segunda-feira, 30 de março de 2015

Uma questão maior


            Muito tem se falado da questão da maioridade penal. O número de crimes cometidos por aqueles abaixo dos 18 anos de idade tem subido de forma alarmante e assustado a todos. Alguns consideram que isso seja devido ao fato de quem é menor não ter o mesmo tratamento por parte da justiça dado àqueles maiores de idade. Outros pensam que diminuir a idade penal fere os direitos dos adolescentes e que eles não podem responder por si mesmos. O triste de toda essa confusão e discussões é que fica uma questão de poder, ou seja, ficam a discutir quem está com a razão e ninguém pensa mais em encontrar soluções viáveis e benéficas para toda a sociedade. Em outras palavras, perdemos muito tempo e energia com insignificâncias
            A violência não está aumentando apenas entre os de menor idade, mas como um todo e em todas as faixas etárias. O grande mistério para a maior parte das pessoas é porque isso está acontecendo. Vivemos numa época cujas necessidades materiais mais básicas são atendidas, apesar de que para muitos precariamente, mas melhor do que já foi no decorrer da história, portanto imagina-se que com essa melhora as coisas pudessem se tranquilizar e não o contrário. O maior erro desse pensamento é acreditar que basta só melhorar as condições materiais da sociedade e que todo o resto se desenvolve naturalmente. Não é assim.
            Para o ser humano é necessário mais do que condições físicas satisfatórias ou razoavelmente satisfatórias para se desenvolver de fato. O humano é feito de sentidos e significados e estas são coisas que só se encontram através da educação sentimental que se dá através dos relacionamentos de qualidade. A educação sentimental é mercadoria rara até porque esse tipo de mercadoria não se compra e nem se ganha gratuitamente, mas só pode ser conquistada com muito trabalho interno. Trabalho interno é o trabalho de pensar sobre a própria vida e poder se fazer capaz de tomar decisões boas, realmente construtivas.
            Na educação sentimental aprende-se o valor do humano. O outro passa a ser considerado como pessoa com todas as suas características e possibilidades de sofrimentos. Respeita-se o espaço do vizinho e o seu direito à vida. A educação sentimental começa em casa através dos relacionamentos familiares. Ela continua também na escola através dos relacionamentos pedagógicos de respeito mútuos. A educação sentimental também vai para a rua quando se respeita o bem público e a normas de trânsito. Se expande também para a dimensão cívica que é a política voltada ao desenvolvimento e não aos próprios interesses.
            O que falta realmente são relações humanas de qualidade. Somente com esse tipo de relacionamento é que as coisas poderão verdadeiramente mudar. A psicanálise, sabiamente, nos ensina que carregamos dentro de nós tanto um lado construtivo e portanto produtivo e voltado ao bem quanto um lado destrutivo que obviamente só visa a destruição. Assim é o ser humano. Faz-se, então, importante aprender a controlar o lado destrutivo e aumentar o lado criativo. Aprender a conter o que há de ódio dentro de si e não deixar que ele se espalhe e contamine todas as formas de relação. Só que isso leva mais tempo e é bem mais trabalhoso e custoso, já que aprender a conter o que há de pior dentro de cada um é um trabalho de todos e não só para algumas poucas pessoas. A questão é muito maior do que a maioridade penal, mas tem muito mais a ver com a forma que vamos viver daqui para frente.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Pergunta de Leitor - Aprender a se amar


Tenho 25 anos, sou bacharel em Ciências Contábeis e há 2 tornei-me policial militar, que era um sonho antigo desde a infância. Fui criado pela minha mãe com dificuldades, pois meu progenitor a abandonou grávida quando soube da minha existência. Tenho sofrido muito, não sou feliz e não acredito mais em felicidade e família. Vivo constantemente com crises de depressão que vão e voltam. Já tentei tratar, mas o dinheiro não “aguentou”. Não tenho parentes, minha vida é extremamente sozinha. Fui criado com formação cristã protestante e isso também dificultou as coisas para mim, principalmente nos relacionamentos com mulheres. A propósito acho que é isso que me angustia: nunca namorei, não conheço o amor, antes ainda saia e “ficava” mas depois de certo tempo me vi preso aos estudos e trabalho para sustentar a casa desde os 17 anos. Meu dinheirinho escorria pelas minhas mãos para pagar as contas e eu sempre sozinho, pois afinal de contas que moça vai querer um idiota que vive trabalhando e mora com a mãe. Para saciar momentaneamente minha necessidade sexual procurava prostitutas e por fim também travestis, sentia revolta, repúdio, nojo de mim mesmo quando terminava o ato. No meu coração ainda bradava o sonho quase utópico de ter uma família normal. Mas quando chegava em casa o choro descia sobre meu rosto. Não me considero um homem de assunto, sinto vergonha, não tenho aquele papinho malandro pra conquistar mulheres e isso me faz sofrer demais. Prendo criminosos armados, corremos riscos de morte nas madrugadas perigosas da cidade, mas me acovardo diante de um encontro, fico pensando que não vou ter assunto, sem falar que também penso que eu não deveria ter nascido, penso recorrentemente em morrer, me ajude.

            O que mais chama atenção em seu email é a maneira como você se refere a si mesmo. Está repleto de auto ódio e isto vem lhe sendo bastante prejudicial. Você se vê com olhos muitos duros e se trata de forma muito cruel, o que mostra que precisa aprender a ser mais generoso consigo. Falta-lhe amor próprio e sem este nossa vida fica muito intolerável e nossas experiências ficam todas contaminadas com o desânimo e a desesperança. Você nunca teve oportunidades de aprender a se amar, apenas sabe como é se repudiar e com isso fica preso num ciclo vicioso de auto ódio. Vai ser preciso quebrar esse padrão e construir outro mais favorável.
            No seu discurso sobre si as únicas coisas que você conhece são ruins e negativas. Parece desconhecer características muito importantes e saudáveis como a sua sensibilidade, inteligência, esforço e persistência. A sua vida, como você mesmo sabe, teve muitas dificuldades e mesmo assim você se tornou alguém com duas profissões! Acha que é pouca coisa? Sustenta a casa desde uma idade precoce e é alguém que dá conta de muitas responsabilidades. Interessante que isso você não reconhece, já que consegue olhar tão somente o que não te favorece. Se conseguiu tantas coisas como resultado do trabalho duro foi devido à sua força e empenho e isso demonstra que há em você algo muito bom e precioso, uma pulsão de vida, que precisa ser cultivada e desenvolvida.
            Você se apresenta como não sendo um homem de assunto e faz pouco de si. Está identificado, provavelmente, com o passado onde seu pai abandonou você e à sua mãe. Com ele não teve “assunto” e nem conversa; ele nunca levou vocês dois a sério e é justamente o que você hoje faz consigo mesmo. Você nunca aprendeu a se levar a sério de verdade. O passado, entretanto, não há como mudar, mas o presente pode e deve ser transformado para que lhe seja mais benéfico e justo. As dores pelas marcas passadas são inevitáveis, porém o sofrimento no tempo presente pode ser opcional.
            Quando você diz que o dinheiro não “aguenta” e escorre pelas suas mãos não é apenas o dinheiro físico e concreto que você se refere, mas ao fato de que não consegue manter um investimento afetivo consigo. Todos os auto investimentos se perdem e fica apenas um auto olhar depreciativo. Agora, saiba que não é a sua vida que precisa mudar, mas o discurso que você tem de si, ou seja, precisa transformar a maneira que você se vê e se concebe. Uma psicoterapia lhe é fundamental para que você escute o seu discurso, compreenda-se e passe a se acolher e construir-se de uma nova maneira. Vai ser preciso se aguentar e não deixar-se escorrer porque assim você só se perde e fica longe da pessoa que realmente é. Está mais do que na hora de transformar esse nojo que você sente de si por algum sentimento mais verdadeiro e justo. 

segunda-feira, 23 de março de 2015

Equilíbrio


            Todo mundo reconhece que o mundo está repleto de egoísmo e que este pode ser bastante prejudicial aos relacionamentos sadios. Acredita-se que para trazer uma melhora nessa condição se faz necessário mais generosidade e que só esta pode combater com eficácia os danos causados pelo egoísmo. Não é bem por aí, porque muitas vezes a generosidade desmedida pode ser justamente aquilo que mais reforça o egoísmo. A única coisa que pode combater o egoísmo é o amor, que certamente contém generosidade, mas que é acima de tudo muito mais do que generosidade, é justiça.
            Generosidade e egoísmo são dois extremos e tudo que se encontra em lados opostos nunca funciona com equilíbrio, mas contribui para o desequilíbrio. Aqui se fala da generosidade exacerbada que é quando há uma entrega total, sem contexto e sem medida. O indivíduo generoso ao extremo abdica até mesmo dos seus direitos pelo outro, para não decepcioná-lo e isso nunca é um bom negócio, pois intensifica as atitudes egoístas de determinadas pessoas que terminam por exigir mais do que precisam. A verdade é que quando há generosidade demais em algumas pessoas, cria-se egoísmo em outras e vice-versa.
            Só quando há equilíbrio na balança dos sentimentos é que as coisas funcionam bem e de forma eficaz. O amor é um dos sentimentos mais equilibrados que existem, pois ele torna quem o sente inteligente e justo. O amor acredita e valoriza o direito de todos, de forma igualitária e não abre espaço para que alguns tenham mais direitos que outros. A verdadeira justiça só pode ser feita com amor e à medida que ocupa uma posição intermediária entre a generosidade extrema e o egoísmo prejudicial. Sem um ponto intermediário de equilíbrio não há justiça.
            Quando pessoas abrem mão de seus direitos e passam a adotar comportamentos de total compreensão em relação aos outros reforçam atitudes egoístas e de total falta de responsabilidade. Ser verdadeiramente generoso não significa compreender e aceitar tudo do outro, principalmente quando o outro possui atitudes que só visam ao interesse próprio, sem nenhum respeito e empatia para com as condições alheias. Como diz um ditado popular “Quando se dá a mão já quer o braço” são atitudes sustentadas pelos extremos da generosidade e do egoísmo. O amor não é só uma questão de generosidade, mas de justiça e de se entender que nem tudo se pode e de que não há apenas o meu desejo no mundo.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Pergunta de Leitora - Mãos na terra


Sei que posso ser feliz, sinto isso. Só não sei como. Tenho bons recursos tanto financeiros quanto internos para ser feliz, mas de algum modo sinto que me desperdiço. Não sei por que e como isso acontece. Só sei que é assim. Me zango muito facilmente com as coisas e com as pessoas, você não faz ideia, mas sinto e sei que tenho um bom coração. Não sei expressar todas as coisas boas que tenho, e isso me assusta muito, só sei que o que acaba por aparecer é meu lado feio. Como mudar tudo isso? Como ser feliz de fato?

            A felicidade, ou seja, o bem estar psíquico pode estar ao alcance, mas o que impede que seja alcançada são os obstáculos que muitas pessoas colocam em seu caminho. Você expressou isso quando compreende que pode ser feliz e que tem condições para tal, mas sente que algo em você impede isso de acontecer.
            Nessas horas precisamos nos interiorizar, nos voltar para a nossa própria história para entender como as coisas estão como estão. Quais são os obstáculos que erguemos e com que finalidade? Resposta que só poderá ser encontrada quando se ousa deixar o inconsciente falar. Sim, porque é o inconsciente que devemos buscar para trazer luz sobre o que nos impede de estar bem. O que você quer é a análise, é aprender a se escutar para se entender.
            Você sabe que internamente há coisas boas, porém não consegue ter acesso a elas ou pelo menos o acesso que possui é muito precário. Zangar-se facilmente e se aborrecer é certamente uma baixa tolerância a frustração. Você quer evitar tudo aquilo que lhe causa desprazer, quer se livrar do trabalho que é pensar sobre as experiências de vida e transformá-las em algo proveitoso para a sua evolução. Você quer crescer, mas sem ter muito trabalho. Deseja uma colheita farta só que não quer mexer na terra.
            Ao aprender a aumentar o nível de tolerância à frustração poderá refletir mais sobre si mesma e terá mais condições de se expandir. Não ficará mais empacada na posição da ignorância que é não poder utilizar seus recursos para o seu crescimento. Você já assumiu que não sabe o que lhe acontece e isso é bastante favorável, pois quem assume que não sabe abre espaço para a construção de um saber. Procure ajuda para se ver livre e usar suas potencialidades de forma mais sábia e proveitosa. A vida é preciosa demais para não sermos felizes e a liberdade nunca vem gratuitamente, mas apenas como resultado de todo um trabalho. 

segunda-feira, 16 de março de 2015

A Garrafa Continente


            Todo mundo precisa aprender a se preservar dos próprios impulsos. Aprendemos isso desenvolvendo e criando recursos que permitem que nossos impulsos possam ser contidos e não precisem ser atuados. O grande problema de se atuar um impulso, ou seja, de ceder a ele, é que os impulsos não são material proveniente do pensamento, mas das nossas reações mais primitivas. O ódio, por exemplo, é um impulso existente em todos nós, mas se agirmos quando estamos dominados pelo ódio é muito provável que meteremos os pés pelas mãos e que sairemos prejudicados.
            Impulsos são emoções primitivas e devemos sempre nos preservar delas. No entanto, para se conseguir isso se faz necessário uma mente que tenha sido desenvolvida. Esse desenvolvimento se dá através das experiências de vida e das relações humanas de qualidade. E quando o aparelho mental pode ser cultivado e enriquecido isso serve como um continente, algo que tem a capacidade de conter, como uma garrafa que contém algum líquido que colocamos nela. A garrafa não só contém como também preserva o seu conteúdo.
            Essa garrafa/mente pode então fazer com que o conteúdo, que são basicamente nossos impulsos, pelo menos numa primeira etapa da vida, sejam contidos e não se derramem causando estragos. Uma mente fortalecida nos oferece contenção e permite que nossos impulsos não necessitem ser atuados, mas que possam permanecer dentro de nós para serem pensados e elaborados. Enfim, se aquilo que sentimos puder ser acolhido para ser trabalhado não precisaremos mais reagir impulsivamente e nos preservaremos.
            Por outro lado, uma garrafa quebrada não pode conter nada e todo o seu conteúdo se esvai. Uma garrafa que contenha ácido, se quebrada trará sérios danos e uma mente cheia de conteúdos ácidos e perigosos se não conseguir se conter permitirá que nós atuemos emoções primitivas e potencialmente prejudiciais. Quantas substâncias virulentas já não deixamos escapar causando graves prejuízos porque não tínhamos internamente uma “garrafa” que contivesse o que sentíamos? Devemos refletir mais sobre isso.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Pergunta de Leitora - Não só uma maneira



Sou seguidora do pensamento oriental que acho bem mais evoluído. Se todos entendessem e praticassem o budismo e o hinduísmo o mundo seria bem mais justo, porque saberiam da existência do carma e que na próxima vida teriam que pagar pelo o que fazem nessa. Quero sempre viver um bom carma para que numa próxima vida eu tenha uma vida melhor. O carma é assunto sério e entendê-lo é a única via possível para se estar bem na vida. Você não concorda? O que acha de se estabelecer a sabedoria oriental nas escolas como disciplina obrigatória? As crianças seriam educadas de forma bem melhor.

            As pessoas são diferentes uma das outras e o que serve e encanta uma determinada pessoa não necessariamente servirá e encantará outra. Por isso mesmo os caminhos são vários e querer estabelecer apenas uma única via é perigoso e empobrecedor. Assim começam as ditaduras e o pensamento dogmático. A variedade é sempre a melhor opção.
            O pensamento oriental é riquíssimo e quando pensado de forma não dogmática tem muito a nos ensinar. No entanto, a sabedoria do oriente não pode ser visto como remédio universal, aquele que dá fim em todos os males e que tem todas as respostas. Acreditar que algo tem a cura mágica para tudo é ilusão e esta não tem nada a ver com a realidade e só podemos viver a realidade.
            Na parte oriental do mundo também há injustiças e cenas tristes. Não é um mar de rosas como seria de se esperar. Ter uma sabedoria e por outro lado vivê-la são coisas diferentes e em muitos casos a diferença entre as duas é um abismo. Entretanto, o mundo não será um lugar melhor trocando uma coisa por outra, mas apenas a medida que as pessoas puderem modificar seus pensamentos e viver de forma mais amorosa. Só que isso não se dá através do dogma e também nem se dá rapidamente.
            Quanto ao conceito de karma ele é muito mal compreendido. Karma quer dizer ação, ou seja, somos responsáveis por nossas ações nessa vida mesmo, dentro da nossa realidade. Somos responsáveis sobre o que fazemos conosco e com os outros, pois toda ação sempre causa uma reação. O conceito de karma leva a importância de estarmos atentos ao que fazemos e não agir apenas por impulsos, leva a que refinamos nossas ações. Na linguagem psicanalítica seria dito deixar um estado de inconsciência para um de consciência. Em si não tem nada a ver com outra vida, mas com o que fazemos nessa que é a nossa realidade em que de fato vivemos. Quando um conceito encontra a realidade aí sim pode haver algo fértil e verdadeiramente transformador. Conceitos sem realidade ficam apenas na teoria.

segunda-feira, 9 de março de 2015

A Arte da Apreciação


            Na internet há uma matéria sobre um grupo de pessoas que investem em artes, pois as artes são seguras e não perdem o valor. São pessoas possuidoras de Picasso e Van Gogh e muitos outras obras primas, mas o que me chamou a atenção é que elas eram incapazes de admirar a beleza artística dessas obras. Nas suas próprias palavras disseram que nem queriam saber do que as obras se tratavam e de suas histórias. Essas pessoas apenas compram grandes obras primas como um seguro financeiro e jamais por gosto. Há uma cisão nelas entre a capacidade de apreciar a arte e o pensamento racional de se usar a arte.
            Apreciar arte exige um tipo de compromisso que tem a ver com a entrega das emoções, é se deixar tocar por aquilo que é belo e que nos desperta algo. É se envolver emocionalmente com algo. Há pessoas incapazes deste ato, pois elas temem o envolvimento emocional. As emoções ao mesmo tempo que encantam também podem trazer sofrimentos e essas pessoas querem, a todo custo, evitar o sofrimento e por isso mesmo realizam uma cisão entre o que sentem e o que pensam. Assim, elas acreditam estarem se protegendo de um possível sofrimento.
            Não conseguir apreciar uma peça de arte não é problemático, já pode ser questão de costume, ignorância ou até mesmo falta de gosto. O problema é quando há uma cisão nos relacionamentos dessas pessoas. Sendo este o caso os relacionamentos ficam empobrecidos e não servem para tornar a vida mais prazerosa e bela. A vida, para quem usa intensamente da cisão, é apenas um jogo e no jogo o objetivo é sempre ganhar. Há perda de vida, pois não há espaço para o aprendizado que vem das emoções.
            Ficar cindido dá uma falta sensação de segurança, há a idéia de que quem não se deixa tocar por aquilo que sente não irá quebrar a cara com frustrações. O único problema e furo nessa teoria é que essas pessoas já vivem frustradas. A frustração delas é o medo que têm de viver. Transformam o que poderia ser uma experiência vital em algo meramente burocrático. É como esse grupo de investidores de artes. Têm um Van Gogh, mas são incapazes de sentir  e viver algo além de suas cifras econômicas que podem ser mensuráveis pelo pensamento exclusivamente racional. 

sexta-feira, 6 de março de 2015

Pergunta de Leitor - Não imortal, mas infinito


Tenho 49 e estou separado há dois anos. Conheci uma mulher de 33 anos e nos apaixonamos. Tenho medo de parecer ridículo ao amar uma mulher tão mais jovem. Alguns dizem que isso é crise da meia idade. Não quero que me confundam como pai dela ou que pensem que ela está comigo apenas por interesse. Nos amamos mesmo, pelo menos é assim que sinto. Fico com medo de viver esse amor publicamente. Meu primeiro casamento foi um terror, só brigávamos e não existia nenhuma concordância entre nós. Eu sonhava uma coisa e ela outra ou nem sonhava para dizer a verdade. Agora tenho uma chance de ser feliz no amor, mas por quanto tempo? Nossa diferença de idade é de 16 anos, logo fico velho e se ela não quiser mais nada comigo? Não sei também se não a estou condenando a viver com um velho e que ela ainda não percebeu a gravidade disso tudo. O que fazer?


            Você sabe o que fazer, mas o que te impede é o medo. O medo pode ser algo bom quando nos protege e quando nos preserva, porém quando ele nos imobiliza não serve para nada. Quem tem medo e se entrega a ele sem nenhuma reflexão se impede de viver experiências importantes. Há momentos em que o medo deve ser superado.
            Hoje você encontrou alguém para sonhar com você, mas tem medo de viver essa experiência porque isso pode parecer ridículo. Ora, ridículo é nunca viver o amor quando ele se apresenta. O bonde do amor está passando na sua frente e cabe a você tomar uma decisão se o pega ou não. Não são todos que tem a sorte desse bonde passar. Tem certeza de que pode deixá-lo partir sem embarcar?
            No seu relacionamento anterior você viveu um experiência que te mostrou a importância de se estar em concordância com a parceira, de se sonhar junto e de se deixar tocar por um sentimento verdadeiro. Você não viveu isso no relacionamento de antes, mas sente que pode viver agora. Se vocês dois concordam com o que vivem quem é que pode contrariar o desejo de vocês? É exatamente esse o ponto. Você vai se contrariar como viveu com a primeira mulher ou vai se dar uma nova chance? Quem vive contrariado vive adoecido. Está na hora de buscar a cura.
            Quanto a você achar que sua amada não sabe no que está se metendo, bem, não cabe a você decidir por ela, afinal ela já tem 33 anos, ou seja, não é mais uma menina boba, mas uma mulher que pode tomar suas próprias decisões. Não confunda amá-la com cuidar dos interesses dela. Deixe que ela tome o caminho que quiser. Já a duração desse amor não há como prever e nem precisa dessa previsão. O amor não é contado em tempo, até porque ele desconhece o tempo, pois quem ama acredita na eternidade. Vinicius de Moraes entendia isso muito bem já que no seu Soneto de Fidelidade escreveu: Eu posso me dizer do amor: que não seja imortal, posto é chama, mas que seja infinito enquanto dure.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Ódio Coletivo


            Vemos várias manifestações ocorrendo Brasil afora demostrando o desagrado com decisões políticas bastante prejudiciais. Greves, passeatas, panelaços estão ultimamente na pauta de muitas cidades. Isso tudo é bom quando é fruto realmente de um movimento que tem por objetivo defender os interesses públicos e trazer melhores condições de vida. O problema acontece quando no meio dos motivos justos surge a possibilidade de realização de um ódio coletivo. Aí a coisa descamba e perde a razão de ser.
            Quando a manifestação passa a ser uma quebradeira o que está ocorrendo não tem nada a ver com democracia e luta por melhorias, mas está relacionado simplesmente com o sentimento de ódio. Um grupo funcionando movido por ódio não consegue mais pensar, ficando apenas com reações primitivas e destrutivas. Nesses grupos o ódio individual de cada membro é “juntado” transformando-se num ódio coletivo. Essas transformações são muito prejudiciais e não têm mais objetivos que não seja a manifestação dos impulsos agressivos.
            Infelizmente muitas dessas demonstrações de ódio coletivo são revestidas com propósitos legítimos, ou seja, parece que estão a serviço de uma luta justa quando na verdade nada mais são do que um meio para que os impulsos agressivos encontrem satisfação. Saber diferenciar um grupo do outro se faz importante e compreender o que se está sentindo ao participar de um destes grupos é primordial. É sempre vital saber o que realmente nos move.
               As pessoas e grupos mobilizados pelo ódio se auto enganam crendo que suas demandas são justas e reais. Entretanto, esse engano é apenas uma desculpa para exteriorizarem as suas más condições mentais. Esses movimentos elegem inimigos facilmente, que são frutos de suas projeções e veem a destruição como a suprema solução para todos os problemas. Pois é, manifestar dignamente a indignação e lutar por justiça demanda uma mente desenvolvida. Para a nossa tristeza mentes desenvolvidas são artigos raros e com isso o que restá é o ódio puro, cru e empobrecedor.