segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Autoritarismo e Autoridade



            Apesar de parecer a mesma coisa autoritarismo e autoridade são bem diferentes. A primeira está a serviço da arrogância e do controle enquanto a segunda está a serviço da ordem e contenção. As vezes a linha que separa essas duas coisas é tão tênue que frequentemente uma pessoa passa de uma posição de autoridade para a de autoritarismo muito facilmente e sem perceber.
            Possuir autoridade é se dar o direito de algo, direito este conquistado através de um longo percurso no qual a aprendizagem está presente e por fim fazer bom uso do que foi aprendido. Já autoritarismo diz respeito a uma posição de prepotência. Usa do conhecimento que tem para fins de controle e de desprezo do outro.
            Uma autoridade pode ser representada por pais, professores, médicos e todos aqueles que de alguma forma querem o bem do outro. Servem como ponto de referência e ajudam a conter as emoções conflituosas que tanto pode deixar alguém perdido. Já um autoritário também pode ser encontrado em pais, professores, médicos e todos aqueles que de alguma forma não olham para o outro como humano, mas como objeto a ser controlado e até menosprezado. Não pode mais ser visto como ponto de referência porque usa da violência, seja ela física ou psicológica, para dominar e tirar a humanidade que está no outro.
            Quantos pais não agem assim e com isso deixam de ser aquelas pessoas com quem os filhos possam contar e passam a ser aquelas pessoas que os filhos passam a temer e evitar? E o que dizer de médicos autoritários que mais assustam seus pacientes do que os ajudam num momento difícil e delicado? Sem contar os professores que têm prazer em humilhar seus alunos em vez de colaborar para a aprendizagem deles.
            Há muitas pessoas fazendo uso do autoritarismo, que nada mais é do que uma manifestação da arrogância. Arrogância é patológica, pois implica se agarrar numa posição onde se acredita melhor que os outros e de que não há mais nada a ser aprendido. A arrogância engessa as pessoas deixando-as imóveis para aprender. Se humanizar tem a ver com aprender e com isso podemos ver que quem faz uso da arrogância se desumaniza em vez de se humanizar. E quem se desumaniza não consegue ver o humano em si próprio e nem no outro tratando tudo de forma rude e primitiva. O autoritarismo em vez de acender uma luz, aumenta a escuridão e o sofrimento.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Pergunta de Leitora - Um ato psicológico



Sempre sonhei em ter um filho. Desde pequena acalentei esse sonho. Hoje estou casada há quase seis anos e até agora não consegui engravidar. Já fui a vários médicos e meu marido também e segundo os exames não tem nada de errado conosco. Um médico até falou que eu posso não ter engravidado ainda por causas psicológicas. Não entendo. Eu quero tanto ter um filho então como seria por questões psicológicas? Será que estou me boicotando? E também morro de medo de engravidar e perder a criança, como já aconteceu com algumas amigas minhas. A gravidez é tão frágil e requer tanto cuidado. Quero tanto um filho que até dói. Meu marido está cansado dessa história de eu querer tanto algo que não poso ter. só sei que me sinto muito mal com tudo isso. Será que devo procurar ajudar psicológica para isso?

            Segundo seus exames não há nenhum impedimento para você engravidar, mesmo assim isso não acontece e gera angústias. Um médico sugere que isso pode estar acontecendo por questões psicológicas. Em princípio você estranha, mas depois pergunta se pode estar se boicotando. Talvez valha a pena pensar nesta pergunta com mais cuidado.
            Nós não somos apenas seres biológicos, mas também somos seres psicológicos. Nossas vidas não podem ser resumidas apenas em questões biológicas e físicas. Isso seria limitar muito quem realmente somos e um convite para permanecer na ignorância de vários assuntos sobre nós mesmos. Conhecer a própria mente fornece elementos para se entender melhor o que nos acontece e até saber se podemos mudar muitas coisas que nos aborrecem em nossas vidas.
            Não posso dizer se o fato de você não ter engravidado tenha algo relacionado à fatores psicológicos, mas posso dizer com certeza que você não perde nada em se conhecer melhor. Quando você se pergunta se há a possibilidade de um auto-boicote é importante você descobrir se é isso mesmo e porque se auto-boicotaria. Descobrindo esses por quês pode te ajudar a se livrar de muitas coisas, ou seja, se tornar livre.
            Quando você considera a gravidez algo tão frágil e que requer tanto cuidado será que você não está se colocando em dúvida quanto à sua capacidade de realizar isso? É apenas uma hipótese, pois para se saber mais é necessário mais informações. Ao falar com um analista que saiba te escutar você aprenderá a se ouvir e saberá mais de si e de seus motivos inconscientes. Conhecer sua dimensão psicológica é de extrema importância para você viver melhor como pessoa e até como possível futura mãe.  Até por que ser mãe não é só um ato biológico, mas acima de tudo um ato psicológico.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Crescer leva tempo



            Uma das maiores queixas de quem entra numa análise é que se trata, de certa forma, de um processo que exige um tempo. Querem ter suas angústias e problemas resolvidos o mais rápido possível. Aliás, quem não gostaria disso? Só que em análise as coisas não se dão assim e é necessária uma tolerância com a espera.
            Essa espera tem uma razão. É porque numa análise o que está em questão é a subjetividade e esta não se resolve num piscar de olhos ou da noite para o dia. Exige tempo para que seja construída, vivida e pensada. A subjetividade, essa coisa tão imaterial e amorfa, é justamente o que nos dá uma identidade. Que nos forma em quem somos. Muitas vezes nos tornamos pessoas que não estão bem, que sofremos e para se mudar isso é preciso se entender variáveis dessa mesma subjetividade que levaram a isso. Esse processo leva tempo e exige muita atenção.
            Computadores e máquinas podem ser programados. Humanos não. Eles precisam se fazer, aprender com as próprias experiências e com a vida. Nossas vidas são muito mais complexas do que máquinas e por isso mesmo exige também mais trabalho e investimento. Não ter paciência com o tempo que o caminho do autoconhecimento demanda é uma forma de se desumanizar, ou seja, de tirar a oportunidade de desenvolver o que pode haver de melhor dentro de si.
            Na estória infantil dos três porquinhos, o primeiro porquinho construiu uma casinha de palha, que não exigiu esforço e tempo nenhum, e não é a toa que essa mesma casinha foi embora com o sopro do lobo. Já o segundo levou um pouquinho mais de tempo e teve um pouquinho mais de trabalho ao levantar uma cabana de madeira. Por isso mesmo o lobo levou mais tempo para derrubá-la. Já o terceiro porquinho usou seu tempo para construir algo mais seguro e confiável, tanto que o lobo falhou em destruí-la. Até nessas estórias infantis podemos aprender que se queremos algo que seja de valor devemos investir nisso. Agora vamos imaginar que em vez de casinhas essa estória falasse de se construir uma mente. Qual mente você gostaria de construir? Qual delas você preferiria confiar?

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Pergunta de Leitor - Sem Vergonha



Tenho 15 anos e nunca tive relação sexual ainda. Eu me masturbo muito e isso é algo que me deixa meio encucado. Sei que se masturbar não tem nada demais, mas mesmo assim eu queria não ter vontade de me masturbar. Estudo as filosofias orientais e nelas se falam que devemos sempre nos resguardar e nunca ficar cedendo aos prazeres mundanos. Mas o problema é que não me agüento e se não me masturbo eu só fico pensando nisso e aí não agüento. Tenho medo de ficar viciado. Como conseguir controlar o desejo sexual? É possível educar a mente para não desejar o sexo e deixar de se masturbar? Fico confuso com tudo isso.


            O sexo é realmente um assunto que jamais se esgota e desperta curiosidades em todos, em qualquer idade. É natural ter dúvidas quanto ao sexo, pois ao mesmo tempo que ele é tão desejado ele é também muito mal entendido e até repreendido.
            Claro que aos 15 anos o tema do sexo vai ser uma das coisas mais presentes em sua mente. Não se assuste com isso, é natural e dá mostras de que você é um jovem saudável. Você pensar tanto em sexo   e se masturbar é muito comum aos garotos de sua idade e seria surpreendente se você jamais pensasse em sexo. A intensidade pelo ato masturbatório varia de pessoa para pessoa. Há aqueles que se contentam com menos e outros que são mais freqüentes nesta prática. Só seria vício caso você deixasse de viver sua vida e fazer seus afazeres para se masturbar. O vício é prisão, ou seja, não permite que você faça mais nada.
            Quanto as filosofias orientais mencionadas por você, elas não são contra a experiência da sexualidade, mas têm grandes ressalvas contra a vulgarização da mesma. Não se entregar ao mundano não significa reprimir a sexualidade a ponto de ela não existir. Significa, sim, vivê-la bem e com respeito. Você está confundindo o “dar um contexto para a sexualidade” com o “não ter sexualidade alguma”. Não é a mesma coisa.
            Você precisa aprender a encarar a própria sexualidade com outro olhar, mais generoso e natural. Não se julgue por desejar algo que é tão forte e tão presente na natureza humana. Brigar contra a natureza nunca é um bom negocio e só leva à infelicidade, além de transformar algo que pode ser bom e enriquecedor em algo sujo e feio. Há um ditado budista que diz Qualquer coisa que você viva, viva com dignidade. Aprenda a ver e viver sua sexualidade com dignidade e verá que não tem do que se envergonhar.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A Condição da Mente do Analista



            O dentista conta com um grande número de apetrechos para bem realizar o seu trabalho. O médico também tem inúmeros instrumentos para diagnosticar e restabelecer a saúde de um paciente. E qual é o instrumento de trabalho do analista? A resposta é a sua própria mente.
            O analista depende de ter uma boa condição de mente para poder realizar seu trabalho. Desenvolver a mente é, para o analista, algo vital para que possa entender a mente das pessoas com quem trabalha. O analista encontra dentro de si recursos que o possibilita pensar em como melhor ajudar o seu paciente. Aliás, ele só vai poder entender a mente de outro caso consiga entender a sua própria.
            Sem uma boa condição mental o analista ficaria perdido entre as fantasias e angústias que o paciente traz. Não conseguiria pensar e por isso mesmo não poderia ajudar seu paciente a pensar sobre a própria vida. Seria a mesma coisa que um cego conduzindo outro cego. Se o analista não tem meios de aceitar e compreender o funcionamento da sua mente fica impossível aceitar e compreender a mente de quem pede sua ajuda e com mais uma agravante: É que se o analista estiver perdido não consegue se colocar disponível para escutar verdadeiramente o que seu paciente tem a dizer. A escuta verdadeira é a condição para uma análise de fato ocorrer. Caso o analista esteja imobilizado pelas próprias fantasias ele não poderá clarear sua mente para receber o que vem do seu paciente. Ficaria encerrado nas brumas de suas fantasias e angústias e nem mesmo suportaria as inquietações de outrem.
            O único instrumento e recurso para quem trabalha com a psicanálise é a própria mente. Daí que se tem a recomendação do analista se submeter a própria análise, pois sem desenvolver sua mente o analista se torna incapacitado para se despir de suas fantasias e preconceitos, bem como de seus próprios medos, para poder escutar e apontar determinadas coisas que fariam seu paciente pensar e mudar suas perspectivas. Só quando o analista pode mudar a si mesmo é que pode ajudar alguém a passar por esse mesmo processo.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Pergunta de Leitora - Escrever um novo roteiro



Conheci seu blog devido a análise do filme Meia noite em Paris, que por sinal foi muito bem feita. Parabéns! Também sou psicóloga e apaixonada por filmes. Mas queria pedir uma ajuda para você. 
Tenho um paciente que gosta muito de filmes, por isso gostaria muito de aproveitar esse recurso com ele, já que é uma das poucas coisas que ele gosta tanto. A minha idéia seria indicar um filme de "lição de casa" para discutirmos alguns tópicos na sessão seguinte. Claro que não é só indicar por indicar, quero um filme que tenha a ver com sua história de vida e possa ajudá-lo na identificação.
Mas sinceramente diante tantos filmes, parece que não encontro nenhum que se encaixe.
33 anos. Ele está ligeiramente deprimido, pois por motivos de saúde foi impedido de fazer o que gostava (academia). Não tem sonhos e pretensões na vida. Fez uma escolha e se arrependeu muito e tem muito medo de arriscar, praticamente em todas as areas.
Vc teria alguma indicação??

Há filmes que mexem com nossas vidas pois propiciam a identificação. Aliás, não só filmes, mas a arte em geral. Romances, músicas e poemas servem como telas que esperam pela identificação de alguém e quando o processo da identificação ocorre algo na subjetividade da pessoa envolvida dá um “clique” e traz um possível entendimento de si mesmo. É como se sentíssemos que aquele filme, livro, etc. tivesse sido idealizado para nós mesmos.
            Não sei qual filme poderia servir para o seu paciente, já que o processo da identificação é algo de foro extremamente pessoal e o que me encanta nem sempre, com certeza, irá encantar o outro. É melhor deixar que a identificação ocorra naturalmente. No entanto, creio que seu pedido de ajuda tenha mais a ver com o que você sente ao atender esse seu paciente.
            Muito provavelmente ele se trata de alguém que está desinvestido da vida e a odiando, nesse momento, por tê-lo privado de muitas coisas que gosta. Por estar com tanto ódio ele fica preso num processo de se desligar emocionalmente de qualquer coisa, pois possivelmente teme se apegar a algo e depois se esse algo lhe for barrado não irá conseguir suportar mais essa frustração. Estar presente com um paciente assim exige bastante de você que necessita se manter investida para ajudá-lo.
            Esse paciente demanda que você construa um novo roteiro, uma nova abordagem para conseguir tocá-lo. Porém, essa abordagem não vai ser encontrada em algo externo, mas dentro da sua escuta. O que esse paciente lhe pede é que você desenvolva uma “escuta” que venha a produzir uma mudança no campo em que esse paciente se encontra. A escuta sábia é transformadora pois ajuda o analisando a aprender a se ouvir e reconhecer o seu próprio desejo. Seu paciente se encontra numa posição de impotência e precisa que você se desapegue dessa posição e adote outra. Reflita sobre isso e confie mais na sua escuta para escrever um novo roteiro que sirva melhor para essa história.