segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O Melhor Tratamento




            São muitas as pessoas que permanecem em situações cheias de infelicidade e que mantêm relacionamentos nada saudáveis. Isso ocorre em empregos insatisfatórios, relacionamentos amorosos doentios e amizades abusivas, e enquanto outras pessoas saem rapidamente ao perceber que nada de bom virá destas situações muitas são as que se encontram aprisionadas deixando quem está ao redor perplexo e sem entender porque elas permanecem em situações tão empobrecedoras.
            É claro que quem permanece nestas situações tem suas razões. Algumas delas são da ordem da realidade como precisar de dinheiro e não poder simplesmente mudar de vida assim tão rapidamente ou em outras vezes há mais pessoas envolvidas que pedem que algumas coisas sejam resolvidas antes de poder haver uma separação de uma dada situação. Enfim, deixar algumas situações não é mesmo fácil e demanda bastante paciência e cuidado enquanto se pensa realmente sobre o que se é melhor fazer. Outras pessoas, no entanto, ficam estagnadas em situações nada favoráveis porque não conseguem se dar o devido valor e não devido a uma outra razão.
            Essas pessoas que ficam sem conseguir sair das situações que lhe fazem mal frequentemente acreditam que não merecem nada melhor. Elas permanecem desse jeito porque a infelicidade lhes é familiar, é tudo o que conhecem e sair para situações mais favoráveis lhes despertam muito medo já que significa o completo desconhecido. Elas permanecem se empobrecendo porque temem aquilo que não conhecem. Temer o desconhecido a ponto de não mais se deixar aprender com as experiências de vida é altamente prejudicial.
            Para as pessoas que não acreditam que merecem ter consigo próprias um relacionamento melhor o que mais se necessita é uma transformação interna. É à medida que internamente vão aprendendo a abandonar a baixa autoestima e o auto ódio que podem então criar maneiras mais saudáveis de se olharem. Para isso, adentrar e mudar as suas crenças internas que têm sobre si mesmas é o que abre caminho para a transformação. Abandonar uma situação desfavorável não implica apenas deixar uma determinada situação externa, mas acima de tudo em modificar a situação interna. Aprender a se amar parece fácil, mas não é. É coisa séria e demanda muito trabalho. Alguns até se confundem e pensam que se amar é o mesmo que sustentar um estado de vaidade, o que é um terrível engano. Amar a si mesmo é o melhor processo de cura que alguém pode passar e quem se ama verdadeiramente sempre fará escolhas mais saudáveis e saberá como evitar as situações que não são boas. Quem se ama se torna sábio. 

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Pergunta de Leitora - A Vida e o Jogo




Minha pergunta é em relação ao meu trabalho. Eu e meu namorado somos jogadores online de pôquer e gostaria de alguma sugestão, sua opinião sobre situações que lidamos todos os dias. Quase todos os dias jogamos em torno de 10 horas por dia, estudamos e nos esforçamos toda semana para tomar as decisões certas durante nosso jogo, porém há momentos que mesmo que nossa jogada e como ela foi executada é certa, perdemos. E isso acontece várias vezes durante o dia! É uma frustração enorme no final do dia saber que mesmo sendo certo não estamos ganhando. Como conseguimos lidar com essa frustração de saber que foi a escolha certa, mas mesmo assim perdemos? E como achar forças para não desanimar?

            Segundo muitos especialistas o jogo de pôquer é considerado um “esporte da mente”. Como todo esporte há quem ganhe e quem perca e não é possível todos ganharem em todos os momentos. O que faz ganhar é tanto o treino, a prática, pequenos detalhes que ficam fora do controle como a saúde naquele momento, o clima, problemas externos, bem como o estado mental. Inúmeros atletas de ponta afirmaram que a condição psicológica foi, em muitas ocasiões, determinante para a vitória ou para a derrota mesmo que eles tenham feito tudo o mais certo.
            No pôquer o estado psicológico é de vital importância. Neste jogo os participantes têm que lidar com cargas emocionais intensas. Blefar e sustentar o blefe não é fácil como parece à primeira vista. É preciso induzir o adversário a pensar que você tem cartas boas quando não as tem, para sair do jogo sem tantos prejuízos, ou fingir ter cartas ruins, quando elas são boas, para tirar proveito da situação. Todos esses estratagemas podem ser bem estressantes.
            Quem entra numa competição esportiva precisa se preparar para ganhar, mas também precisa se preparar para perder. Para saber perder com dignidade precisamos de uma mente que consiga digerir as frustrações. Sem essa mente fica-se a mercê da violência das frustrações. Não só nos esportes, porém na vida em geral há constantes frustrações e por isso mesmo saber lidar com elas de maneira mais eficiente é sempre um bom negócio.
            A sua dificuldade de lidar com as frustrações não deve ser apenas em relação ao jogo de pôquer. Talvez por dedicar tanto tempo a ele se torna mais perceptível quando você perde um jogo. Quem fica vulnerável frequentemente às frustrações quer que a vida funcione de acordo com o próprio desejo e não aceita muito bem a realidade. A vida/jogo, em muitos momentos, não está sob nosso controle e aprender aceitar isso é necessário. Você não comanda o jogo assim como não comanda a vida. Se aprender isso as frustrações não serão tão terríveis, mas apenas serão parte do processo. Portanto, quando vocês acolherem a realidade não precisarão mais brigar com ela. Deixarão de ser como crianças que não toleram a realidade independente delas e serão como adultos que aceitam que nem tudo se pode. Que tal fazer análise para desenvolver uma mente mais favorável para lidar com as adversidades?

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

A Boa Herança




            Dizem que a melhor herança que os pais podem deixar aos seus filhos é a educação. E há toda razão nisso. Bens podem ser ótimos, mas podem tanto ir como vir, no entanto a educação é permanente e não tem como ser perdida. Agora, a educação não é só aquela que se refere ao mundo acadêmico e à intelectualidade. Ela é bem mais do que isso e vai além do que oferece uma boa educação intelectual.
            Educação é também a maneira como gerimos nossas emoções e sentimentos que, por sua vez, influencia a forma que lidamos conosco e o mundo. Infelizmente, a educação sentimental não é valorizada o tanto quanto deveria e é uma das coisas que mais faz falta no mundo. Sem uma boa educação sentimental as relações se tornam pobres e em alguns casos até mesmo destrutivas. Quem não é capaz de administrar bem a própria mente não tem como viver bem e vai certamente se relacionar da pior maneira possível com os outros.
            Ninguém nasce com a habilidade de gerir bem seus sentimentos e emoções. Isso é algo que vai sendo adquirido à medida que se vive as experiências de vida. É uma tarefa de todos na sociedade. Pais, escolas, instituições, profissionais variados, mídia devem todos participar da construção de uma boa educação sentimental. Tristemente, o que mais se vê hoje em dia é um empurrando para o outro essa responsabilidade como se alguém pudesse abdicar dela.
            Muitas vezes o que sentimos é tão forte e difícil que o que a gente mais quer é se livrar das nossas emoções. Nessa atitude é fácil passar por cima dos outros e de desrespeitar as normas da boa civilidade. A educação sentimental ensina que nem tudo podemos e que devemos aprender a lidar com o que sentimos para que não descontemos nos outros as nossas frustrações. Alguém sentimentalmente mais educado aprendeu a conter o que sente para que possa ir transformando as suas ansiedades e frustrações. Conter aqui não significa se tornar um indivíduo reprimido e amargo. Muito longe disso. Implica em saber que o próximo também tem direito e vez, que precisa ser respeitado e que no mundo não conta apenas o que sentimos e o nosso prazer. A educação sentimental promove a ética sem a qual nenhum povo tem como viver. Que herança poderia ser melhor e mais importante que essa?

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Pergunta de Leitora - Doar Vida


Acho que sou egoísta. Tenho roupas que não uso já faz anos e que não consigo doar. Só de pensar eu fico com as pernas tremendo e não sei explicar por que. Sempre penso em doar para quem precisa e sei que não vou usar mesmo, mas mesmo assim não consigo. Há também, na minha casa, coisas que não utilizo e que não vou utilizar nunca e mesmo sabendo disso não sei doar. O problema é que me sinto mal e culpada. Queria ser mais doadora, mais leve e tranquila. Não queria sentir culpa de ser assim. Será que é egoísmo? O que devo fazer?

            Você me diz que se sente culpada de ser como é e de que é uma pessoa que não consegue doar. Queria ser mais leve e tranquila, talvez diga isso porque se sente pesada e preocupada. Agora, o que se faz necessário é entender a razão desse peso e preocupação e porque você se encontra apegada a eles.
            Apesar de você ter falado de atitudes externas (não conseguir doar) e de objetos concretos (roupas e utensílios domésticos) você está na verdade se referindo a alguma outra coisa que se encontra no seu mundo interno. Em outras palavras, é da sua mente e de como você se relaciona consigo e com o mundo que você está falando. Você age inconscientemente, atuando de forma contrária ao que você gostaria. É isso que precisa buscar entender.
            A sua culpa pode ter uma ligação com a maneira que você vive consigo mesma. Em algum recanto de sua mente você sabe que poderia ter outro tipo de vida que fosse muito mais coerente com o que você deseja e que lhe seria melhor, que lhe seria muito mais proveitoso, mas algo te impede. Hoje você sabe que você não é quem poderia na realidade ser. Se encontra limitada e faz-se vital aprender a saber como se utilizar de maneira favorável. Os utensílios e roupas que você não usa são apenas as representações dos recursos internos que você não utiliza para o seu próprio crescimento. A culpa, provavelmente, nasce daí, de um desperdício de seus recursos.
            Entretanto, você não precisa viver assim, se desperdiçando e não sabendo como se utilizar para ser mais eficiente em viver a sua vida. O que lhe falta é dar um sentido para o que você faz, para esse impedimento que você se coloca. Isso pode ser conseguido à medida que compreender mais sobre si mesma e entender ao que você responde e repete quando se coloca de uma maneira que fica estagnada. Ou seja, precisa decifrar o seu inconsciente e esse processo pode ser conseguido numa análise. O egoísmo que lhe acomete é o de não conseguir doar para si mesma e poderia doar para si novas oportunidades que viessem a te enriquecer de fato. O primeiro passo, se indagar sobre o que você faz consigo, já foi dado. Que tal agora dar o segundo e se doar verdadeiramente na sua análise? 

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Sobre as Perdas e Ganhos



            Há uma diferença muito importante entre a depressão e luto, que geralmente são confundidos. O luto é um estado que permeia nossa vida várias vezes em diferentes momentos. O estado de luto tem a ver com a elaboração da perda, seja esta qual for. Estamos sempre perdendo: quando crescemos, por exemplo, lidamos sempre com a perda do que éramos para ir em frente em direção a um novo estágio ainda desconhecido. Já a depressão é patológica e é como um luto que jamais pôde ter sido elaborado. A pessoa depressiva está estagnada e não elabora nada.
            Infelizmente, hoje em dia, a tristeza é muito mal vista e é até encarada como se a pessoa que a sentisse estivesse falhando em conduzir a própria vida. A tristeza é compreendida como se fosse atestado de fracasso, o que é um terrível engano. Há uma exigência para que estejamos alegres todo o tempo e que isso sim é sucesso. Porém, tristeza e se deparar com aquilo que nos deixa para baixo faz parte da vida e é saudável e necessário para que a gente aprenda a crescer.
            Elaborar perdas nunca é um processo fácil. Tememos as perdas, pois temos medo do que vai vir a ser, que é completamente desconhecido. Tememos também as perdas porque um trabalho de readaptação, de abandonar o que era para acolher o que será é um trabalho que gera grande desprazer. Entretanto, se não nos permitirmos perder jamais poderemos ganhar algo novo. Em outras palavras, quem não aceita perder fica imobilizado e não tem a menor chance de se desenvolver.
            A depressão é justamente quando a perda não pode ser elaborada. A pessoa fica com ódio à realidade e fecha-se em si mesma. A elaboração de qualquer perda é dolorosa e quem sofre de depressão tem muito medo da dor mental e evita sentir qualquer coisa que lhe traga desprazer. A consequência é a pessoa preferir ficar paralisada porque acredita que assim não sofrerá ou que poderá controlar o sofrimento. Porém, o sofrimento vem de qualquer jeito e acaba se tornando um sofrimento estéril, que não leva a nada.
            É mais do que natural no encontrarmos tristes quando passamos pelos lutos que a vida impõe. Nessas horas é necessário paciência para que possamos digerir o que perdemos e absorver o que estamos ganhando. Só à medida que esse processo ocorre que evoluímos e as perdas serão vistas e sentidas como coisas naturais e não trarão ódio. Aceitaremos perder porque entendemos que também ganharemos. As perdas são assim elaboradas e nossa mente é transformada. Com isso a tristeza pode ceder lugar para um estado mais fortalecido e maduro. Só se deprime quem não aceita elaborar o luto. 

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Pergunta de Leitor - Nem Um Coisa Nem Outra




Quero fazer um depoimento. Hoje tenho 37 anos e sou um homem casado e com filho. Quando tinha 23 anos eu não tinha namorada e eu era gay. Tive relações sexuais com alguns homens. Apesar de ser gay eu hoje já não sou mais. Nada tenho contra os homossexuais, mas acho que é possível alguém deixar de ser gay. Pela minha própria experiência sei que é possível. Quando eu era mais jovem eu vivia mal e estava sem muitas esperanças na vida e não acreditava que pudesse ter uma vida com uma mulher, mas as coisas foram se ajeitando, fui ficando mais seguro e hoje sou hetero. A cura é possível se houver disposição para tal. Você não acredita na cura?

            A homossexualidade não se trata de doença, por isso mesmo não faz sentido nenhum se falar em cura. Insistir em entender a homossexualidade como doença tem mais a ver com a ignorância e o preconceito. O preconceito advém principalmente porque imagina-se que as relações sexuais devem ter como fim exclusivamente a reprodução, porém esta é apenas mais um dos lados da sexualidade e não o todo. Graças, sobretudo, a Freud hoje sabemos que a procriação não é a única razão para a existência da sexualidade.
            Outro ponto também muito mal compreendido é que acredita-se que a orientação sexual seja da ordem da escolha. O que não é verdade. Se assim fosse não se falaria em orientação sexual, mas de opção sexual. Ninguém opta por ser desta ou daquela maneira no que diz respeito a sexualidade. E mais ainda: a posição hetero ou homossexual não são pontos fixos e completamente opostos, ou seja, entre essas duas posições há muitas outras que permitem toda uma variada gama de se viver a sexualidade.
            Kinsey foi um biólogo americano que empreendeu uma das maiores pesquisas referente a sexualidade que causou sérias polêmicas influenciando muito do que se acreditava até então. Por exemplo, em suas pesquisas foi visto que 37% dos homens americanos casados e com filhos (heterossexuais) tiveram em algum período de suas vidas, especialmente quando mais jovens, ao menos uma experiência homossexual. Com esse resultado fica-se claro que não é tão preto no branco assim como se imagina. O ser humano é acima de tudo um ser sexual e não homossexual ou heterossexual.
            O que lhe acontece é que provavelmente você nunca tenha sido verdadeiramente homossexual. O fato de ter relações homossexuais não torna alguém homossexual. Nas suas próprias palavras você quando jovem não acreditava que pudesse ter uma vida com uma mulher. Não sei por que isso lhe ocorria, mas acreditar nisso pode ter lhe dirigido a buscar relações sexuais com homens e não com outra mulher. Depois você disse que as coisas foram se ajeitando e você não procurou mais essas relações homossexuais. Pode ser que essa sua “homossexualidade” tenha sido muito mais uma defesa do que propriamente algo verdadeiro. Pois é fato que muitas relações homossexuais são mais defesas do que uma real orientação homossexual. Se foi esse o seu caso nem há mais porque dizer que é cura, mas apenas uma fase que você experimentou e deixou para trás.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Como Ser Como Uma Criança



            Muitos dizem, até mesmo há passagens bíblicas, que devemos ser como as crianças e nos comportar como tal. Outros tiram da cartola frases clichês sobre como alimentar a criança interior e deixa-la dominar o nosso ser para conseguirmos a felicidade. Bom, muito se fala nisso, porém pouco se entende o que de fato isso implica e significa. Que sentido tem em ser como uma criança?
            Evidentemente, um adulto não deve ser uma criança e nem se comportar como se fosse uma. Isso o infantilizaria e o deixaria num estado de imaturidade. Aliás, muitos dos nossos maiores problemas que enfrentamos na vida é devido aos restos infantis que permaneceram em nossa identidade e não foram suficientemente elaborados. Quando agimos feitos crianças, sendo adultos, criamos sérias adversidades ao nosso desenvolvimento e bem estar. A maturidade emocional, que é peculiar ao mundo adulto e não infantil, é um recurso extremamente importante para se viver bem.
            Até chamamos alguém de infantil ou de criança mimada quando queremos desdenhar dessa pessoa, de forma que ser um adulto infantilizado não é algo bom e que deva ser almejado. Uma criança mimada é aquela que fica entregue aos próprios impulsos, sem conseguir contê-los. No momento da raiva a criança torna-se raiva pura; em outro instante, num momento de alegria, é puro entusiasmo eufórico sem o menor limite. Isso é ser mimado e dá para entender que se um adulto fica fixado nessa posição vai ter muitos problemas.
            Então o que significa viver e ser como uma criança? Isso tem menos a ver com o comportamento infantil como forma de resolver os conflitos da vida e mais a ver com a capacidade da criança para o encantamento. Já perceberam que crianças têm uma facilidade para se encantar com os menores detalhes da vida e tirarem deles grandes prazeres? Para os pequenos tudo nesse mundo é novidade, tudo pode ser muito interessante e oferecer muitos contentamentos. A criança pequena, quando não estragada por preconceitos ou ideias deturpadas que encontra ao seu redor, pouco se preocupa se algo é caro ou barato, certo ou errado, comum ou extraordinário, ela está mais interessada em se encantar com o que vê. Encantar-se é algo importante e que devemos ter em nossas vidas.
             O adulto que perdeu sua capacidade de se maravilhar perante à vida acaba por se tornar alguém amargo. Sabe aquelas pessoas que tudo reclamam, tudo já viram e tudo sabem como vai terminar e nada parece os encantar? Bem assim que ficam: amargos. Só que quem vive assim deixa de aprender elementos novos que enriquecem a experiência, além de se tornarem chatas. Quem não se permite se encantar não tem condições para aprender nada novo e quem não aprende fica entediado com a vida e deixa de valorizar coisas importantes que trazem e formam sentidos que temperam nossa existência.
            Quando nos evangelhos, por exemplo, Jesus nos convida a ser como criancinhas ele não está nos instigando a ser adultos infantilizados e tolos. Pelo menos não no meu entender. Ele está mostrando o quanto precisamos sempre ter presente a capacidade de se encantar com a vida, com o que somos e com o que descobrimos. Sejamos, nesse sentido, como crianças que permanecem num estado de curiosidade e assombro perante os mais insignificantes aspectos para cada vez mais saber acerca de nós mesmos e do mundo que nos rodeia.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Pergunta de Leitora - Medo de estar só




Tenho medo de ficar sozinha. Nunca fiquei só em toda a minha vida. Sempre teve gente em casa e nunca fiz nada que eu ficasse sozinha num local. Só de pensar em ficar sozinha me dá uma sensação de pânico e parece que algo muito ruim vai acontecer. Parece que quando fico só, eu não existo ou vou deixar de existir. O que é isso? Percebo que isso atrapalha minha vida e que muitas pessoas já comentam porque nunca consigo ficar só. Até mesmo prefiro uma má companhia que a solidão. Só que com isso eu grudo nas pessoas e no fundo eu não quero ser chata e grudenta, mas esse é o meu maior pavor.

            O ato de se ficar só permite que fiquemos, na verdade, conosco mesmo. Nossos pensamentos e o que sentimos podem ficar mais em evidência. No entanto, ficar só também pode despertar ansiedades difíceis de lidar. Isso acontece porque no fundo nunca é fácil mesmo a gente ficar cara a cara com o que sentimos, já que muitas vezes aquilo que sentimos nos é tão estranho.
            O medo de ficar só é, aliás, muito frequentemente encontrado em crianças. Para muitos bebês, por exemplo, acordar e se deparar sem alguém por perto ou mesmo perceber que foi deixado só, pode representar uma experiência traumática. É que a criança teme por sua sobrevivência quando se vê sozinha e sem ninguém para cuidar dela. Medos assim são primitivos e causam um terror intenso.
            Tal qual uma criança que precisa da atenção, você sente precisar chamar atenção para o seu pavor de ser deixada só. Sua ansiedade te diz que você vai deixar de existir, ou seja, você teme se perder. No momento você se sente segura somente quando alguém por perto “garanta” que você está lá e que não está perdida em algum outro lugar. Hoje você depende do olhar alheio para se sentir existente. Caso contrário, sem este olhar, tem a sensação de que o pior já aconteceu.
            Uma brincadeira infantil muito praticada é a criança pequena fingir que pode fazer sumir o mundo ou a si mesma com o gesto de botar as mãozinhas sobre os olhos. Assim, aquilo que não pode ser visto deixa de existir segundo o pensamento infantil. Parece que algo nesse sentido lhe passa: que caso você não tenha mais a certeza de que alguém esteja te vendo, você simplesmente sumiria. Precisa então desenvolver um auto olhar que lhe permita se assegurar da sua existência. Uma ajuda profissional viria a calhar para que todas essas questões possam ser devidamente elaboradas e para que você possa vir a desenvolver um olhar sobre você mesma. No livro Através do Espelho de Lewis Carroll que continua as aventuras da personagem Alice, aquela do país das maravilhas, relata o susto que Alice tem quando dois personagens afirmam que ela não existe, mas que ela poderia ser apenas o sonho de alguém. Está na hora de se ver mesmo quando alguém não esteja te vendo.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

O Descontentamento

Esse texto foi escrito conjuntamente com minha grande amiga e excelente profissional da psicologia, em Limeira/SP: Christiane C. R. Alfredo.



Pensar em descontentamento implica pensar em algo que não está bom, um incômodo gerador de sofrimento. Todavia, onde reside este sofrimento? Por que haveria de não estar bom se a cada segundo aplicativos para solucionar problemas cotidianos são criados aos montes; se evoluções médico-tecnológicas a serviço da saúde mental e física se colocam a disposição do homem? Por que haveria de não estar bom se novos sabores e odores abarrotam as prateleiras trazendo uma fartura jamais vista na história? Se a moda se inova e podemos ter acesso a tudo isso virtual ou fisicamente?
Por que haveria de não estar bom se novas “religiões”, credos e filosofias estão prontas para serem descobertas e usadas por cada um de nós? Se podemos nos conectar tão facilmente e de tantas formas? Se a arte hoje nos é acessível aos olhos muito mais do que antigamente? Por quê?
Esse excesso de prazeres e facilidades nos proporcionam um pouco de alivio, já que a vida se apresenta – na maioria das vezes – árdua. Porém, por mais eficazes que pretendam ser, por mais onipotentes que nos pareçam, eles não alcançam seu intento de proporcionar uma felicidade duradoura. Não garantem o contentamento sem fim dos nossos desejos. Uma prova disso é o numero sempre crescente da depressão e outros distúrbios psicológicos. Quanto mais temos externa e concretamente mais nos sentimos esvaziados de sentido. A riqueza externa não enriqueceu nosso mundo interno.
A felicidade, o estar bem, não significa ausência de sofrimento e nem é algo exterior a nós, mas trata-se de um estado interno que precisa ser construído ao longo da vida. Assim, cada um deve descobrir como trilhar esse caminho. A psicanálise, em todos os seus desdobramentos e evoluções desde Freud, nos ajuda a pensar sobre essa construção.
Para a psicanálise sentir-se bem requer aprender a lidar com o que se sente. É inútil buscar soluções fáceis para que não encontremos a dor, pois esta é inerente à vida. E quem insiste nesse caminho de fuga acaba se enganado através de drogas licitas e ilícitas, fanatismos de várias formas ou adoecendo a ponto de se embotar a vida de maneira crítica.
Mas há também outro caminho. O do autoconhecimento, que propicia que o sujeito se aproprie de sua história, cheia de prazeres e desprazeres, e escreva um sentido. Num processo analítico o analisando fala de si e desenvolve a capacidade de se escutar, o que transforma seu relacionamento com o sofrimento. O psicanalista, numa sessão, não é um mero aplicativo, mas um interlocutor que permite um encontro humano surgir para significar o que se sente: tanto as dores quanto as conquistas.
Todos nós temos uma escolha sobre qual trilha tomar e somos responsáveis por ela. Não estamos fadados a angústia intolerável que trava a vida, ao desespero ou aos males mentais. Todos temos nós próprios e se nos comprometermos de maneira verdadeira conosco, o descontentamento pode ser apenas um descontentamento e nada mais, pois o que nos moverá será algo verdadeiro e que nos ligue à vida.