segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

O que você está virando?



Ikkyu-san tornou-se monge muito cedo. Era considerado sábio e as pessoas, por inveja, sempre tentavam tirá-lo de seu equilíbrio. Certo dia, sabendo que ele gostava muito de peixe assado, um senhor o convidou a orar em sua casa. Terminada a oração, ofereceu a ele uma refeição, como era de praxe, e colocou o peixe saboroso e fragrante bem à sua frente. Ikkyu-san fez rapidamente a prece de agradecimento e começou a comer o peixe. As pessoas à sua volta comentavam: “Mas é um monge. Está quebrando o preceito de não matar. Isso não está certo”. Ikkyu-san continuava comendo alegremente. Até que alguém, não aguentando mais, falou em voz alta: “Monge, o que é isso? Comendo peixe?”. E Ikkyu, sem titubear, respondeu: “O peixe está virando monge.
          Na parábola acima a gente vê o quanto as pessoas, de forma geral, estão muito mais preocupadas com a aparência do que com o conteúdo. Vivem preocupadas com a imagem que aparentam e em como são vistas pelos demais. Às vezes, esta preocupação se torna até mesmo uma ansiedade intensa, que passa a dominar toda a vida. Com isso perdem muito tempo e energia procurando aparentar o melhor possível e não se dedicam em nada ao desenvolvimento interno.
          Quanto mais preocupada com as aparências é uma pessoa, mais rapidamente ela julga os outros. Com mais crueldade ela separa “quem presta de quem não presta”, segundo seus padrões. A vida, para essas pessoas, não se trata de possibilidades e descobertas, mas de regras a serem seguidas, de dogmas incontestáveis a serem obedecidos. Como dá para imaginar, a vida fica limitada, e como há gente assim!
          Contudo, para aqueles que se permitem aprender com a vida e as experiências, há a chance de se libertar e viver mais dignamente. Para o monge acima, por exemplo, o peixe estava virando ele mesmo e não ele virando peixe. Somos o que comemos, mas também ocorre justamente o contrário: aquilo que comemos também vira o que somos. E aí que vem a questão mais importante para pensarmos: no que transformamos tudo aquilo que entra em nós? No que nossas experiências se transformam dentro de nós?
      Há duas possibilidades: a primeira é quando as experiências, os eventos que vivenciamos, que muitas vezes são difíceis e sofridos, acabam entrando em nós e não os transformamos. O resultado é que acabamos nos identificamos com tudo aquilo e “viramos” as dificuldades. Claro que assim a vida se torna pesada, um fardo do qual queremos nos livrar rapidamente. Só podemos lamentar e nos sentir as piores criaturas do mundo. Nesse caso o monge se tornaria o peixe. O peixe não foi digerido, mas digeriu o monge.
          A segunda possibilidade é bem mais auspiciosa. Nela, os acontecimentos, mesmo os dolorosos, são digeridos internamente, tornam-se matéria prima para o nosso crescimento. O peixe vira monge. Ele passa a ser digerido (desconstruído) e se transforma em outra coisa maior. Desta forma o peixe não fica entalado no meio do caminho, mas passa a ser parte de algo que foi transformado para melhor.
          Quem cresce faz isso psiquicamente. As experiências de vida são matérias primas que são “quebradas” para poderem ser processadas e absorvidas. Os acontecimentos ao longo da vida ficam disponíveis para serem bem usados. E somos nós que decidimos isso: viramos o peixe ou o peixe vira nós?

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

O que mantém um relacionamento?



    Quando vemos um casal que está há muito tempo junto e que vive bem (porque existem casais que estão juntos há anos, mas vivem muito mal) ficamos admirados e nos perguntamos como tal coisa é possível. Qual é o segredo desse casal? O que sustenta o relacionamento durante esses anos todos? Para entender isso é preciso entender primeiro como funciona, mais ou menos, um relacionamento.
     A relação entre os membros de um casal se dá através da reciprocidade. Um casal deveria se unir para construir a quatro mãos, conjuntamente, a felicidade da união e não para competir para ver quem dá mais ou dá menos no relacionamento. É vital que haja amor e interesse de parte a parte, além do desejo de ficar junto. Sem isso torna-se impossível o relacionamento progredir, já que não haverá “força” suficiente para enfrentar as adversidades que certamente surgirão ao longo do caminho de qualquer casal.
     Tanto podemos seguir nosso coração e arriscar tudo num relacionamento como também podemos desistir frente a tantas dificuldades e partir para outra. Não há receita mágica. Não há resposta pronta. Tudo vai depender do quanto cada membro do casal está realmente interessado em fazer a união acontecer. É preciso ter consciência de como está a força da paixão de cada um. Em outras palavras, do quanto cada um realmente quer essa relação.
       Sem certo grau de paixão a união não tem como se sustentar, mas com o tempo a paixão vai se perdendo. Todo casal percebe isso. O tempo, tal como a água corrói o ferro, corrói a paixão, no entanto, se isso for bem vivido pode fortalecer a construção do amor. Isso ocorre porque na luta diária para enfrentar as dificuldades e desgastes que surgem originados pela rotina e brigas, o amor é algo que criamos para preservar a relação. E o sentimento de amor está baseado essencialmente na confiança que um pode sentir no outro.
       A confiança que cada membro do casal pode ver em si próprio e no outro permite que a relação se sustente. Se uma pessoa confia nos próprios sentimentos que tem pelo parceiro(a) e confia nele, o amor e a relação não só se tornam possíveis como também abrem espaço para descobrir novas paixões de um pelo outro. O relacionamento se expande e se torna cada vez mais maduro e as paixões vão se transformando e se revelando cada vez mais gratificantes. A confiança propicia o crescimento de um relacionamento.
      Claro que a confiança tem que ser algo legítimo, não baseada apenas no que se deseja em relação ao outro, mas na realidade. Sem pés no chão a vida não tem como acontecer. Não podemos confiar quando não há comprometimento de uma parte da relação, porque insistir assim é apenas uma maneira de negar que algo não tem mais sentido. O relacionamento, para se expandir e perdurar, tem que ter sentido. Que o digam os casais longevos que vivem o amor em todas as suas camadas. Não há segredo para um relacionamento durar, o que há é muito trabalho conjunto e força de vontade - e, claro, sentido.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

A pressa é inimiga do amor



    Os jovens são frequentemente ansiosos nas questões relativas ao amor. Por terem muito pouca experiência de vida são apressados e querem logo certezas que não são possíveis. O senso de urgência acaba fazendo com que muitos jovens metam os pés pelas mãos e acabem entrando desnecessariamente em situações complicadas. Está certo que é errando e tropeçando que se aprende, mas há determinadas situações que se tivessem sido pensadas com mais paciência e prudência poderiam ser evitadas, afastando, assim, sérios problemas.
    Algumas pessoas mais maduras, por já terem mais experiência nas vivências amorosas, acabam vivendo o amor com mais tranquilidade e gratificação. Tiveram tempo para aprender a valorizar o que realmente importa numa vida a dois e a abrir mão de outras coisas que só traziam peso. Quem aprendeu com as experiências sabe lidar com mais inteligência com os dissabores amorosos e não fica tão desgostoso e aborrecido como aquelas pessoas menos experientes. Os mais maduros ficam mais serenos frente às dificuldades da vida e até frente às dificuldades sexuais que por ventura possam ocorrer. Por isso muitas pessoas conseguem viver o amor na maturidade e não na juventude.
    Uma relação amorosa sempre traz turbulências e pessoas muito jovens, pela inexperiência sobre o que vivem, terminam por não usufruir plenamente a companhia do outro. Sem sabedoria os frutos de uma relação ficam impossíveis de serem acessados. Os jovens, por suas próprias inseguranças, imprimem uma urgência nos relacionamentos que impedem estes de serem verdadeiramente desfrutados. Em alguns casos a pressa até impede que um relacionamento que tinha tudo para crescer e florescer seja desenvolvido e fortalecido. No amor a pressa e urgência são sempre inimigas. 
    Quando alguém fica muito inquieto e inseguro acaba procurando no relacionamento amoroso e exigindo dele um meio de “resolver” suas questões, o que sempre leva a uma frustração. O relacionamento fica distorcido quando há outras questões em jogo. Na pressa por se sentir satisfeito numa relação, por exemplo, uma pessoa pode escolher mal seu parceiro(a) e isso pode ser muito prejudicial.
    É muito comum que as pessoas inexperientes procurem parceiros amorosos muito excitantes e sedutores, mas que não se sustentam a longo prazo. Geralmente aquelas relações “explosivas”, que tanto excitam, estão mais a serviço da idealização que da realidade. Se procuramos só excitação nos enganamos, porque estamos em busca apenas do prazer físico. Nada errado com o prazer físico, mas se basear apenas nele é enganador. O bom é quando somos capazes de escolher nossos parceiros não por serem aqueles mais sedutores, mas por serem os que nos tornam melhores. Não é quem mais nos excita, mas quem mais nos ajuda a nos transformamos no melhor de nós mesmos. Entender essas coisas fazem com que o amor possa realmente acontecer.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Sem esperança não há vida

   

    Uma das coisas mais importantes nessa vida para a nossa saúde mental é a esperança. Quem não tem esperança não tem saúde mental. A esperança é um sentimento que nos permite viver e passar por adversidades sem desmoronar, sem se destruir. Ela nos mantém integrados. Uma pessoa sem saúde mental está, internamente, aos pedaços. E isso vai, uma hora ou outra, se refletir até na vida externa, que também vai se fragmentando. Vemos muitas pessoas levando uma vida tão aos pedaços que notamos o quanto estão fragmentadas.
    Quando ficamos aos pedaços a vida se torna intolerável e pesada demais. A vida passa a ser um estorvo e viver fica muito custoso. Só para vocês terem uma imagem do que estou falando deixe-me dar uma exemplo gritante disso. No bairro da Cracolândia, na cidade de São Paulo, vemos pessoas que não são mais pessoas em si. Viraram cacos de si próprios de tão desintegradas que estão. Têm a humanidade fragmentada e isso não é só visto através das precárias condições em que se encontram, nem pela magreza nada saudável de seus corpos, mas acima de tudo, é visto pelos olhares perdidos que carregam.
    Seus olhares apontam o quanto não estão inteiras e o quanto não têm esperança. Um olhar vazio, assustador até. O olhar não tem brilho, fica opaco e sem vida. Evidentemente isso tudo está numa extremidade muito intensa na escala de falta de esperança. O que quero ressaltar, contudo, é que quando a esperança vai-se embora é sinal de que algo não vai bem e devemos prestar atenção no que está se passando.
    Esperança, todavia, não significa otimismo para com a vida. Otimismo pode ser ingenuidade e devemos nos preservar dela, já que não nos leva a nada. O otimismo é muito valorizado pelas pessoas, mas ele implica em se acreditar que tudo vai dar certo e ter final feliz. Infelizmente a vida não é assim. A vida nunca nos promete final feliz. Temos que encarar os fatos.
    Já a esperança não é crer num sucesso garantido. Ela é muito mais sutil e, na minha opinião, muito mais importante e valiosa. Ela é como um estado de espírito que nos permite viver com autenticidade, com presença em tudo o que fazemos, independentemente de qual vai ser o resultado. Seja em bons ou maus momentos ter esperança é seguir fazendo o melhor que podemos simplesmente porque é assim que podemos escolher viver. É se empenhar em algo que traz sentido. Um poeta diria talvez que é agir com o coração. Os poetas são bons para colocar em palavras esses sentimentos tão complexos.
    Não importa tanto como vai terminar, mas a esperança dá forças para que ofereçamos sempre o nosso melhor. Mesmo quando as conjunturas da vida são desesperadoras, a esperança nos impele a fazer aquilo que há de mais nobre. A esperança nos faz transcender. Por isso ela é um sentimento tão importante.
    Sem esperanças não há vida possível. Tão necessário como o oxigênio para os nossos corpos é a esperança para a vida mental. Com ela nossos olhos brilham. Por que se fala tanto nos olhos das crianças? Porque eles brilham com força, já que elas estão cheias de esperança. Quem mantém a esperança dentro de si não perde jamais esse brilho, mesmo que tenha 100 anos.
    Que 2021 renove nossa esperança.