sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Pergunta de Leitora - Devaneios


Eu encontrei o teu blog, não sei se é do teu interesse, este tipo de questionamento, mas eu preciso perguntar. Eu sou cinéfila, noveleira e adoro ler. Por isso já me deparei diversas vezes com histórias de mães e filhos, pais e filhos, parentes que por alguma razão são separados e depois de muitos anos voltam a se encontrar. Mesmo sem saber do parentesco desenvolvem uma grande amizade, criam afinidades, como se inconscientemente a pessoa soubesse que aquele amigo é um pai, uma mãe. Como um chamado do sangue. Não sei se expliquei bem, mas é isso. Fiquei com essa dúvida, o sangue realmente fala mais alto? Ou é pura ficção? Se tu puder me dar a tua opinão, agradeço.

            Você não sabe se é do meu interesse esse tipo de questionamento, mas precisa perguntar. O que será que isso revela de você? Não faço ideia, pois para isso precisaria de mais informações que você não me deu. No entanto, chamou a atenção a maneira que você se apresentou.
            O que me pede, uma opinião, para o “chamado do sangue”, não tem uma resposta conclusiva. A vida é cheia de mistérios dos quais pouco entendemos. Isto, sim, posso afirmar. Mais do que isso seria presunção ou um convite para fazer valer o devaneio. Decorrer sobre um assunto desta categoria para se chegar a alguma conclusão é o mesmo que querer construir castelos no ar.
            O que é real e o que é ficção em você? Talvez essa pergunta seja muito mais válida e de possível resposta. Para isso vai precisar se voltar para si mesma em vez de devanear. Há dois tipos de devaneios, o útil e o inútil e você precisa escolher o primeiro.
            No romance Dom Quixote o personagem título não sabia mais o que era ficção e realidade e fazia muitas trapalhadas e corria até riscos, porém ele contava com seu fiel Sancho Pança que o punha a salvo. Ele devaneava porque não suportava a realidade. Só que devanear sem criar dentro de si um Sancho Pança pode ser infrutífero já que não leva a uma compreensão verdadeira, mas a um desvio de responder o que de fato precisa ser respondido. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Imediatismo


            Circula na internet um quadrinho, cujo autor eu desconheço, onde aparece um gênio da lâmpada falando com um cachorro deitado de barriga para cima. O gênio informa o cachorro de que este só tem mais um desejo e pergunta se ele quer mesmo mais um carinho na barriga. Muito provavelmente já sabemos a resposta a essa pergunta. O cachorro responderá que sim. Com essa piada, bem bolada, aprendemos sobre a natureza da mente que se não trabalhada quer apenas o imediatismo.
            Tal como o cachorro desse quadrinho as crianças e muitos adultos se comportam dessa mesma maneira. Querem ter todos os seus desejos realizados rapidamente e com isso não conseguem “pensar” e assim construir uma vida mais estruturada. Freud, criador da psicanálise, observou algo que chamou de princípio do prazer que significa a pessoa não ter nenhuma tolerância a esperar pela não realização de um desejo agora para poder realizar algo bem melhor no futuro. No princípio do prazer os desejos são imperativos e quaisquer obstáculos são sentidos com grande frustração e ódio. Nesse estado não há espaço para o pensamento, apenas para a satisfação.
            O problema é que viver só desta forma nos torna muito primitivos. Porque quem não pensa não consegue fazer planos e quem não faz planos fica impossibilitado de construir algo de valor. A vida se torna empobrecida já que a única ciosa que conta é a satisfação do aqui e agora. O planejar, aguardar e ir construindo algo se torna intolerável e fonte de inúmeras frustrações. Buscar pelo imediatismo tão somente nos torna primitivos e para amadurecer é preciso transformar esse estado.
           O princípio da realidade que Freud também descreveu é o que transforma um estado primitivo de busca imediata por prazer em algo mais refinado e amadurecido. O princípio da realidade permite que exista um pensamento e pensar significa bem avaliar seus desejos e decidir se vale apena realizá-los e até mesmo como realizá-los. O sujeito, nesses casos, não fica mais preso ao império da satisfação, mas pode decidir o que lhe é melhor. Deixa de estar numa posição passiva (preso à satisfação do desejo) para adotar uma posição ativa (livre para escolher). Deixa o primitivismo e passa a ser humano. Uma pessoa assim saberia bem melhor lidar com a própria mente e poderia escolher bem mais proveitosamente quais desejos quer de fato realizar. Enfim, com o estabelecimento do princípio da realidade a pessoa passa a ser dona de si mesma.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Pergunta de Leitora - Libertar o que está dentro


Sempre tive vontade de fazer análise. Isso há anos. No entanto, não a fiz por medo. Receio estar em análise e ser transformada em outra que não sou eu. Explico: tenho certas manias e trabalho com artes e acredito que muito das minhas inspirações venham das minhas “excentricidades” e que se eu me desfizer delas eu perderei minha inspiração e não conseguirei criar mais nada. Não sei se isso acontece de fato, mas morro de medo. Ao mesmo tempo acho que eu me beneficiaria muito de uma análise. O que fazer nesse caso?

            É muito comum acreditar que a análise vai mudar a pessoa tão completamente que ao final desse processo ela se tornará irreconhecível e sem mais nada do que havia sido no passado. Porém, acreditar nisso é um engano e coloca o processo analítico numa posição que não lhe cabe.
            O objetivo de uma análise não é “transformar” uma pessoa. Até porque ela nem tem esse poder. O objetivo de uma análise é ajudar a pessoa a se livrar de seus conflitos internos que tornam a vida pesada e que muitas vezes acabam por comprometer a reais potencialidades de determinada pessoa. Em outras palavras, ao estar em análise a pessoa pode vir a ser quem ela realmente é e não ficar empacada em algum ponto sem dele conseguir sair e com isso se empobrecer.
            No entanto, acredito que seu medo pode estar se referindo a resistência de estar em análise. É claro que se trata de um processo transformador, mas não porque a análise vai te transformar, mas porque você mesma vai se transformar a medida que o processo ocorre. Essa transformação sempre causa ansiedade, pois qualquer coisa que mexe conosco tem sempre esse poder de nos trazer ansiedades e exige um trabalho mental de elaboração dessas mudanças. A resistência, então, funciona como um alerta para você não buscar nenhuma mudança que vai te mostrar um lado desconhecido de você mesma.
            Agora, posso lhe dizer com certeza, de que sua inspiração não vem de suas “excentricidades”, mas de você mesma. Parece que você vê a sua inspiração como algo que lhe é alheio e não como algo que lhe é seu e interno. Você assim se engana porque valoriza mais as suas manias do que a sua inspiração e potencialidade em si. A análise não modifica ninguém. Ela apenas ajudar a nascer o que está latente dentro de você.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Convenções


            É muito comum encontrar analisandos que cobram de seus analistas um diagnóstico. Querem ser “enquadrados” em alguma palavra dos manuais de patologia. Mesmo aquelas pessoas que dizem que não ligam nada para a questão do diagnóstico, ás vezes, desejam que lhe sejam dadas algum nome de algum distúrbio. Isso acontece porque as pessoas, de maneira geral, querem se apegar a alguma coisa, querem uma palavra para o que lhes acontece e um nome para o que sentem, ao invés de se descobrirem e se construírem.
            É bastante comum, também, encontrar analisandos que se perguntam com freqüência se são normais. Como se normalidade pudesse ser algo palpável, mensurável e que dissesse alguma coisa. O que no fundo acontece nisso tudo é o desejo das pessoas de se enquadrarem em algo. Para algumas é insuportável não se saber pertencer em algum tipo de descrição. Não é a toa que hoje transbordam pseudos diagnósticos como bipolar, depressivo, borderline, etc. É um festival de diagnósticos que só serve mais para atrapalhar do que ajudar.
            Os diagnósticos podem ser bastante úteis para o profissional pensar e estudar seu trabalho, porém não devem ser dados a torto e a direito. Diagnóstico em si não quer dizer muita coisa e precisa-se de tempo para ser elaborado com respeito. Portanto, não é algo que deveria ser “distribuído” com tanta falta de cerimônia. Muito mais importante do que o diagnóstico em si é a pessoa que está ali procurando ajuda. Isso, sim, é o que importa: a pessoa. Tanto que não se vai tratar do diagnóstico, mas da pessoa. 
            A busca por diagnósticos e pela normalidade é um engano. Isso diminui a pessoa e exalta a tipificação. Quando isso acontece as palavras passam a ter um sentido perverso e servem para encobrir as singularidades e características das pessoas. Em vez de serem convidadas a se descobrir e usar suas potencialidades, a pessoa que se apega ou é levada a se apegar ao diagnóstico se empobrece, pois fica tão agarrada a uma ou algumas palavras que se esquece de ver o que tem de bom e em potencial dentro de si. O que deve importar na vida é se realizar e não ser normal ou possuir um bom diagnóstico. O bem viver deve estar acima de qualquer convenção.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Pergunta de Leitora - Ciúmes e autoestima


Meu namorado não tem o menor ciúme de mim. Isso me deixa preocupada porque acho que o ciúme, controlado, é sinal de que há amor na relação. Eu morro de ciúmes dele e fico imaginando que de uma hora para outra ele pode não querer mais nada comigo e me abandonar. Ele parece que não tem medo disso acontecer. A única coisa que percebo é que se outro homem me olha com mais intensidade ele fica meio irritado. Mas fora isso ele parece não temer nada. Será que ele me ama de verdade? Ou será que estou procurando pelo em ovo?

            Homens e mulheres vivem os ciúmes, geralmente, de maneiras diferentes. É sempre complicado generalizar porque somos tão variados que qualquer generalização pode soar muito limitadora, mas podemos dizer que as formas diferentes de se experimentar os ciúmes têm relação com o que é mais valorizado por cada gênero.
            Enquanto as mulheres têm como tema principal de suas angústias temerem serem abandonadas os homens se angustiam com o despossuir. Para as mulheres é muito importante se saberem amadas pelos homens, saberem que possuem um lugar de destaque em seus corações. Numa pesquisa de uma universidade americana quando mulheres num relacionamento perguntadas sobre seus maiores medos a resposta mais freqüente foi serem abandonadas pelos seus companheiros e as mulheres solteiras responderam que temiam jamais terem alguém que as amasse. Já o temor masculino, tanto dos comprometidos quanto dos solteiros, era o de ser despossuído como por exemplo perder a mulher para outro ou perder sua posição ou status.
            Não se preocupe em medir o amor do seu namorado pela escala do ciúme. Isso não te ajudará em nada e só te fará se sentir diminuída. Procure antes entender que ter ciúmes não significa necessariamente prova de amor. Cada relacionamento é único e demanda que os envolvidos saibam o que realmente acontecem com eles. Dizer que o sucesso de dado relacionamento está baseado na comparação de certas emoções é um tremendo equivoco. 
            Agora, a fonte maior do sentimento de ciúmes vem da baixa autoestima. Quem sofre de baixa autoestima tende a acreditar que não tem nada interessante e de que não é capaz de manter a atração. Talvez seja proveitoso você refletir como anda sua autoestima e se perceber que não está boa mudar isso para que não fique presa do medo de ser abandonada. Quando você transforma para melhor a visão que tem de si mesma alguns medos não terão mais razão para existir.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Má Acomodação


            Segundo algumas experiências se uma rã for colocada numa panela cheia de água fervente ela pulará para fora imediatamente. Caso essa mesma rã seja colocada em uma panela de água fria que for esquentada lentamente a rã não perceberá que algo está acontecendo e ficará parada na mesma água até ao ponto de morrer cozida. Isso ocorre porque a rã, que tem sangue frio, não reconhece quando a temperatura muda vagarosamente e ela vai se acostumando com a temperatura ambiente mesmo que esta vá matá-la. Sua falta de percepção se tornou seu fim.
            Pensando no que acontece com a rã podemos aprender uma lição do que pode acontecer com nossa mente. Muitas vezes não percebemos que estamos nos “acostumando” a viver com uma baixa qualidade de vida e com isso acabamos correndo sérios riscos. Quando nos deparamos com uma perda imediata sentimo-nos emocionalmente para baixo e sabemos por que isso se dá. A perda de uma pessoa querida nos joga para um trabalho de luto. Perder um emprego nos deixa inseguros. Receber qualquer golpe sempre nos faz sentir perdidos. O problema é quando a gente vai se ressentindo aos poucos. Se deprimindo lentamente. Nos corroendo com ansiedades que começam pequenas e vão crescendo. Nesses casos a gente não percebe o que está acontecendo e tende a se acostumar até um ponto crítico.
            É perigoso se acostumar com estados mentais empobrecidos. Isto faz com que a vida perca a graça e em alguns casos mais extremos até mesmo perca o sentido. Ficamos presos aos poucos e cada vez mais essa prisão se torna algo forte que impede a pessoa de viver prazerosamente e com qualidade. Tal qual a rã da experiência podemos, ao não perceber o que fazemos com nossas vidas, nos levar à nossa própria morte.
           Mas como não somos rãs podemos dispor de recursos internos para não deixar que essa situação se concretize. A mente é sem dúvida nosso melhor recurso. Com ela podemos realmente pensar sobre a vida que temos e ao perceber que estamos trilhando caminhos que não nos ajuda em nada podemos então mudar a rota. Somos capazes de “pular para fora” da situação que nos envenena e escolher tomar outro caminho que seja muito mais favorável. Se acomodar a um estado de pobreza mental não é bom para ninguém, porém depende de cada um se esforçar para mudar a própria vida e deixar de ficar passivo e se tornar mais ativo em seu desenvolvimento. Valer-se dos recursos internos é a melhor forma de vivermos bem e ricamente.