado. Nem mesmo o banheiro. Ela teme que eu ou minha irmã esteja se masturbando. Ela várias vezes durante a noite irrompe no meu quarto para vistoriar. Meu pai é apagado. Não fala nada, não faz nada, não reclama nada. Só assiste televisão o dia inteiro. Os dois são aposentados. Tenho vontade de escapar daqui, de sumir. Não posso ter amigos, porque minha mãe diz que ninguém presta, namorar então nem pensar! Preciso de um espaço só meu, de um lugar onde eu possa viver em paz. Minha irmã já está enlouquecendo e ficando igual minha mãe, tanto que até já desistiu de fazer faculdade.

            Talvez esse seja também seu medo: de enlouquecer. Você fala de uma casa que nada tem de lar, mas de uma prisão, algo como um reformatório. Há sanatórios e casas de reeducação que se utilizam do controle e da censura como forma de se vigiar a vida íntima. É que na intimidade e privacidade podemos nos desenvolver.
            Você já viu que muitas faculdades, principalmente as do tempo da ditadura, têm portas em suas salas de aula com um vitrô que permite quem está passando nos corredores observar o que se passa dentro da aula? Isso é chamado de mecanismo pan-óptico, que permite a observação com fins de controle. As faculdades eram vistas como inimigas por pensarem diferentes e promoverem certos questionamentos. Na ditadura as universidades eram controladas de perto.
            Sua mãe controla todos. Ninguém pode ter direito à privacidade. Ela é persecutória, ou seja, perseguida pelas próprias fantasias que por sua vez a levam a tentar controlar quem está a sua volta. A sexualidade, que requer intimidade para ser conhecida e se desenvolver, é tratada com ataques paranoides. Enfim, não é a toa que você queira se ver livre. Ninguém quer estabelecer residência em uma prisão.
            A gente só se desenvolve na intimidade de nossa mente. Sem construir um espaço interno não temos como viver como seres individuados e independentes. Por enquanto você precisa desse lugar para morar de acordo com o que você disse, mas não precisa ser sempre assim e já pode desde já planejar sua saía. E mesmo nesse lugar/prisão sua mãe até pode invadir o seu quarto, mas não precisa deixá-la invadir a sua mente. Esse espaço é que você precisa aprender como preservar. Gandhi, quando foi preso, disse: Prenderam meu corpo, mas meu espírito continua e sempre continuará livre. Você não precisa enlouquecer.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Mimados e o Mundo na Atualidade




            O que há de gente mimada não está escrito. Por mimado não se quer dizer que é ter tudo o que ser quer ou ter todas as suas vontades satisfeitas. É muito mais do que isso. Ser mimado significa ficar entregue aos próprios impulsos sem nada que os segure. Uma pessoa mimada, então, é alguém que não é capaz de tolerar o que sente e que precisa jogar para fora, expulsar, ou seja, atuar fora de si tudo o que vem sentindo.
            Quando alguém não consegue tolerar o que sente, quando os impulsos são muito intensos e não há uma mente que dê conta deles, esse alguém explodirá, brigará facilmente, dirá poucas e boas para quem quer que esteja por perto. Em outras palavras, uma pessoa assim esperneará toda vez que sentir um sentimento de desagrado. Isso é ser mimado. Ela não consegue “guardar” nada e o que quer que for que ela esteja sentindo não pode ser trabalhado, pensado e transformado.
            Reagir de forma mimada empobrece. É que agindo assim a mente fica limitada apenas a servir como algo que somente expulsa o que se sente de desprazer e não é utilizada para se pensar. Pobreza mental é quando não utilizamos a mente de fato, mas apenas de maneira evacuatória. E a mente para a pessoa mimada é apenas algo que facilita a evacuação. Entretanto, a mente é algo que se bem utilizada desenvolve recursos cada vez mais eficientes para que possamos lidar com as coisas que sentimos e com isso aproveitemos melhor a vida.
            O problema de não se ter uma mente desenvolvida é que todos os impulsos sentidos não encontram limites, algo que os intermedeie. Por isso que alguém mimado fica entregue aos impulsos de forma crua e violenta, já que não conta com uma mente que seja capaz de filtrar o que sente e impor limites. Limites a gente não deve impor só às crianças e aos outros, mas a nós mesmos também quando necessário. Sem limites a gente fica vulnerável demais ao que sentimos e a única maneira que vamos dispor para lidar com tudo isso é evacuando, ou seja, jogando tudo o que sentimos para fora sem nem perceber a forma que estamos fazendo isso. Isso tudo abre espaço para os mal-entendidos, explosões de fúria, drogadição, atitudes autodestrutivas  e muitos outros comportamentos bem característicos de pessoas sem uma mente suficientemente desenvolvida para dar conta da vida.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Pergunta de Leitor - Problema Cabeludo



Muitos podem me achar machista, mas sempre fui conservador e tradicional. Meu filho de 9 anos insiste em deixar o cabelo comprido. A mãe dele, somos separados, parece não ligar, mas eu fico incomodado. Já tentei falar com ela, mas ela por pirraça, por saber que eu não gosto, não fala nada e fica do lado do filho. Já falei várias vezes com meu filho, mas ele assim mesmo deixa o cabelo comprido. Muitos amigos e pessoas estranhas como vizinhos comentam. Tem gente que até pensa que ele é menina por causa dos cabelos. Fico muito irritado e tem vezes que quero cortar os cabelos dele à força. Por que ninguém entende que não quero que ele seja confundido com uma menina?


            Como será que cabelos longos podem causar tanto mal estar e incômodo? Podemos olhar isso de duas maneiras. Uma delas é que seu filho tem cabelos compridos e gosta assim. Ponto. Um fato da vida sem nenhuma complicação. A segunda maneira é ver isso como um problema, como se se tratasse de algo que tivesse um significado maior do que simplesmente é.
            Os cabelos compridos do seu filho de 9 anos são um problema para você e ninguém mais. Esse incômodo é seu e ninguém mais além de você está dando bola para isso. Se alguém comenta, qual seria o problema? Há pessoas que não têm nada melhor para fazer do que comentar a vida dos outros, mas por que isso seria um problema para você? Na verdade não é um problema, mas você torna um problema.
            Parece que o problema para você é que um menino não pode ter cabelos compridos. Como se o gênero fosse definido pelo comprimento que alguém mantem suas madeixas. A ideia padrão que você tem do que deva ser um menino não encontra respaldo na maneira que seu filho quer manter o corpo dele e isso te incomoda. Te incomoda perceber que seu filho é independente de você e pode ter as próprias ideias que, no caso, são diferentes das suas. Mas se seu filho está bem assim por que é difícil aceitar?
            Não há problema algum ser conservador e tradicional, como você se definiu, mas acaba trazendo sofrimentos desnecessários quando você quer que todos também vivam da mesma forma. Não existe uma cartilha de como alguém deve ser e se portar. Se você aceitar isso poderá se libertar das suas próprias prisões e viverá livre para ser quem você puder ser e não quem você crê que deva ser. Com isso, o cabelo do seu filho não será mais problema algum.