sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Pergunta de Leitora - Saber Ouvir



Sou psicóloga recém formada aqui do estado da Bahia. Faço um grupo de estudo que tem seminários clínicos onde somos convidados a expor nossos casos. Eu já contei meus casos algumas vezes e toda vez me senti mal. É que todo mundo dá palpite, todo mundo parece saber melhor do que eu a situação clínica. Depois que apresento os casos eu fico muito mal mesmo. Desamparada. Me sinto a pior das psicólogas . Ao mesmo tempo eu fico com raiva dessa gente toda que critica meu atendimento. Fico com raiva porque se eu fosse seguir o conselho de todo mundo eu não conseguiria fazer nada, já que muito deles são contraditórios. Gosto muito da clinica mas é tão difícil... e tenho medo de me expor aos outros profissionais. O que posso fazer?

            Os seminários clínicos são situações onde ao se expor um caso todos os demais são convidados a dar suas opiniões. Isso tudo pode ser muito enriquecedor para a pratica clínica já que o psicoterapeuta que está atendendo o caso pode ouvir outros pontos de vista que podem ser esclarecedores. Porém, nem tudo é rosa. Expor-se nunca é fácil e pode gerar conflitos.
            Nem todas as opiniões são coerentes e muitas pessoas apenas falam não porque têm alguma contribuição de fato, mas porque desejam aparecer. Muitos profissionais usam esses seminários e encontros apenas para obter uma audiência para se exibir. É importante que você saiba filtrar o que você escuta e separar aquelas críticas que podem realmente te ajudar daquelas que não te servem.
            No entanto, a sua queixa revela que você não sabe lidar bem com críticas. É claro que ninguém gosta de receber críticas, mas é importante saber lidar com elas de uma forma mais madura, não ficando tão vulnerável a elas. Você não deve usar o seminário clínico para afirmação da sua atuação na clínica, mas como um lugar onde pode aprender. Caso só queira ouvir elogios à sua performance você deixa de aprender e se enriquecer. E como psicóloga recém formada é claro que tem muito que aprender. Até os mais experientes sempre têm muito o que aprender, ninguém nunca está pronto.
            O trabalho na clínica é encantador e gratificante, mas precisa-se de muito trabalho, estudo e empenho. Para trabalhar na clínica é também necessário aprender a tolerar as frustrações, que nesse trabalho são muitas. Para isso é vital que você trabalhe o desenvolvimento da sua própria mente, afinal a sua mente é o seu instrumento de trabalho e quanto mais você se conhecer mais isso te dará respaldo para ajudar um outro a se conhecer. Por isso que existe a recomendação do psicoterapeuta se submeter à própria psicoterapia. Aprender a se ouvir vai te possibilitar a ouvir os outros, incluindo aí seus colegas de seminário. 

domingo, 26 de agosto de 2012

Agressividade em Crianças



        
            A grande maior parte das pessoas estranha ou até mesmo não aceita que exista uma coisa tal como a agressividade em crianças. É que as crianças são sempre comparadas a anjinhos e anjos, imagina-se, não têm agressividade. Só que essa comparação é um terrível engano já que crianças não são anjos, mas pequenos seres humanos, e a agressividade está presente na vida de qualquer um, em qualquer idade.
             A agressividade pode nascer de uma frustração e dessa ultima as crianças sempre têm bastante. É impossível crescer sem nenhum tipo de frustração. Crescer, aliás, só é possível se houver frustrações e em se criar maneiras saudáveis de se lidar com elas. A vida sempre traz exigências que causam um certo desprazer e isso desperta uma fúria nas crianças que terminam reagindo com agressividade. Elas querem se ver livres desse desprazer a todo custo e usam da agressividade como forma de expressar seu desagrado. Acreditam que assim resolverão alguma coisa. E nisso tudo entra a mãe que acaba sendo o alvo da maior parte da agressividade das crianças. Elas projetam todas as suas frustrações na figura materna. Cobram dela quando não estão felizes e satisfeitas e podem ser muito duras com suas mães.
            Muitas mães ficam sem ação quando se deparam com essa agressividade e até acham que há algo errado com seus filhos, mas não é assim. É normal haver frustrações e agressividade e as crianças sentem que existem duas mães: a boa e má. Uma mãe que atende sempre o seu desejo e nunca exige nada e não causa nenhum desprazer e outra que é uma megera que só existe para estragar a vida. Quando elas agridem, em fantasia, a mãe, estão atacando essa mãe má e com o tempo e a sabedoria que vem junto com o crescimento os filhos percebem que essas duas mães são na verdade uma só e aprendem aceitá-la e ficam agradecidos pela mãe que suportou tanto ataques com galhardia. Tudo isso acontece numa dimensão emocional e não no plano racional. É algo que se vive e sente, não é algo que seja compreendido racionalmente.
            Queremos, muitas vezes, negar que haja sentimentos como agressividade nos seres humanos, mas isso é inútil. Somos todos seres humanos com todas as características que isso implica e conhecer nossa natureza e aprender como lidar com ela é sempre mais produtivo e sábio. Negar o humano que há nas pessoas é uma tentativa de barrar o que há de ruim, mas também acaba barrando o que há de mais belo e encantador.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Pergunta de Leitora - Várias Formas de Amar



Sou casada há 20 anos com um homem maravilhoso e que amo muito. Vivemos bem e não tenho nenhuma queixa. Temos também dois filhos lindos que nos dão orgulho. Só que há mais ou menos um ano eu encontrei um homem por quem me apaixonei e ele por mim. Ele tb é casado e tem filhos. Também ama a mulher dele. Vivemos um relacionamento secreto e posso dizer, sem dúvida, que nos amamos muito. Eu não quero me separar do meu marido e nem ele da mulher dele. Tenho medo disso que acontece porque parece errado ter um amante, só que eu o amo e não consigo me ver longe dele. Apenas pensar em me separar dele me faz sentir como se uma parte do meu corpo estivesse sendo amputada. Ele também sente o mesmo. Tenho 48 anos e me surpreendi de viver, nessa idade, um novo amor quando já tenho um. Será que estou errada? Sinto que não.

            Por que você se surpreendeu por encontrar um amor aos 48? O amor não conhece idade. Pensar o contrário disso é desvalorizar a força do amor. Parabéns por ter a coragem de se abrir ao amor. Muitos querem, mas poucos conseguem e o amor jamais é um erro.
            Você reconhece amar seu marido e seu amante. Ama o que tem e o que vive com seu marido e família, da qual não quer e nem precisa abrir mão, porém também não quer abrir mão do que tem e vive com seu amante. Com um você vive a vida familiar e o amor seguro, com o amante você tem o amor que te rejuvenesce e te encanta a vida. Você me diz que os dois lhe são importantes.
            Está numa posição onde os dois são desejados e abrir mão de um é uma perda que você não tolera. Caso opte por abandonar o marido, deixará de ter o amor que vive com ele e o que ele te significa. Caso seja o amante o abandonado, sente que perderá uma parte do seu corpo. Isso acontece porque quem ama não consegue se ver longe do amado, só quer ficar junto e a separação é quase como a morte. A agravante no seu caso é que você ama dois e não um e se pergunta se está errada. Você não quer e talvez nem precise perder nenhum.
            Talvez o caminho que lhe seja possível é o de viver os dois relacionamentos juntos e sem culpa. Digo isto baseado na sua fala de que ama os dois, não quer se separar de nenhum e de que não se sente errada. As duas únicas pessoas no mundo que poderia ter o direito de dizer algo é o seu marido e a mulher do seu amante, mais ninguém. No entanto, se para vocês é possível viver o amor oficial e o amor clandestino conjuntamente é preciso que façam isso sem culpa e em paz. Há varias formas de amor e várias maneiras de amar. A vida é realmente surpreendente.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Conhecimento versus Sabedoria


O saber a gente aprende com os mestres e com os livros, mas a sabedoria a gente aprende com a vida e com os humanos.    (Cora Coralina)


            Só as próprias experiências podem oferecer a construção da sabedoria. O saber “intelectual” é algo muito bom e deve ser sempre cultivado, mas não é nesse tipo de saber que encontramos sabedoria, pois esta implica, acima de tudo, em experiências de vida.
            É até comum encontrar pessoas que carregam um vasto conhecimento intelectual, estão sempre bem informadas e a par de tudo, porém são meio que analfabetas quando se diz respeito em encarar a própria vida. Em suas vidas emocionais se encontram perdidas e primitivas. E o contrário disso também ocorre, quando há pessoas que não têm um grande conhecimento intelectual, mas que sabem viver muito bem suas vidas e lidam com suas emoções de forma bem mais madura e produtiva.
            Algo que acontece com bastante freqüência é que o conhecimento intelectual sozinho é mais valorizado e mais reconhecido. E isso acontece porque de uma certa forma o conhecimento intelectual é de mais fácil obtenção do que a verdadeira sabedoria. Acumular conhecimentos é mais fácil do que vivê-los. Porém, o conhecimento sem serventia não serve para nada além de alimentar o narcisismo de quem o possui. Há inúmeras pessoas que levam seus conhecimentos como se eles fossem as coisas mais importantes do mundo e que apenas tê-los os faz melhores que o resto da humanidade. Isso é pura arrogância e até superficialidade, pois quem age desta maneira se esconde atrás de seus conhecimentos, mas também acaba por se esconder da vida.
            Para se obter sabedoria é algo bem mais complexo, mais demorado e também mais custoso em termos pessoais. Ser sábio é aprender com a vida. É aceitá-la com todas as dificuldades que a vida sempre traz, mas mesmo assim sempre procurar tirar uma lição que enriqueça a mente. Por isso leva-se tempo, a sabedoria não pode ser comprada e nem conseguida facilmente, mas é conquistada. É mais complexo, porque se abrir aos próprios sentimentos e aprender com eles é sempre algo que exige da nossa mente. E por fim é custoso porque nas experiências de vida não são só coisas boas que acontecem, mas coisas negativas também. Ninguém gosta da idéia de passar por algo ruim, mas para se crescer verdadeiramente é impossível não encarar inclusive os eventos que nos causam tanto sofrimento e angústias. Entretanto, só vivendo a vida de fato podemos passar do nível do conhecimento para o de sabedoria.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Pergunta de Leitor - O Amigo Respeita




Eu sou gay e estou muito interessado em um cara amigo meu que tem no meu trabalho. Ele sabe que sou gay e aceita numa boa tanto que é meu amigo mas nunca tivemos nada. Ele não tem namorada e como estou interessado nele acho que eu devia dar em cima dele. Ele disse que não é gay, mas por que não tem namorada ou não sai com mulher então? E por que é meu amigo se sabe que sou gay e sabe que me interesso por homens? Acho que ele tem medo de se assumir. Quero dar em cima dele, mas como posso fazer isso de forma que ele entenda? Que ele aceita a sua homossexualidade?

            Em primeiro lugar você não sabe se ele é homossexual. Isto é um pensamento seu, mas pelo que você disse você não tem nenhum indício. O fato dele não ter namorada ou de até não sair com mulheres não significa em absoluto que ele tenha uma orientação homossexual. Há várias possibilidades para explicar isso que não seja a homossexualidade.
            Em segundo lugar mesmo que ele fosse homossexual e não conseguisse se assumir não cabe a você decidir isso por ele. Esta só pode ser uma decisão dele e no tempo dele e qualquer atitude que você tome para apressar isso você corre o risco de violentá-lo. Caso ele seja homossexual ou não e você tente dar em cima dele há a possibilidade de perder o amigo.
            Você tem uma visão preconceituosa sobre um heterossexual ser amigo de um homossexual. Acha que se isso ocorre é porque há algum outro interesse, porém é perfeitamente possível haver apenas o sentimento de amizade sem nada mais. A mesma coisa pode acontecer com um homem e uma mulher. Eles podem ser só amigos e não haver nada sexual na relação. É fato que a visão preconceituosa estraga muitas coisas boas.
            A verdadeira amizade não vê orientação sexual, credo, cor e nenhuma outra característica que tipifica uma pessoa. O amigo simplesmente vê a pessoa que o amigo é. Antigamente, com muita freqüência, as diferenças nas orientações sexuais separavam as pessoas. Não havia muito espaço para aceitar as diferenças e só se podia se relacionar com quem fosse parecido e tivesse os mesmos interesses. Apesar de isso ainda acontecer, hoje há muito mais formas de se relacionar fazendo com que a amizade possa se tornar mais ampla, verdadeira e menos preconceituosa. 

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Amamentação



            É mais do que conhecida a importância da amamentação na vida do bebê. Há campanhas que incentivam esse ato que ajuda na saúde do bebê. Aqui neste texto não vou me deter sobre os aspectos nutritivos físicos da amamentação, mas dos aspectos emocionais que muitas vezes acabam sendo esquecidos ou menos valorizados. É uma verdade que o ser humano tende a não reconhecer aquilo que não consegue ver concretamente.
            A amamentação é também um ato de alimentação emocional. Nosso corpo precisa de nutrição física senão não há desenvolvimento, porém nossa mente também necessita de nutrição. E caso não a receba não se desenvolve ou desenvolve muito insuficientemente. A primeira alimentação emocional que recebemos na vida é com a amamentação. Isso acontece porque na amamentação não é só o leite que é transferido da mãe para o bebê, mas também o afeto e é justamente esse alimento, o afeto, que nos torna humanos. Sem ele não somos nada.
            Quando um bebê mama e a mãe dá de mamar há a chance de se desenvolver uma ligação emocional profunda. O bebê, esse ser tão desamparado, ao receber esse cuidado se sente seguro e pode internalizar essa figura de mãe boa. Esse processo de internalização é de extrema importância para o bebê criar autoconfiança e amor por si próprio. A amamentação é uma forma de amor e o bebê ao se sentir amado se permite também se amar. Faz ele se sentir merecedor desse amor e poderá carregar para o resto da sua vida esse sentimento. Quando tudo ocorre bem na amamentação o bebê pode crescer seguro de suas capacidades e potencialidades. Ao ser cuidado é que o bebê aprende a se cuidar.
            Sem alimento emocional o bebê não tem chances de se desenvolver com segurança. Faltou nutrição em sua mente. Podem tornar-se pessoas carentes e inseguras e que não sentem que tiveram o suficiente. Ficam famintas e com baixa autoestima, pois não internalizaram o sentimento de amor. É claro que todos esses problemas podem ser trabalhados mais tarde, e mais do que a amamentação em si o que conta aqui é a qualidade do relacionamento que existe entre mãe e bebê, mas isso não significa que a amamentação não é algo de importância para a vida. Amamentar é muito mais que um ato físico, é um ato que ajuda a formar um novo humano. Leite e afeto são necessários para crescer bem. Isto é alimentar o corpo e a alma.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Pergunta de Leitor - Insensível



Sou um profissional reconhecido pelo meu vasto conhecimento. Trabalho como professor universitário de uma boa universidade e tenho muitos títulos. Para mim a vida acadêmica é parte do meu ser e não consigo me ver longe dela. Gosto de saber e receber reconhecimento por isso. Você pode até me chamar de arrogante, mas para mim quem não tem algum titulo de mestrado ou doutorado não vale nada. Para mim, é impensável alguém viver sem passar pela vida acadêmica e é aí que vem o problema. Tenho um filho que incentivo a estudar e ele corresponde e não tenho dúvidas de que ele se sairá muito bem, só que meu filho mais novo tem síndrome de down. Ele tem três anos e até hoje não consigo engolir esse fato. Para mim é algo até embaraçoso ter um filho que tem limites e que não seguirá uma vida acadêmica. Um filho, sei que vocês psicólogos não gostam desta palavra, que é retardado. Minha mulher, que também é uma professora universitária de sucesso, quer se divorciar porque não consigo ver essa criança como filho. Ela que insiste que eu procure ajuda, mas não creio que a psicanálise seja uma ciência verdadeira. Não há nenhuma prova científica que demonstra que alguém pode se beneficiar de um processo analítico. Só escrevo pois minha esposa insistiu muito, mas não acredito no que possa ajudar.

            Entendo que o pedido de ajuda do seu email vem da sua esposa e não de você. Talvez ela tenha esperanças que eu encontre palavras que possa te humanizar e vir a aceitar e até gostar desse filho. Porém, você passa a idéia de que não é capaz de ouvir quem quer que seja, a não ser você mesmo. Afinal, você parece saber tudo.
            Contei quantos “para mim” você escreveu em seu email: exatamente quatro. Alguém ter orgulho das próprias conquista e títulos é algo bom e saudável. O orgulho não precisa ser necessariamente negativo, mas o que você sente não pode ser chamado de orgulho. Pode ser chamado de narcisismo, ou seja, no seu entender só existe você, os seus interesses, suas necessidades e suas frustrações. Os outros, são vistos por você, apenas como objetos. Você encara seus filhos e pessoas em volta como objetos para alimentar a sua imagem narcísica.
            Sua mulher não agüenta mais tanta frieza e deixou claro que deseja o divórcio e mesmo assim você continua insensível aos apelos dela. Possivelmente, este é um casamento fadado ao fracasso. Não te importa as pessoas, apenas as imagens que elas passam. Você vê seu filho com síndrome de Down como um ataque à sua autoimagem. Ele não será aquilo que você deseja, ele será aquilo que ele pode ser. Mesmo o seu outro filho que não tem síndrome de Down também só será aquilo que puder vir a ser. No entanto você acha que tem o poder de decidir o destino de todos.
            Como um professor com tantos títulos e conhecimento você não deve desconhecer o conceito de hybris dos antigos gregos. A hybris é um sentimento, geralmente sobre si mesmo, que passa da medida e se torna insolente. Na mitologia a pessoa tomada pela hybris era sempre punida pelos deuses. Claro que nenhum deus irá vir te punir, isso você mesmo já faz. Pune-se ao se impedir de viver relacionamentos verdadeiros, sendo que o que enriquece a vida são os relacionamentos. Se acha que ser uma pedra é melhor do que ser um homem, está no caminho certo. Quanto ao seu filho que tem síndrome de Down ter limites, você consegue me dizer alguém que não os tenha? É uma pena que conhecimento não torna ninguém mais sábio.

domingo, 5 de agosto de 2012

Respeito e Autorespeito


"E se me achar esquisita,
respeite também!
Até eu fui obrigada a me respeitar..”
(Clarice Lispector)

            Todos temos nossas características e muitas vezes nos comparando com os outros nos achamos piores ou menores. Isso acontece porque gostar de si mesmo, apesar de parecer fácil, não o é. Possuir uma verdadeira autoestima é um trabalho de longo prazo. Não podemos confundir a autoestima verdadeira com a arrogância que nada mais é do que uma compensação desastrada de uma baixa autoestima.
            É tão mais fácil ter baixa autestima porque durante a vida somos sempre muito julgados. Nas famílias, nas escolas, enfim em toda a sociedade os atos de se julgar os outros se faz muito presente e com isso aprendemos a julgar os outros bem como nós mesmos. Só que julgar o outro é uma crueldade, pois dá ao outro uma posição que nem sempre corresponde à verdade. Rotula-se o outro e se esquece das coisas que esse outro sofreu e passou. Culpa-se os outros muito facilmente, sem nenhum traço de humanidade.
            Muito melhor do que julgar é refletir. Parece apenas um troca de palavras, mas na realidade se trata de dois atos totalmente diferentes. Ao refletir ou analisar há a possibilidade de compreensão, aliás, é justamente isso que a reflexão sempre busca: compreender. Com esse tipo de atitude não se coloca o outro numa posição já pré-estabelecida, mas permite-se revelar a verdadeira humanidade por trás das pessoas. Com a reflexão há o respeito pelo outro, passa-se a respeitar quem o outro é.
           Se cada um na sua vida particular pudesse trocar o julgamento pela reflexão o ganho de toda a sociedade seria imenso. Aprenderíamos a respeitar os outros e a nós próprios e desse jeito a autoestima não seria artigo raro. Poderíamos gostar de nós mesmos e nos abrir mais facilmente às diferenças dos outros. A melhor lição que recebi de não julgar o outro foi no período de estágio na faculdade. Eu era inexperiente e recebi meu primeiro paciente. Na supervisão fiz uma observação que na verdade era um julgamento. Lembro-me muito bem do supervisor ter olhado para mim e dito: Sylvio, o paciente chega como pode, não como você quer! Depois dessa aprendi uma bela verdade que me ajuda até hoje quando escuto alguém.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Pergunta de Leitora - Com muita paciência



Bem, eu tenho 16 anos, e muitos problemas... Mas só queria te pedir opinião para os 3 piores...
1. Na minha idade é praticamente impossível ser independente... O problema é que em minha família eu sou como alguém que não devia existir. Não conheço meu pai, ele era casado e minha mãe não quis falar com ele quando engravidou. Tenho um meio irmão que é filho do meu padrasto. O problema mesmo é meu padrasto. Ele não deixa minha mãe me tratar como filha, e quando deixa, é reclamando. É um fato que ele trate o filho dele, melhor que eu. Eu não me importo com isso. Ou não me importaria, se ele não fizesse da minha vida um inferno. Além de querer que eu faça tudo em casa ele não me deixa sair, não me deixa escolher minhas roupas, não me deixa em paz com meu namorado, e exige meu silêncio quando ele está falando mal de mim. Não tenho amigos e nem faço questão deles, porque trazê-los aqui é loucura e sair com eles é impossível, então eu acabo sendo apenas mais um alvo a "zoação" de todo mundo.
2. Minha mãe é quase uma fanática evangélica. Eu sou evangélica, mas encontro certa dificuldade pra falar com ela. Minha família toda é cristã. Então acabo sem ter quem me ouvir. E isso tão ruim para mim que acabei "criando pessoas". Sei que não é normal pra uma garota de 16 anos ter "amigos imaginários", mas foi a forma que achei de aliviar um pouco as vezes... Fingir que alguém está lá para me ouvir... Mas isso está piorando e agora eles estão aparecendo mesmo sem que eu "mande" que apareçam. Estou me sentindo uma louca, mesmo que eu ainda me controle, não quero que isso piore. Não quero ser tirada como uma esquizofrênica ou endemoniada.
3. Descobri que sofro de algo chamado Mitomania, ou algo do gênero. Que seria a "mania de mentir". Minha vida é uma mentira. Isso me deprime, mas eu simplesmente não sei como parar.... Poucas pessoas que sabem disso dizem que eu seria uma ótima atriz até. Eu crio, minto, até para mim mesma. Mas não queria continuar nisso...
Se puder me ajudar com esses 3 pequenos problemas, eu ficaria muito grata
.

            O que percebi nesse seu longo email foi um tom de desabafo e de um pedido de esperança. Desconhece quem seja seu pai, ou seja, não sabe de toda a sua história de vida, tem uma mãe que se omite em lhe proteger e um padrasto que te destrata. Você se sente abandonada e solitária e começa a duvidar de si mesma e da sua capacidade. Ao mesmo tempo, com tudo isso, você também carrega uma esperança em reverter toda essa situação a seu favor. Caso não fosse assim não me escreveria tão detalhadamente e pedindo ajuda. É esse lado seu, o que tem esperança, que é necessário ser preservado e cultivado.
            Não há muito que você possa fazer no âmbito da sua família. Eles funcionam desta maneira e dificilmente irão mudar. O importante, contudo, é você não permitir que toda essa carência de afetos e sentido que existe na sua família te contamine. Quero dizer com isso que apesar de você viver num ambiente que não te ajude no seu desenvolvimento você não passe a duvidar de si própria. Vai precisar aprender a cuidar de si com amor e paciência.
            Você tem 16 anos e tem toda a vida pela frente. Não está condenada a ficar nessa posição em que se encontra agora para todo o sempre. Mas para isso é necessário que faça uso da paciência. Ser paciente não significa ficar numa posição passiva, mas usar do tempo para se construir de outra forma. Você é boa em criar, então pode se recriar. Sei que gostaria que tudo se resolvesse agora, mas não é possível e só podemos trabalhar dentro da realidade que nos encontramos.
            Você é uma jovem sensível e inteligente e vai lhe ser bastante proveitoso usar dessas características para contribuir para o seu desenvolvimento. Posso também acrescentar que é preciso diferenciar as boas fantasias das más. Use do seu rico mundo de fantasias para alcançar caminhos que te levem para fora do mundo em que se encontra. Porém, tome cuidado com as fantasias que te alienam da realidade. Sartre, filósofo francês, tem uma frase que pode te servir: não importa tanto o que os outros nos fizeram, o que importa é o que nós faremos com o que os outros nos fizeram. Reflita sobre isso e caminhe para criar dias melhores.