domingo, 6 de agosto de 2023

O vampiro que existe

 

                                           Amor e Dor, de Edvard Munch


Li um relato de uma jovem de Goiás que contou sobre uma experiência desagradável quando começava seu trabalho de fazer bolos para festas. Ela criou páginas nas redes sociais para anunciar os seus serviços e foi procurada por uma mulher que se mostrou interessada em um bolo de 3 quilos para o dia seguinte. Era algo em cima da hora, mas como ela estava iniciando e dispunha de tempo aceitou e perguntou como a cliente queria o bolo, se havia um tema, recheio ou alguma requisição especial. A cliente especificou tudo com detalhes e quando a boleira calculou e disse o valor aí a coisa desandou. 

A cliente começou a expressar que ela, a boleira, ainda estava iniciando seu trabalho, que não tinha muita experiência e que deveria fazer o bolo de graça. Afirmou que assim que tivesse o bolo em mãos tiraria fotos e as colocaria em suas redes sociais que continham muito seguidores e que isso seria o pagamento. Aludiu até que a boleira deveria se sentir grata por ter sido procurada por ela. A boleira se sentiu explorada e segundo o seu relato não aceitou tal condição respondendo que não podia fazer desse jeito e achou que a história acabaria aí, mas ledo engano. A cliente, que não era cliente, mas apenas uma aproveitadora, começou a xingar a boleira com palavras de baixo calão e ameaças de que iria difamá-la. Enfim, uma situação lamentável, ainda assim que ocorre com muitas pessoas e mostra um lado perverso que muita gente pode ter.

Há pessoas que tentam tirar vantagem de tudo e de todos sem ligar para consequência alguma. Para pessoas assim quanto mais elas conseguem obter vantagem, quanto mais elas recebem, sem ter que pagar por isso, melhor. É um cenário que não ocorre apenas nos negócios envolvendo dinheiro, mas nos relacionamentos interpessoais também. 

É que há gente que só funciona se for explorando os demais, que não reconhece quando extrapola, nunca se responsabiliza por nada e ainda fica se sentindo vítima quando alguém não se submete aos seus desejos e comandos. Pessoas assim têm sempre que se sentir por cima de todos os outros, acham que estão sempre certas e acreditam que tudo na vida tenha que lhe ser dado de mão beijada. 

Os antigos mitos de vampiros, aqueles seres que sugam o sangue de suas vítimas até leva-las à morte numa tortura infindável deve ter nascido ao se observar essas pessoas aproveitadoras. As lendas antigas são verdadeiras, carregam algo real de fato, mas não literalmente. Elas são metáforas, simbolizam uma história que vai passando entre as gerações para se falar de algo de nossa experiência humana. Todo vampiro precisa de uma vítima para tirar o sangue que ele mesmo não consegue produzir. O aproveitador, por sua vez, precisa de sua vítima para tirar dela o que ele não consegue criar em sua vida.

Mas tal como na lenda dos vampiros para este entrar na vida de alguém precisa ser convidado. Vampiros não entram sem convites. A boleira percebeu que não era uma cliente, mas uma vampira e tratou de não permitir que ela entrasse em sua vida e negócio. O que precisamos sempre nos perguntar é se não estamos convidando vampiros a entrar em nossas vidas.


terça-feira, 1 de agosto de 2023

Por que a psicanálise é tão odiada?

 




De tempos em tempos sempre aparece na mídia alguém decretando o fim da psicanálise ou afirmando que esta não se trata de uma prática séria. Algumas décadas atrás uma importante revista do país estampou na capa uma fotografia de Freud, criador da psicanálise, meio rasgada com os dizeres de que a psicanálise já era. A verdade é que desde que foi criada a psicanálise sempre esteve sob os mais severos ataques dos mais variados tipos e origens, mas mesmo assim ela sempre encontrou lugar no mundo ajudando muitos a lidarem com seus sofrimentos que muito arrasam a qualidade de vida. No entanto, fica-se a questão do por que tanto ataques à psicanálise.

            Saiu recentemente um livro de uma microbiologista brasileira com presença nos Estados Unidos difamando a psicanálise e técnicas milenares tais como a Medicina Tradicional Chinesa (MTC) que cria base para práticas como a acupuntura, por exemplo. Infelizmente, há muitas pessoas que se dizem psicanalistas e acupunturistas por aí que não tiveram uma formação séria e que por isso mesmo, realmente, causam prejuízos nas vidas de inúmeras pessoas. Contudo, caluniar esses saberes sem discriminação alguma, como se tudo se tratasse de besteira, é algo imprudente e inconsequente.

            A psicanálise foi criada entre o fim do século XIX e início do século XX por Freud para tratar justamente aqueles casos em que a medicina não conseguia nenhum sucesso e nenhuma compreensão. É que eram pessoas que sofriam de algo que não podia ser quantificado e identificado organicamente, mas a fonte de seu sofrimento se encontrava em sua subjetividade, ou seja, na mente. Porém, a mente não está num lugar especifico do corpo, ela não pode ser localizada fisicamente, não podemos tirar uma tomografia dela e apontar onde está o problema. Não há máquina que encontre a mente de uma pessoa, mas para isso necessita-se de outra mente. Só outra mente consegue captar, entender e se solidarizar com outra mente. O fator humano é fundamental.

            Como já escreveu no belíssimo texto “A função da psicanálise; a psicanálise e a ciência – a incontornável presença da subjetividade” o psicanalista Claudio Castelo Filho diz: “É possível cheirar, ver, medir, pesar, ouvir a ansiedade? Dá para fotografar a inveja? Radiografar o amor, o ciúme, a inveja, o ódio, a rivalidade? Na prática o que podemos observar são condutas, atitudes, falas, reações químicas e fisiológicas das quais um bom observador pode inferir esses sentimentos, essas emoções. Eles, propriamente, não estão no campo observável sensorialmente”.


Portanto, apesar de nossas emoções e sentimentos não serem mensurados são elementos que afetam nossas vidas, nossos relacionamentos e podem nos fazer adoecer seriamente a ponto da vida ficar insuportável ou nos permitir viver com alegria e expansão.


            Desde Freud houve e há um grande desenvolvimento dentro da psicanálise com contribuições de excelentes psicanalistas que expandiram esse saber que tanto faz falta hoje em dia. Faz falta porque se não há saúde mental isso vai se refletir em toda a sociedade e acredito que não há ninguém que discorde o quanto nossa sociedade é enferma mentalmente.


            Agora, numa tentativa de responder a razão pela qual a psicanálise é tão atacada é que ela coloca o ser humano como responsável pela própria vida e não como vítima. Convida a pessoa que sofre a (re)pensar como se coloca no mundo e que se ela quiser outro tipo de vida não basta reclamar, mas precisará empreender mudanças. Compreender que muito dos nossos sofrimentos são causados por nós mesmos, mesmo que inconscientemente, dói demais e nos põe a se responsabilizar pela própria vida. Pelo fato da psicanálise nos colocar diante da nossa responsabilidade ou irresponsabilidade sobre o que fazemos conosco e com os outros, muitos a atacam como crianças mimadas e birrentas que não toleram se responsabilizar pelas próprias atitudes e dissabores que encontram e criam pela vida afora.


domingo, 16 de julho de 2023

Esquizofrenia no lar: uma vida digna para todos


                                  Reprodução Instagram @

awkwardapostrophe

Pergunta do leitor: Tenho uma parente esquizofrênica e parece que ela "suga" todos os familiares que moram com ela. Todos estão com a saúde mental abalada como a própria doente. O que fazer nesses casos?

A esquizofrenia é um distúrbio que faz com que pensamentos e comportamentos da pessoa não tenham contato com a realidade. Ela fica desorganizada, limitando muito a sua vida e trazendo imensa dor e confusão tanto para ela quanto para quem está em volta. É como se fosse uma ‘fratura’ mental, ou seja, a pessoa se sente ‘quebrada’ na maneira que sente e percebe o mundo interno e externo. Geralmente, necessita de uma combinação de remédios apropriados, psicoterapia e cuidados especializados para toda a vida.

Tendemos a pensar sempre, e é natural que assim seja, na qualidade de vida do paciente, em como ajudá-lo a ter melhores condições que permitam a viver com dignidade e com o menor sofrimento possível. O paciente acaba sendo sempre o centro da atenção do todos os profissionais quando se veem envolvidos nos cuidados de alguém esquizofrênico. No entanto, os parentes próximos ou as pessoas em torno do paciente muitas vezes são desconsiderados e não recebem a atenção que se faria necessária.

Quando temos em nossa família ou dentro do nosso círculo social alguém padecendo de algo grave e que não tem alívio fácil o sofrimento se expande alcançando muitas pessoas. É porque não é só o doente que sofre, mas todos aqueles inseridos no contexto da doença. Como se diz popularmente o buraco é sempre mais embaixo, às vezes onde nem mesmo conseguimos ver.

O filme “Meu Pai” (2020) com a brilhante atuação de Anthony Hopkins mostra um caso em que o pai já com idade avançada sofre de demência. Não pode ficar mais sozinho e precisa de cuidados especiais. Sua filha cuida dele, mas ela também tem uma vida própria a viver e não pode ficar todo o tempo disponível para o pai. Ela também tem o direito a buscar seus desejos e realizações na vida. É uma daquelas situações em que a filha precisa ver como ajudar o pai, proporcionar a ele uma vida digna sem precisar com isso abdicar da sua.

Não há respostas fáceis e prontas nesses casos. Não sei qual o grau da esquizofrenia da parente em questão nem quantas pessoas estão envolvidas na situação e nem se há recursos materiais o suficiente para lidar com esse evento tais como medicação, terapias, internações e cuidados paliativos. Entretanto, só podemos trabalhar com o que temos e não com a situação que gostaríamos que fosse.

Ao contrário da esquizofrenia que rompe com a realidade é necessário aqui que aqueles que estão envolvidos tenham os pés bem plantados na realidade para se pensar em como conduzir a situação com a parente de forma mais justa para todos e menos custosa possível. Não é mesmo fácil, mas quando podemos pensar realisticamente alguma alternativa poderá surgir no horizonte. Não só a parente precisa de cuidados, mas todos os demais também.

Quer mandar sua pergunta? Ficarei feliz em respondê-la. Envie no blogmundovivo@gmail.com


domingo, 4 de junho de 2023

Legião dos esgotados rumo ao caixão

 


Uma das coisas que mais ouço das pessoas e também percebo é o excesso de esgotamento que estamos vivendo. Está todo o mundo cansado, esgotado, exaurido, correndo que nem loucos para dar conta de tantas obrigações e deveres. É isso e aquilo e parece que o tempo voa sem nem nos darmos conta. Queremos tantas coisas, precisamos trabalhar tanto, precisamos bater metas não só no ambiente de trabalho como também as que impomos a nós mesmos que fica a sensação de não sobrar tempo para desfrutarmos verdadeiramente a vida.

Talvez, não seja apenas uma sensação, mas um fato que um imenso número de pessoas não aproveitam a vida. Entram numa corrida louca cujo destino é simplesmente o caixão, a cova. Buscamos muito e degustamos pouco, despendendo tanto tempo em conseguir conquistar a vida que não sobra mais tempo para apreciá-la. O que está acontecendo é que muita gente está numa corrida para chegar ao caixão. Um dia vamos chegar lá de qualquer maneira, porém não precisamos passar pela vida sem aproveitar umas coisas ou outra.

A consequência nefasta dessa corrida toda acaba não sendo o sucesso como muitos imaginam, mas o esgotamento cruel. E acrescento também o embotamento da vida. Ela perde a graça, o sabor e a cor. Ao invés de vida ganhamos uma não-vida. Seres zumbis só são interessantes na TV, já na vida real é triste e preocupante. Alguém constantemente esgotado e embotado entra na cova mais cedo, antes mesmo de morrer. Morre-se ainda vivo.

Obviamente, para conquistarmos nossos desejos e satisfazermos algumas necessidades na vida é necessário empenho e dedicação, nada vem de graça. Nessa vida é necessário trabalharmos muito em todos os sentidos. Sim, precisamos pagar contas, precisamos cumprir com toda uma série de tarefas e muitas delas difíceis e desagradáveis. Não são tudo flores. Há muito esterco, adubo e lama para darmos conta até chegarmos às flores ou aos frutos. Pena que muitos se esquecem de aproveitar quando chega o momento de curtir.

Está na declaração universal dos direitos humanos a necessidade do descanso e do lazer. Sabiam disso? Sustentado na lei, mas não compreendido e respeitado de fato. Apesar de haver todo um sistema financeiro-político que impõe regras desumanas, ocorre que as próprias pessoas não percebem e não sabem como tirar o melhor da vida.

Quem não consegue alcançar como desfrutar a vida com dignidade adoece mais e vive uma vida mais pesada do que é necessário. Não é à toa que hoje em dia há uma enxurrada de medicação psiquiátrica. Não que elas não sejam necessárias, elas são sim, e como!, mas vem mostrando também que não estamos sabendo como viver com qualidade. Escancara o quanto estamos esgotados até mesmo da própria vida! Quando exaustos procuramos prazeres muito passageiros e enganadores: excesso de bebidas, drogas, sexo desenfrado, consumismo, etc. o que termina por levar a um esvaziamento da alma e a muitos outros problemas. Gente esgotada não tem como cuidar da alma. Precisamos urgentemente prestar atenção nisso e isso começa conosco mesmo, cada um olhando para dentro de si mesmo. Concordam?