sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Pergunta de Leitor - Voltar a Sentir




Quando eu era mais jovem só pensava em trabalhar muito para conquistar uma vida mais digna. Meus pais foram muito pobres e sofremos várias restrições. Sempre levei o estudo a sério e me formei como um dos melhores da turma em engenharia. Logo que terminou a faculdade já consegui um bom emprego comecei a ganhar dinheiro e a subir na vida. Sempre me dediquei ao trabalho e carreira e poucas vezes fiz alguma coisa por mim no sentido de relaxar ou me dar prazer. Acho interessante quem tem um hobby. Nunca tive e nem sei o que poderia ser caso eu decidisse por ter um. Hoje tenho 56 anos e tenho mais dinheiro do que consigo gastar. Nunca casei, pouco namorei e pensando na aposentadoria me vi com medo. Não sei dizer se sou feliz. Conquistei tantas coisas na vida, mas todas relacionadas ao trabalho e nada para a minha vida pessoal. E agora que estou perto de não mais trabalhar o que faço? Como conseguir ser feliz? O que preciso para ser feliz? Que rumo dar a vida?

            Você pouco conhece da vida. Conhece, sim, sobre trabalhar e ganhar bem seu sustento. Conhece sobre como sair das privações do passado e viver materialmente bem e garantido. Provavelmente o que mais te mobilizou na vida foi fugir de um passado que deve ter deixado marcas dolorosas de muita falta. O medo das privações que você deve ter vivenciado fez com que você focasse na carreira. Nada ou muito pouco foi construído em termos pessoais.
            É claro que eu precisaria de mais informações para afirmar, porém arrisco a hipótese de que essas restrições passadas te despertaram tantas angústias difíceis de serem lidadas que você decidiu, sem nem perceber, não mais sentir nada da dimensão subjetiva. Fez uma divisão em sua mente e se voltou apenas para o lado prático e concreto da vida, deixando de lado muitos aspectos importantes do seu mundo mental que é quem dita como vamos viver.  
            Enquanto se mantinha no trabalho e este parecia eterno nunca precisou dar atenção à sua pessoa, apenas ao profissional. Só que o profissional é somente uma parte de nós mesmos e há muitos outros ângulos em nossas vidas que necessitam de cuidados. Hoje você se conhece apenas como profissional e nada como homem. Do homem que você é há um total desconhecimento. Este homem se encontra perdido e saber disso é algo útil e proveitoso porque quem sabe que está perdido pode começar a procurar um caminho para se encontrar.
            Aos 56 anos tem vida pela frente e quem sabe agora não possa realmente viver e parar de apenas procurar sobreviver. Você já conseguiu sobreviver, você já venceu esta etapa. Agora tem tarefa e trabalho muito maior pela frente: construir o homem que você pode ser. As suas indagações, apesar de lhe trazerem angústias, são boas pois mostram o início de uma nova consciência tomando forma. Está na hora de saber aproveitar a vida que tem. Em outras palavras, precisa aprender a sentir e desta vez sem medo. Não há escapatória: quem teme sentir e lidar com o que sente termina por temer viver a vida. 

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Entender a Ansiedade




            Não há ninguém que esteja livre da ansiedade ou que não a sinta vez ou outra. O que podemos ver, entretanto, é que em algumas pessoas ela é bem frequente enquanto em outras nem tanto e só surge em determinados momentos. A pergunta é, por que será que para alguns ela é tão presente, uma companheira diária e destrutiva, e para outros é algo que não tem tanto peso?
            Ansiedade é algo que muitas vezes não se reconhece de onde vem, apenas se sabe que desponta trazendo um grande mal estar que pode ser reconhecido através de palpitações, apertos na garganta, embrulhos de estômago, inquietação, irritabilidade, medos e muitos outros exemplos. Geralmente é acompanhada de ideias de que alguma coisa vai dar muito errado, apesar de nem se saber o que. Quem fica com essa angústia sofre e fica preso ao mal estar e aos sintomas, sem saber o que fazer com isso.
            Para entender melhor vamos pensar num modelo que traga uma imagem que nos ajude a pensar sobre nós mesmos. Imagine um céu azul em um lindo dia. Ficamos todos felizes e podemos fazer inúmeros planos de como aproveitar esse dia cheio de calor e luz. Às vezes aparece uma nuvem aqui e lá que tapa um pouco o sol, mas nada que nos preocupe ou estrague nossos planos. Todavia, haverá vezes que um vento mais forte traz nuvens mais pesadas e escuras e de repente o sol some, o dia fica “nervoso” e temos que nos preparar para um mau tempo. Raios ao longe começam a pipocar e trovões anunciam que uma tempestade se aproxima. Temos que correr buscar abrigo e proteção contra a fúria do tempo que há minutos atrás estava tão bom. A tempestade chega com violência. Ficamos temorosos que piores coisas possam acontecer. Ficamos “ansiosos”. Nossos planos se foram e muitas vezes temos que lidar com os estragos que a tempestade causou em seu caminho. Esse modelo pode nos ajudar muito ao pensar sobre a ansiedade.
            Assim tal como o clima, não conseguimos controlar o que nos surge e nos pega de supetão. Nem precisamos. O erro de muita gente é acreditar que lidar com a ansiedade é se livrar dela como se isso fosse possível. Jamais nos livramos do que sentimos, assim como não nos livramos das intempéries do tempo. Está além do nosso alcance. Porém, há muitas coisas que podemos fazer para nos preservar.
            Contra a fúria da natureza climática podemos construir abrigos, mas contra a fúria da natureza da mente o que podemos fazer? Também levantar abrigos e esses são nossas mentes. A nossa mente, nossa maior riqueza e recurso, precisa ser construída. Não nascemos com uma mente pronta, mas com um potencial de mente que precisa ser elaborado. Uma mente trabalhada permite aceitar as intempéries e esperar o sol brilhar novamente. Não vai ficar tão fixada nos estragos e saberá que uma hora o tempo volta a ficar favorável.
            Para o ansioso a identificação com as nuvens carregadas é intensa e esse tempo é sem fim e que trará tantos desastres que mesmo que o tempo se abra os danos serão irremediáveis. O ansioso vive uma eterna tempestade interna e esquece que o céu azul e tranquilo continua existindo acima das nuvens escuras. Quem vive constantemente sob a égide da ansiedade transforma-se no mau tempo. Já quem não vive sempre ansioso permite-se ver que as nuvens vêm e vão, e que somos mais que elas e que a vida é maior que as adversidades.
            Isso tudo é teórico, mas é possível aprender a viver de uma maneira tranquila. Em outras palavras, é possível construir uma mente para lidarmos com as dificuldades de uma forma mais eficiente. Há varias maneiras e uma delas é a análise pessoal. Nesse encontro entre analista e analisando a mente pode ser percebida e por isso mesmo, construída. Na análise temos a chance de tomar consciência que não precisamos ficar entregues a tudo o que nos surge, mas que podemos criar mecanismos eficazes para viver melhor. É um processo que demanda tempo e paciência. É artesanal e exige que sejamos artistas de nós mesmos. É uma jornada íntima e pessoal.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Pergunta de Leitor - Caminhar para Achar o Caminho




Tenho 28 anos e por muito tempo na minha vida eu quis ser padre. O que sempre me motivou a ser padre foi virar santo. Sei que isso soa vaidade, mas foi assim. No entanto, hoje eu não sou padre, mas ainda fico em dúvida de que caminho seguir e o tempo está passando. Esperei sempre que Deus viesse falar comigo, que me desse um sinal do que era para eu fazer. Nunca recebi sinal nenhum. Acredito firmemente em Deus, mas me sinto perdido. Não sei o que ele quer para mim. Não sei o que ele quer que eu faça. Não sei se devo me apaixonar por uma garota e levar uma vida leiga ou criar coragem e entrar de vez em um seminário. Conversando com vários padres muitos me disseram que eu deveria entrar para um seminário. Mas quando penso em entrar em um eu sempre me imagino que tenha que virar um santo. A verdade é que eu estou perdido.

            Decidir a própria vida não é mesmo tarefa fácil e demanda boa dose de pensamento para fazer uma boa escolha. Boa escolha, nesse caso, implica aquela que faz você se sentir bem e realizado. Para isso o autoconhecimento é de grande ajuda. A gente só pode fazer uma boa escolha quando a gente sabe sobre nós mesmos. Parece que você sabe muito pouco de si.
            Se seu interesse por ser padre é se tornar santo não é um bom motivo para seguir em frente. Como você mesmo percebeu isso tem mais relação com sua vaidade do que com a verdade do sacerdócio. E ademais, o que é ser santo? A mãe que se esfalfa o dia inteiro para poder pôr comida na mesa da família é uma santa. O pai que faz das tripas o coração para dar uma vida decente à sua família é outro santo. O profissional que se dedica religiosamente e com grande reverência à sua profissão também pode ser considerado um santo. Santo não é só aquele que figura numa lista do Vaticano, mas todos aqueles que batalham por suas vidas e a dos seus amados. O conceito de santidade é muito mais amplo do que você imagina.
            Você aspirar à santidade tem a ver com sua imaginação infantil.  A criança deseja ser um herói, uma figura de destaque. A vida real é mais simples, porém muito mais verdadeira. Você pode ser alguém e não precisa de ilusões para isso. Esse alguém é ser você mesmo e não um personagem. Hoje você parece muito mais apegado aos personagens da sua imaginação do que a pessoa que você pode se descobrir na realidade. Com certeza isso não lhe faz andar no bom caminho.
            O bom caminho não é aquele que é ditado por uma pessoa de fora ou por uma instituição, mas aquele que a pessoa descobre por si mesma. Você esperava que Deus viesse falar com você para te mostrar o caminho. Queria que ele indicasse a direção e com isso você se infantiliza. A sua fé e crença é típica da criança que espera que outros pensem e resolvam as coisas por ela. Ninguém poderá pensar por você porque ninguém pagará o preço da sua vida e das suas escolhas. É hora de crescer e assumir as responsabilidades que até agora você vem evitando. Para saber o caminho é preciso andar e viver a experiência. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O Lado Mau




            Assisti um vídeo de arrepiar, que estava nas redes sociais e que me foi enviado por uma pessoa pedindo para eu falar algo sobre isso, que mostra como a crueldade (agressividade sem contenção) é algo que escancara o que há de pior no ser humano. Neste vídeo aparece um homem que amarrou um gato pelo pescoço e vai jogando-o para seu cachorro pitbull para que este o estraçalhe. O homem não demonstrou o menor constrangimento, pelo contrário, pareceu até mesmo estar gostando do que ocorria. Foi tão cruel a cena que faz pensar como um ser (porque ser humano não é) pode chegar a esse ponto.
            A agressividade está presente em todos nós. Em alguns mais e em outros menos, mas a agressividade não é nem boa e nem má. Ela é apenas uma energia, algo que nos mobiliza, porém o que faz diferença é como essa agressividade será atuada. É a maneira que se a vive que importa. Por exemplo, uma pessoa pode usar da sua pulsão agressiva para ser persistente em algum determinado esporte e profissão e com isso estará vivendo a energia agressiva de uma forma positiva. Neste caso a pessoa utiliza a agressividade para transformação em algo bom e que seja útil para o desenvolvimento e um bem maior. Essa agressividade encontra contenção que é como uma fronteira que delimita até onde pode se ir. Sem essa barreira da contenção a gente ultrapassa o que não se pode e torna-se perverso.
            A perversão se caracteriza pela negação dos limites. Em outras palavras, para o perverso tudo se pode. Respeitar o próximo, seja gente, animal ou até mesmo um objeto, impõe um limite, uma fronteira. Quando fronteiras são negadas há um convite para a transgressão que gera certa dose de prazer de achar que se pode tudo ou de que a única coisa que importa é o próprio prazer. O perverso só se importa com o prazer que é a única coisa que conhece. Agora, uma pessoa que vive deste jeito, só à procura do prazer custe o que for, é alguém doente e em muitos casos simplesmente um criminoso.
            Uma pessoa só pode tornar-se humana quando reconhece que há fronteiras, que há limites que impedem a pior parte das nossas pulsões de se realizarem. Freud dizia que sem repressão não poderia haver civilização. A contenção dos impulsos agressivos é uma forma de repressão, mas que beneficia o desenvolvimento. Afinal, há repressões e repressões e nem todas são prejudiciais. Até mesmo a educação que damos a uma criança tem doses de repressão, porque lhe mostra que se faz necessário desenvolver contenção. Claro que repressão em excesso faz mal. Seria apenas outra forma de violência. Como é difícil andar no meio, de forma equilibrada. Porém, nunca foi tão necessário quanto agora, neste mundo, aprender a se equilibrar.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Pergunta de Leitor - No Pedestal




Faço de tudo pela minha mulher. Praticamente me anulo. Faço tudo que ela quer e pede e antes mesmo dela terminar a frase eu já estou fazendo. Mas ela não está mais afim de mim. Eu sinto isso, que ela está se afastando. Eu tento entender o porquê isso está acontecendo. Não sei mais o que fazer. Estou desesperado. Já abandonei tudo por ela e já deixei um monte de coisas importantes por ela. Meu trabalho por exemplo, quando mudei de cidade para ficar com ela tive que abandonar. E mesmo assim nunca é o suficiente para ela.

            Você praticamente se anula, de acordo com suas palavras. O que será que isso quer dizer? Que posição é essa que você ocupa nesse relacionamento e por que está assim? Alguém se anular pelo outro não é mérito nenhum, pelo contrário, é algo que só traz sofrimento sem serventia. Sacrifício sem mérito é o mesmo que chover no molhado, ou seja, é estéril.
            Pelo o que você escreve você abandonou muitas coisas da sua vida e espera que por isso sua mulher te coloque num pedestal. Afinal, você deve pensar, um sujeito tão desprendido, tão dedicado e altruísta merece reconhecimento e que a mulher pule apaixonada no seu pescoço, enchendo-o de beijos ardentes. As coisas, infelizmente para você, não funcionam assim.
            Primeiro: por que você precisou abrir mão de tudo na sua vida? O que significa todo esse movimento de abnegação? Segundo: por que nesse relacionamento você precisa se anular e se colocar numa posição tão inferior? E por fim terceiro: por que você fica preso a esse desejo imperativo de agradá-la a todo custo, sem nem deixa-la terminar uma frase? E essas perguntas são apenas o começo para você começar a entender o que lhe passa. Enquanto não conseguir respondê-las vai ficar perdido na escuridão.
            Agora, dá para entender porque sua mulher vem perdendo o interesse. Como ela pode se interessar por você se a única coisa que, aparentemente, te mobiliza é servi-la? Seria o mesmo que se apaixonar pelo mordomo particular, que está prestando um serviço e não por um homem que deveria ser o companheiro. E outra coisa: se você se anula e se inferioriza como quer que ela goste de você? É difícil gostar de quem não se gosta. A posição que você vem ocupando está servindo mais para afastá-la do que aproximá-la. Está na hora de você rever a maneira que vem vivendo e se relacionando com ela e principalmente consigo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Movimento e Manifestação



            É interessante ver como há inúmeras passeatas contra a violência, contra as drogas, contra isso ou aquilo e há poucos movimentos A FAVOR de um determinado tema. Só que essa movimentação contra alguma coisa está mais a serviço de uma projeção do ódio que se sente do que a serviço da construção de algo que seja produtivo. Muitas pessoas não sabem como se manifestar com eficiência porque em suas mentes também elas não estão eficientes.
            Ser contra alguma coisa e ficar apenas nisso é manifestação de ódio e este vem do sentimento de medo. Quando há um movimento contra a violência, por exemplo, é porque os níveis desta ultrapassaram muito a civilidade e nos deixam aterrorizados e vulneráveis. Quando sentimos medo surge a raiva daquilo que nos amedrontou e passamos então a querer atacar aquilo  que nos causou tanto temor. O ódio é um ataque àquilo que nos causa medo. Mas ficar apenas com ódio não ajuda nada e nem modifica o que nos assustou.
            Quando reconhecemos o ódio é preciso ir além e descobrir ou criar meios para não ficar mais identificado com aquilo que nos deixou com medo. A violência assusta de fato, mas de nada vale ser contra a violência se não tomamos um rumo que permita ser a favor da paz. Ser a favor de algo é descobrir e criar o que de fato queremos e podemos viver. Ser a favor é muito mais construtivo e eficaz. Quando somos a favor da paz podemos então nos perguntar o que é a paz e ir em busca dela, tornando mais fácil entender o que precisamos para poder tê-la, bem como compreender o que vem nos impedindo de vivê-la.
            É preciso saber o que fazer com o que sentimos. Não só para que muitos movimentos sociais possam começar a ter resultados como também para podermos viver melhor nossas vidas pessoais. Ao saber o que na nossa vida somos a favor podemos ser bem mais eficientes, já que deixaremos de lado o apego ao ódio e passaremos a ser mais construtivos e amorosos. Em vez de sermos contra algo em nossas vidas mentais, que tal se formos a favor daquilo que de fato nos fará bem e nos permitirá crescer? 

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Pergunta de Leitora - Excessos




Tenho um filho pequeno e que amo muito. Ele tem 7 anos e morro de medo que algo lhe aconteça. Ele é tudo na minha vida e só de pensar que algo ruim pudesse lhe acontecer eu fico em pânico. É tanto amor que chega a doer. Ele hoje está obeso, bem acima do que o médico pediatra recomenda, mas eu prefiro que ele fique mais forte do que fraco. Minhas irmãs acham que eu o estou estragando e o mimando, mas elas nunca tiveram filhos, então não sabem o que se passa no coração de uma mãe. Mesmo assim eu penso que o medo que tenho de meu filho se machucar ou coisa pior está aumentando e me tirando o sono. Não sei mais o que fazer a esse respeito. O que pode me dizer?

            É mais que natural que uma mãe fique preocupada com o bem estar de seu filho. Afinal, essa preocupação faz parte da função materna e é justamente esta que permite que o filho se desenvolva com segurança e cuidado. O problema, entretanto, está quando a preocupação passa a ser excessiva. Ela deixa, então, de ser preocupação e passa a ser uma obsessão. E obsessão tem mais a ver com angústias do que de fato com amor.
            O que se faz necessário é que você entenda o que quer dizer com “é tanto amor que chega a doer”. Amor não deve ser uma constante preocupação e mesmo que o amor também tenha um lado que pode ser bastante doloroso ele não deve ter a dor como condição. Provavelmente você fala de outra coisa, de outro sentimento e não de amor. Com isso, é claro, não quer dizer que você não ame o seu filho, apenas que algo mais vem se misturando ao seu amor.
            Quando algo nocivo se mistura ao amor pode provocar uma deturpação. Torna-se um amor que perde as suas características e vira um controle sobre o objeto, ou seja, seu filho ao invés de ser amado passa a ser controlado. A obesidade dele, por exemplo, pode ser fruto desse controle seu. Isso é prejudicial, pois transforma algo bom que deveria ser o amor em algo pesado e complicado. Quando você diz que “ele é tudo na sua vida” você coloca nele um peso enorme e que pode propiciar futuramente nele um sentimento de culpa em relação a você. Como isso poderia ser bom? Ao contrário, isso é receita para infelicidade.
            Outra coisa também bem importante você investigar é que representação esse filho tem para você. Digo isso porque pela maneira que você fala dele e se coloca, ele tem uma representação simbólica que ultrapassa a de filho, como se ele te servisse para compensar alguma falta ou carência. Filhos não servem e jamais devem ser usados para suprir o que os pais sentem falta. Fazer isso é um exercício egoísta que nada tem a ver com amor, mas com narcisismo. Se sua relação com seu filho for narcísica você o prejudica e muito! E lembre-se, ser forte e ser obeso não são sinônimos, são bem distintos. Que tal rever alguns pensamentos?

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Análise de Filme - Ele está de volta



            No filme alemão Ele está de volta (Er Ist Wieder Da, 2015) temos uma "comédia" onde Hitler aparece na Berlim atual pronto para dominar e impor a sua ideologia. Há alguns momentos realmente hilariantes no filme, mas conforme o enredo prossegue vai se tornando outra coisa que não mais comédia, porém um alerta para todos nós em qualquer lugar do mundo. O filme vestiu-se de comédia para em dado momento dar as caras: mostrar o quanto a ideologia cega, seja de qualquer cor ou forma, é perigosa e muitas vezes letal.
            O roteiro trata de Hitler no mundo atual, cheio de novas tecnologias e formas de comunicação. Se antes havia rádios ou filmes que o ditador usava para transmitir suas ideias deturpadas e seduzir o público, agora há grandes canais de televisão, imensos jornais e a poderosa internet. Hitler não precisaria se contentar com apenas um império limitado, mas com todo o planeta. O filme não esclarece como o führer surgiu nos tempos atuais. Máquina do tempo? Portais espaciais? Física quântica? Artimanha do diabo? Na verdade, isso pouco importa porque não é Hitler, personagem histórico, mas é o Hitler que em todos os tempos e em todos os lugares são criados e ascendem ao poder.
            Infelizmente “hitlers” sempre estiveram aqui. Seja um líder religioso cheio de discurso de ódio, um partido político repleto de ideologias nocivas e enganadoras, um executivo nas empresas que manipula, corrompe e abusa, um profissional da saúde que tira vantagem dos pacientes ou qualquer um que em sua casa prega o preconceito e a arrogante certeza de que é melhor que os outros. Há ditadores por todos os lados e cada um deles cego por suas ideias altamente valorizadas.
            Lidar com o ódio que existe dentro de nós não é brincadeira. É trabalho sério e mais que necessário. Combater Hitler hoje em dia é mais que combater e lutar contra alguém lá fora, contudo é olhar para dentro e aprender a lidar com tudo aquilo que há de mais destrutivo internamente. E se pensamos que “eu estou muito bem resolvido e não tenho nada disso dentro de mim, mas são os outros” deveríamos reconsiderar. Um Hitler só torna-se poderoso quando o Hitler interno de cada um autoriza isso acontecer. Como está e o que vem fazendo o seu Hitler aí dentro?

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Pergunta de Leitora - A Mãe Presente




Meu pai matou minha mãe quando eu era criança e desde meus 5 anos vivi privada da minha mãe. Hoje tenho 26 e estudei, tenho uma profissão e vivo bem. Meu pai está para sair da prisão e me escreveu que quer se encontrar comigo. Fui criada pelos meus avós maternos e nunca tive contato nem com meu pai nem com seus parentes. Me sinto uma verdadeira estrangeira com eles. Dou aulas de inglês e já fiz intercâmbio para aprimorar meu inglês e fiquei hospedada em casa de família. Nem no exterior me senti tão estrangeira quanto me sinto em relação ao meu pai e a família dele. Algumas pessoas dizem que devo dar uma chance a ele, que ele pode ter se redimido e tal, mas tenho dúvidas. Ele nunca me escreveu e pelo que sei jamais se importou comigo. Ele matou minha mãe por que ela decidiu se separar dele já que não conseguia mais viver a vida que ele levava. De roubos e de venda de drogas. Não sei o que fazer, só sei que sinto medo desse pai e aversão. Pode me ajudar?

            Que história triste! A mãe lhe foi roubada cedo e de forma trágica. Ficou sem a mãe porque esta resolveu dar um basta na relação com seu pai. Não suportava mais a vida que levava e ousou seguir adiante com sua resolução de separação. O preço foi alto demais.
            Apesar de ter perdido a mãe ela lhe deixou um presente. O presente de não ter se submetido a uma situação destrutiva para ela e para você. Ela arriscou cuidar do próprio desejo pedindo a separação, porém a violência do seu pai, que burlava a lei legal e com certeza burlava também a lei do respeito ao próximo, fez o que sempre fazia: transgredia. O seu pai obedece à lógica perversa que nega os limites e acha que tudo pode.
            Hoje ele está para sair da prisão e quer um reencontro que você não deseja e teme. Também pudera! Com essa história seria muito difícil ser diferente. O que ele quer não sabemos, mas está no seu direito tanto se encontrar com ele como dispensar esse encontro. Qualquer que seja a sua decisão o mais importante é que ela seja tomada com você livre e não submetida a nenhum imperativo. Ninguém pode dizer o que você deve ou não fazer. O que mais necessita é de apoio para a sua decisão e você deve buscar esse apoio de quem você confia: de familiares, amigos e até jurídico se necessário Talvez sua mãe não tivesse tido apoio quando ela decidiu pela separação.
            Só que a história da sua mãe já aconteceu e não é esta a sua história. A sua é outra que está sendo escrita à medida que você se reconhece e se reconstrói. À medida que pode até mesmo viajar longe para descobrir o que significa ser de fato família e compreender o que é ser estrangeira. Seu pai lhe tirou a mãe física, mas a sua mãe vive dentro de você e esta ninguém pode lhe roubar. Sua mãe não morreu em vão.