sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Pergunta de Leitora - Quem não tem cão caça com gato


Quero ser psicanalista. Sempre gostei de tudo relacionado a mente. O problema é que sou pobre e não tenho dinheiro para fazer uma análise. Sei que para ser psicanalista é preciso fazer análise, mas como fazer não tendo dinheiro? Quem faz análise é rico e não tem nenhuma preocupação financeira. Fazer análise é para rico e ser psicanalista também. Isso tudo me deixa muito frustrada e um pouco desanimada com a vida. O que eu quero não posso ter e o que tenho não me satisfaz. Sei que posso ser uma boa psicanalista, não quero parecer orgulhosa, mas sei que tenho talento para isso, mas não tenho condições. A psicanálise é muito elitista. Só a elite pode ter acesso. O que posso então fazer?

            O foco da sua atenção está todo centrado na questão financeira e pouco voltado às suas condições. Você fala como se ter dinheiro definisse tudo e mais nada estivesse em jogo. A questão não se trata de ter dinheiro ou não, mas de você se permitir trilhar o caminho.
            Dinheiro e auto-valorização parecem ter se tornado sinônimos para você, o que é prejudicial. Há pouca auto-valorização em você e atribui isso ao fato de não possuir dinheiro. Há um ditado que diz Quem não tem cachorro caça com gato, e se faz necessário você entender o que isso significa. É inegável que dinheiro traz certos confortos, porém o que vai te possibilitar caminhar não é o dinheiro, mas a sua disposição para caminhar.
            Na sua frase “o que eu quero não posso ter e o que tenho não me satisfaz” mostra o quanto você desconsidera a sua capacidade de poder aproveitar o que tem. Se você não se permite se satisfazer com sua própria mente fica mesmo difícil trilhar qualquer caminho que seja. Você mesma disse o quanto sabe que pode ser uma boa psicanalista, então por que não utilizar isso e trabalhar com o tempo para que as coisas aconteçam? Crie condições para se tornar aquilo que acredita. Lamentar e se fazer de vítima não te ajudará nisso.
            O que torna alguém psicanalista não é só o fato de fazer análise, mas quando se usa a própria mente para se pensar a angústia. Não ter dinheiro lhe é sentido como angústia.  Em vez de se imobilizar por isso é preciso pensar sobre isso e criar condições para que isso não continue a ser um problema. Hoje você está identificada com a posição da vítima, sente pena de si mesma. Enquanto não passar à posição de sujeito nada mudará. Assim que for possível poderá fazer sua análise. Use o tempo a seu favor e não como seu inimigo.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Sinal de Alerta


            Um mês atrás no concurso de miss Amazonas vimos um cena muito triste e que deveria nos acender um sinal de alerta. As duas finalistas estavam aguardando o anúncio do resultado e quando este foi feito a candidata que ficou em segundo lugar primeiramente cumprimentou a concorrente, mas passado um minuto ela volta até a vencedora e violentamente retira-lhe a sua coroa, machucando-a e gritando que ela não merecia e que havia comprado o júri. Algumas pessoas ficaram escandalizadas com esse ato enquanto outras aprovaram e até aplaudiram.
            Que triste é ver o quanto está faltando nos indivíduos uma mente continente que dê conta de pensar verdadeiramente. Essa candidata que perdeu não conta com uma mente desenvolvida que lhe permita pensar e avaliar as suas atitudes. O que ela conhece são apenas reações mais primitivas à frustração que sente. O problema é que não contar com uma mente continente torna as atitudes deploráveis e altamente destrutivas. Aqueles que aplaudiram e apoiaram essa manifestação de agressividade se identificaram com o que há de mais primitivo em si mesmos e também não contam com mentes que consigam pensar.
            É claro que é possível que a candidata vencedora tenha usado meios ilícitos para comprar o concurso. Infelizmente há pessoas assim. Porém, não é fazendo justiça com as próprias mãos que resolvemos as coisas. Pelo contrário, isso só piora. Se a candidata preterida se visse injustiçada ela teria todo o direito de botar a boca no trombone e usar todos os meios cabíveis para uma reparação dessa injustiça e crime. Porém, buscar justiça e reparações pelos meios legais e civilizados é frustrante porque demanda tempo. A mente primitiva, contudo, não é paciente e quer ser satisfeita agora, sem tolerar esperar.
            Ficar indignado não significa reagir através dos impulsos agressivos. Estes últimos precisam ser contidos na mente e resolvidos lá. Resolver a própria agressividade implica transformar os impulsos que pedem por atuações em decisões pensadas. Quem não pensa sobre os impulsos agressivos que possui está fadado a atitudes violentas. Essa segunda candidata demonstrando primitividade foi entrevistada e aclamada com uma pessoa audaciosa, mas ela é uma criança mimada que precisa ser educada nos processos civilizatórios. É triste e perigoso quando atitudes assim são mais valorizadas do aquelas que realmente são frutos de uma mente desenvolvida. A humanidade só tem a perder com a ignorância e cegueira. Precisamos ligar o sinal de alerta urgentemente. 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Pergunta de Leitora - Paixão Cega


Sou apaixonada pelo meu primo. Tenho 19 anos e ele tem 25. Somos primos em segundo grau e queria mesmo ter um relacionamento com ele. Minha mãe sabe disso e acha que é um absurdo. Ela é totalmente contra. Meu primo nada sabe, acho eu, mas sempre dei muita bola para ele. Isso é incesto, querer o próprio primo? Acho que não. Só quero viver feliz com ele e não suporto ver ele com outra menina. Morro de ciúmes e quero ter ele a qualquer preço. Ele ainda não sabe que eu amo ele demais e que vou ser melhor que qualquer outra para ele. Como posso me abrir para ele e fazer ele entender isso?

            A questão em jogo aqui está nas suas palavras de que “quer ele a qualquer preço”. O que significa isso? Será que você já pensou nessa suas palavras? São fortes demais e só podem vir de uma pessoa apaixonada. Há dois tipos de paixão. Aquela boa que nos encanta e deixa o mundo colorido, mas também há a paixão que nos cega e deixa tudo tenebroso.
            No filme Atração Fatal, a atriz Glenn Close interpreta uma mulher apaixonada que perde todo o senso de realidade e quer a todo custo o homem com quem teve uma noite. Chega à loucura e não mede consequências. Acabou por se tornar um perigo para ela mesma e para outras pessoas. Enfim, enlouqueceu de paixão. Dessa paixão devemos ficar longe e jamais permitir que ela se instale.
            A paixão louca tem a ver com o processo de idealização, que funciona como uma hiper-valorização de uma dada ideia. A ideia do amor que você sente por ele é tão irresistível e valorizada que lhe faz perder a capacidade de pensar, assim você se torna cega mentalmente. Nesses casos todo preço parece válido, o que é um tremendo engano. Para Freud a idealização servia como um mecanismo de compensação para um sentimento de inferioridade, imaginário ou real.
            Você mesma nem sabe se ele te deseja ou não e nem liga para o que ele pensa, já que tem certeza de que você é a única pessoa certa para ele. Isso, certamente, não é amor, pois quem ama sempre leva em consideração o outro. Você o desconsidera como pessoa. Hoje você está apegada à imagem que tem dele. Está apaixonada por uma ideia e não uma pessoa. Enquanto não abandonar a idealização não poderá ver as coisas mais claramente e nem poderá entender o que é possível.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Pergunta de Leitor - Assunto sério


Tenho 25 anos e poucas experiências sexuais. Sempre fui muito tímido e nunca consegui me aproximar das mulheres como outros caras. Sempre me senti meio por baixo para dizer a verdade. Acontece que agora estou namorando uma menina legal, mas ela já está falando em casamento e eu não sei se quero me casar. Ela é mais jovem do que eu, tem 19 anos e está decidida a se casar comigo. Fui o primeiro homem da vida dela e me sinto responsável por ela apesar de nunca ter prometido casamento. Não quero machucar ela mas não sei se caso. Capaz de casar já que ela foi uma das poucas mulheres com quem tive mais confiança sexual. Nunca fui um bom conquistador. O que pode me dizer?

            Casamento é assunto sério e que demanda reflexão. Ninguém deve se casar apenas por casar, mas porque chega a conclusão de que aquele relacionamento tem significado e com isso se dá um passo maior. Se você não tem certeza do casamento isto é um dado importante e que deve ser levado em consideração.
            Pelo que você escreveu parece que você está quase aceitando o casamento não porque a ama e quer ir além nesse relacionamento, mas porque não se acha seguro o suficiente para conquistar outras mulheres. Sendo este o caso esse casamento já tem um início ruim, pois não é a crença no amor que os une, mas a conveniência. Já que não tem algo que deseja coloca outra coisa no lugar sem pensar muito bem.
            Namoro é uma época de conhecimento, um momento para se compreender bem o que se quer com aquela pessoa. O namoro não tem obrigação de se transformar em matrimônio, aliás é mais do que natural que o namoro termine em algum momento. Alguns namoros servem como experiências, outros namoros podem, sim, evoluir para o casamento, porém o casamento deve ser uma evolução no relacionamento e jamais uma obrigação. Casamento por obrigação tem maiores chances de terminar mau.
            Provavelmente as mulheres te intimidam, você não se sente muito seguro em lidar com elas. Ou fica muito inseguro em abordá-las ou fica inseguro em falar mais honestamente com elas sobre o que pensa. Descobrir o motivo dessa ameaça que as mulheres representam se faz importante para que você possa desenvolver  um relacionamento mais confiante e sincero. Não é partindo para qualquer ação que parece que vai resolver o problema que vai te ajudar, mas pensando sobre o que quer viver de verdade.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A cruz de cada um


            Vi uma animação que circula na internet onde várias pessoas carregam cruzes enormes e pesadas. Uma das pessoas olha para cima e diz a Deus que estava tão pesada a sua cruz que pensou então em cortá-la. Pegou um serrote e tirou um bom pedaço. Depois de andar mais um pouco resolveu cortar mais ainda, pois o incômodo em carrega-la ainda era grande. Enquanto muitos dos outros ao redor iam carregando suas imensas cruzes essa pessoa transformou a sua em algo bem pequeno e de fácil manejo. Aí o grupo chegou a um abismo e para conseguirem passar para o outro lado aprenderam que tinham que usar suas longas e pesadas cruzes como pontes. Aquela pessoa que cortou a sua cruz não a tinha em tamanho suficiente para lhe ser útil e ficou para trás sem mais sair do lugar.
            Apesar desse vídeo ter uma moral religiosa podemos pensá-lo sob uma perspectiva psicanalítica de como vivemos nossas vidas. Carregar cruzes no decorrer de nossas vidas nada mais é do que conseguirmos tolerar nossas frustrações de maneira eficiente e de forma que nos fortalecemos. Não é fácil mesmo dar conta de nossa vida mental e frequentemente sentimos que as coisas que precisamos lidar são por demais pesadas e inúteis. Queremos “cortar” nossos problemas sem tem que pensar sobre eles, mas isso no fim sempre se revela um mau negócio.
            Claro que não precisamos abraçar e agarrar nossos problemas de forma indiscriminada. Isso seria masoquismo. Entretanto, o que não dá é para evitarmos lidar com aquilo que temos e que nos causa certo sofrimento. Quando fugimos de nossos problemas pensamos, de início, que estamos sendo muito espertos, porém ao fazermos isso perdemos oportunidades para nos desenvolvermos e futuramente atravessarmos mais facilmente as coisas difíceis. Se as cruzes em nossas vidas, contudo, forem utilizadas como instrumentos estaremos bem mais preparados.
            A nossa primeira tendência quando nos deparamos com o que nos faz sofrer é querer fugir da dor. Mas há dores que não temos como escapar se não corremos riscos de ficarmos parados, já que amputamos nossos instrumentos internos, cortamos tudo aquilo que pode nos fortalecer. Para a vida mental não há atalhos e insistir nisso é um risco muito grande de não crescermos. A verdade é que ao fugirmos dos nossos problemas não seremos espertos, mas medrosos de encararmos o que necessitamos.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Pergunta de Leitora - Chover no Molhado


Meu namorado não quer crescer. Temos já dois anos de namoro, mas ele se porta ainda como um adolescente. Tenho 26 anos e não dependo mais de mãe e pai, mas ele ainda é dependente e não só financeiramente. Ele precisa dos pais para tudo na vida, até para comprar a própria cueca. Amo muito ele e quero que essa situação mude, mas não sei como fazer isso. O que posso fazer para ajudá-lo a crescer e se tornar um homem? Por que será que ele não quer crescer? Só quero ter uma vida mais adulta. Será que ele quer uma mãe no lugar de uma namorada?

            Você tem muitas perguntas em relação ao seu namorado, mas poucas perguntas em relação a você mesma. Você está mais a pensar sobre o modo de funcionamento do seu namorado do que o seu modo de funcionamento. Quer indagar sobre questões que somente ele poderia responder e enquanto continuar nessa posição se impede de ter uma visão mais abrangente do que enfrenta.
            Se ele quer ou não crescer, se ele quer uma mãe no lugar de uma mulher são questões que não cabem a você responder. Até mesmo desejar que essa situação mude não é da sua alçada. Só podemos lidar com o possível e querer controlar ou mudar outra pessoa não está dentro de nossas possibilidades. Insistir nisso é chover no molhado, ou seja, é uma ação inútil.
            A pergunta que deveria estar com você não é sobre como ele vive, porém como você vem vivendo. Por que uma moça independente como você quer ficar com um rapaz que se porta desse jeito? O que nele te atrai tanto? Por que faz uma cruzada pessoal para mudá-lo? A resposta pode indicar que você não seja tão independente quanto pensa, pois parece ficar presa a ele mesmo quando não o admira. Decifrar o porquê disso se faz importante.
            Você não tem poderes para decidir sobre a vida do seu namorado e sobre o que ele vai fazer com ela, mas pode decidir sobre a sua. Em vez de desperdiçar energia tentando resolver algo que você não pode que tal devotar energias para descobrir suas razões para ter entrado e permanecido nessa situação? Se ele não quer crescer não há nada que você possa fazer para ajudá-lo, mas há muito a ser feito para você se ajudar a viver uma vida adulta. A questão que fica é: o que será que você está fazendo consigo?

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Falta básica


            Todos sabem que um ser humano desprovido de nutrição, de higiene, de saúde, de direitos, não tem como desenvolver seu potencial. Entretanto, há uma falta que nem todos se lembram e que é fundamental: relacionamentos humanos de qualidade. Sem isto não existe a menor chance de um ser humano tornar-se verdadeiramente humano. A condição humana não nos é fornecida biologicamente, precisando ser então desenvolvida e continuamente fortalecida. Sem relações de qualidade ficamos em falta de algo básico que afeta e influencia como funcionamos na vida. Infelizmente, relações humanas de qualidade são mercadorias raras.
            Veja-se, por exemplo, o alto número de jovens ao redor do mundo que em vez de se relacionarem uns com os outros preferem se relacionar e dialogar com máquinas que pretendem ter uma “personalidade”. Há até namorados eletrônicos, que são dispositivos que fingem ser um(a) namorado(a) entabulando conversas superficiais. São aplicativos desenvolvidos para mitigar a solidão que muitos sentem. Apesar de ficarmos maravilhados com tecnologias cada vez mais fantásticas temos que compreender que trocar relações reais por máquinas demonstra que algo não vai muito bem.
            Até mesmo entre os jovens que saem juntos, que estão acompanhados e que o sentimento de solidão parece estar bem longe a coisa não é bem assim. Apesar de estarem juntos, faltam relacionamentos. O que esses jovens fazem é alimentar apenas certo prazer sensorial, ficando juntos, beijando-se e até transando, mas sem ninguém saber ao certo quem é o outro e nem conseguirem entabular de fato uma conversa mais íntima. Hoje estamos solitários no meio de uma multidão e os relacionamentos são muito vagos e superficiais, tendo como objetivo apenas uma satisfação sensorial e primitiva.
            Ninguém nasce sabendo como se relacionar com o outro, isso é aprendido. Porém, cada vez mais essas aprendizagens estão escassas. Isso acontece, entre inúmeras razões, porque se relacionar demanda algo muito doloroso, que é saber tolerar frustrações. Uma pessoa conseguir suportar dignamente uma frustração está muito difícil. Parece que frustração tornou-se uma doença que precisa ser erradicada o mais rápido possível. No entanto, não existe como nos relacionarmos quando não há capacidade para tolerar as frustrações e para aprendermos a tolerá-las dependemos de relacionamentos de qualidade.
            Uma criança pequena é dominada por impulsos narcisistas e egoístas. Não há nada de errado com isso, todas as crianças são assim. Porém, à medida que as crianças vão crescendo e se relacionando com pessoas ao redor elas podem ir percebendo que precisam abandonar o narcisismo para poder abrir espaço às pessoas que amam e pelas quais gostariam de ser amadas. A criança, quando há relacionamento verdadeiro, percebe que não são apenas os seus interesses que contam, os seus prazeres, mas que há muitas outras pessoas que precisam também ser levadas em consideração. Elas podem deixar de desejar apenas os prazeres mais primitivos e sensoriais para irem construindo toda uma nova forma de se relacionar considerando o outro e tolerando a frustração de ter que ir abandonando o narcisismo.
            Quando essas relações não existem ou não são de boa qualidade cria-se uma falta básica que impede as pessoas de tolerarem as frustrações e por consequência os relacionamentos serão muito superficiais. O outro é visto como um objeto para atingirmos nossos prazeres. Por isso que os dispositivos de relacionamentos artificiais fazem tanto sucesso, são apenas objetos que podem ser facilmente controlados. Sem solucionar essa falta básica não tem como haver humanidade digna desse nome.