sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Pergunta de Leitora - Vivendo na Dor


Queria uma dica para não ficar completamente infeliz com os problemas alheios.
Fico inconformada com situações como a do filho do produtor do curta (segue abaixo) que ficou sem oxigênio ainda no ventre. Foi um acidente. Ninguém teve culpa, mas fico inconformada. Inconformada por dias e dias e dias. Isso me atrapalha muito. Aqui no metrô tem muita criança com paralisia cerebral ou Down circulando.  Fico sempre muito, muito angustiada quando os encontro. E sempre os encontro. Quando o menino Bernardo foi assassinado precisei de mais de dois meses para me conformar. E nem conhecia o garoto e ficava pensando comigo ( e infelizmente ainda penso) por que ele não tinha nascido na minha casa, e por que as pessoas do entorno não conseguiram perceber que precisavam ter tomado uma atitude. Pensamentos completamente inúteis, haja vista a desgraça já ter acontecido. Inconformada por um menino tão lindo ser tão desamparado por um pai que tinha cultura , mas amor nenhum. Agora, inconformada com o repórter americano sequestrado desde 2012 e decapitado pelo IE. Inconformada por Gaza.
Sylvio, eu não aguento mais não conseguir conter a minha tristeza com fatos que fogem completamente do meu controle. Gostaria de uma dica para não permitir meu pensamento sobre questões que não me levam a nada a não ser à tristeza.
Então, me refiro àquela leitora que te perguntou " Como podemos ser felizes com tanta agressão e loucura no entorno?” É realmente muito difícil. O mundo é bonito, o amor é lindo, o abraço dos meus filhos não têm preço, amo o meu marido e estou bem resolvida, mas não consigo parar de me afligir. Esse é o ponto. Ter empatia é bom, mas dessa forma está me atrapalhando. Se tiver uma dica para enganar o cérebro, eu quero.

            Você não consegue parar de se afligir e fica dias e dias inconformada com o que sabe que não te levará a lugar nenhum. Pede por uma resposta, uma dica, uma maneira, enfim algo que te ajude a enganar o seu cérebro, ou seja, algo que tem por fim tirar a sua angústia e sofrimento. Não é dos fatos externos que você está falando, mas do que lhe acontece internamente. Você está inconformada é com a maneira que você funciona. O que será que isso tudo pode dizer de você?
            O menino Bernardo, as crianças com paralisias e deficiências, o repórter decapitado, as pessoas na Faixa de Gaza despertam em você uma angústia que é difícil de tolerar: a impotência. Na vida nem tudo podemos e há coisas que estão completamente fora do nosso alcance. Em outras palavras, somos impotentes e essa impotência faz parte da nossa natureza. O que lhe parece ocorrer é que você não aceita o quão impotente você pode ser. Você briga com isso e se revolta criando um impasse em sua vida. Muitas vezes somos chamados apenas para aceitar a vida com todos os seus percalços e nada mais além disso. Porém, você não quer aceitar a vida.
            Aceitar a vida implica também aceitar o sofrimento e o sentimento de impotência. A vida não é como desejamos ou achamos que tem que ser, ela é como é. Agora, se você aceitar que o sofrimento e dor fazem parte da vida, que é natural, você aprenderá a acolher e valorizar o que tem de bom a sua volta. Se você aceita a vida e isso só pode se dar de maneira integral, com as coisas boas e más, você poderá se permitir ser feliz e vivenciar tudo o que é bom, porque entenderá que não há tempo a perder e que por dispor de tão pouco tempo não irá desperdiça-lo se angustiando, mas vivendo. Hoje você não se permite ser feliz porque não aceita que a vida também traz sofrimentos.
            Viver bem, então, não é ser indiferente com o que se sucede ao redor, mas é saber sobre o que se pode fazer, em melhorar o que estiver ao nosso alcance, mas também aceitar os limites. Quando aceitamos a realidade da nossa natureza descobrimos que podemos fazer muito mais do que acreditávamos antes, mas de uma forma real e verdadeira e não como imaginávamos que tinha que ser. Você precisa abrir mão da ilusão. É difícil, porém abrindo mão da ilusão nos permitimos crescer e aprender com a vida ao invés de a temermos. Procure ajuda de um bom analista que consiga ouvir as sua dores e te mostre que você pode cuidar delas de uma maneira mais eficiente. Leia também O que é o budismo? da Coleção Primeiros Passos que mostra que quando aceitamos o sofrimento com dignidade este passa a não ser mais sofrimento porque o aceitaremos e saberemos que ele não é uma perseguição do destino, mas algo que faz parte. Tenha uma boa caminhada de aprendizagens.

P.S. Obrigado pelo curta que me enviou e que segue abaixo para os leitores assistirem. Mostra muito bem que mesmo nos momentos mais difíceis e dolorosos podemos aprender muita coisa e mudar a nós mesmos e quando mudamos a nós mesmos mudamos o mundo. Mudar a si mesmo já está de muito bom tamanho.


segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Um Ato de Coragem


O pior inimigo da sabedoria não é o não saber, mas a ilusão da sabedoria. (Stephen Hawking)

            Admitir o próprio não saber é bem mais difícil do que em princípio parece. Porque essa posição nos coloca em falta e não gostamos nada de estar em falta, tanto que procuramos muitas coisas para colocar no lugar mesmo que essas coisas não nos sejam verdadeiras e nem acrescentem nada. Tendemos a tampar o sentimento de falta e nessa atitude podemos errar feio e nos prejudicar.
            E com o quê costumamos esconder o sentimento de falta? Com a ilusão é claro. A ilusão, que nesse caso é a arrogância, é o falso sentimento de que nada falta, de que estamos completamente preenchidos. Isso é perigoso porque causa um engano e impede um verdadeiro saber ser criado. O arrogante vive na ilusão de que já sabe tudo, de que pode tudo e passa a adotar uma posição muito cruel para com ele mesmo e para com os outros. Quem se considera sabendo tudo e podendo tudo julga e se aprisiona aos preconceitos, o que termina por ser crueldade. Ele age assim pois teme se ver na posição de não saber, então rapidamente profere uma sentença  que lhe dá a falsa sensação de estar de posse de algum saber, mesmo que essa sentença seja prejudicial.
            Outro problema da ilusão da sabedoria, ou seja, da arrogância é que ela impede um verdadeiro desenvolvimento. Quem acredita já tudo possuir não vê razão para ir em busca de nada, não abre espaço dentro de si para que algo possa ser acolhido e vir a gerar novos conhecimentos. A mente de quem faz uso da arrogância fica estéril, nada novo brota e cresce. A pessoa fica empacada no seu desenvolvimento e a vida fica cada vez mais sem graça já que o que traz encantos para a vida é o viver coisas novas. A arrogância, essa ilusão tão perigosa e limitadora, é um dos maiores entraves a vida que podemos encontrar.
            Já o estado do não saber carrega dentro de si uma possibilidade e uma potencialidade, pois quem não sabe vai atrás de saber e nesse movimento um novo saber pode ser construído. Quem ousa trilhar a estrada do não saber tem a chance de encontrar no caminho elementos novos que quando acolhidos se transformam e mudam a vida. O não saber passa a ser o saber. Entretanto, para que esse processo ocorra é necessário coragem para admitir o não saber e com o tempo ir construindo algo verdadeiro para colocar no lugar do não saber. Para se desenvolver e se autoconhecer é sempre preciso um ato de coragem. 

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Pergunta de Leitora - Alerta Urgente


Moro na cidade de São Paulo e descobri seu blog e me veio uma urgência imediata e inexplicável de lhe fazer uma pergunta e ser rapidamente respondida. Tenho 25 anos e trabalho com fonoaudiologia, sou solteira e tive poucas experiências amorosas na vida. Faço terapia com um psicólogo há mais ou menos um ano e eu me apaixonei por ele. Perdidamente. Teve uma sessão que eu contei dessa paixão por ele e que eu imaginava nós dois juntos passeando e vivendo juntos. Ele não falou nada, mas depois dessa sessão ele mudou comigo. Na ultima sessão ele se levantou e se deitou ao meu lado no divã, sem dizer nada. Fiquei paralisada e não sabia o que fazer. Ele depois de um tempo se virou para o lado e me beijou, mas eu não gostei disso. Ele falou que devíamos passar para outro tipo de tratamento. Não sei mais o que fazer. Saí muda e gelada da clinica dele. Por favor responda meu email o mais rápido possível porque estou desesperada.

            Eu também sairia gelado e acrescentaria muito bravo desse consultório caso isso acontecesse comigo. Isso aliás é crime, pois é um abuso não só apenas pelo código de ética da psicologia como também um abuso emocional que se pratica com o paciente. Aqui neste blog não digo jamais o que alguém deve fazer, pois cabe a cada um descobrir o que lhe convém e faz sentido, porém sou obrigado a lhe dizer, por questões humanas e profissionais, que você deve correr dessa clínica de loucuras o mais longe possível. Porque o que lhe aconteceu não é coisa que pode acontecer!
            É natural que um paciente se apaixone por seu terapeuta. Isso acontece com muita frequência aliás. No seu caso levanto a hipótese e é apenas uma hipótese que sua paixão por ele era como uma maneira de aprender a lidar com seus sentimentos. Como você mesma disse teve poucas experiências amorosas e estar com um homem te ouvindo e lhe dando atenção fez com que você se apaixonasse. Nada demais nisso tudo e nada demais também ao falar isso para o seu terapeuta. Ao psicoterapeuta cabe acolher com muito respeito e cuidado essas emoções para que elas possam ser trabalhadas e você ter um conhecimento maior de si mesma.
            Quando essas emoções são trabalhadas adequadamente lhe permite que você entenda que no fundo nunca foi pelo psicoterapeuta a sua paixão. Ele apenas serviu como um depositário dessas emoções para que você pudesse se reorganizar internamente para depois se relacionar na sua vida com alguém que de fato você pudesse viver uma relação amorosa. O psicoterapeuta TEM que saber disso e aceitar isso e se há problemas nessa área é porque está faltando análise pessoal que ele precisa procurar. Daí a importância dos psicoterapeutas serem analisados. Caso contrário ele pode se confundir ou se perverter e achar que pode assumir um papel que não lhe pertence.
            Algo dentro de você soou um alerta urgente tanto que me pediu desesperadamente que te respondesse o mais rápido possível. Você se sentiu mal com o que lhe aconteceu porque intuiu que essa atitude dele era loucura total e que você estava sendo colocada em perigo. Isso é um bom sinal de autopreservação. A relação psicoterapêutica é e deve ser íntima, mas isso não implica a intimidade da relação sexual. Deve ser um espaço onde você se sinta segura para viver o que precisa, sem temer um abuso. O psicoterapeuta tem o dever de ser digno e respeitoso com quem atende. Não perca mais tempo e procure alguém que possa realmente te ajudar e ser de verdade um profissional. 

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Ouvidos Moucos


            O psicanalista francês Lacan dizia com muita freqüência sobre a importância de se saber fazer ouvidos moucos. Mouco é outro sinônimo para surdo. De fato é uma sábia frase essa de Lacan e que muito pode nos ajudar em várias ocasiões. Se saber fazer de surdo, certas vezes, pode ser altamente benéfico.
            É porque quem não sabe fazer ouvidos moucos em determinados momentos corre o risco de ouvir besteiras, se envolver com o que ouve e de se aborrecer com isso. Nem tudo o que ouvimos é bom. Ás vezes, muito do que nos é dito está mais a serviço da destruição do que em ser algo que seja produtivo. Se levarmos em consideração todas as críticas, sem jamais avaliar do que elas realmente se tratam, podemos ficar imóveis e nunca mais sair do lugar ou tomar qualquer posição. Se ensurdecer pode, nos momentos certos, ser a melhor coisa a fazer.
            Isso não quer dizer que os ouvidos devam se encontrar sempre fechados. Atitude essa que seria arrogância. Fazer ouvidos moucos seria, então, desenvolver a capacidade de saber avaliar bem o que se ouve. Quando é algo que pode ser levado em consideração vale a pena ouvir, já que podemos crescer muito com isso. Mas quando o que se ouve estiver a mando da crítica pura e simplesmente negativa deve ser rapidamente descartado.
            Circula na internet uma estória bobinha, mas bem ilustrativa da sabedoria de se fazer ouvidos moucos. Nessa estória um grupo de sapinhos resolveu apostar uma corrida. Todos começaram correndo bem, mas a platéia, formada por outros sapinhos, começou a gritar que era difícil demais, que os corredores não iam conseguir superar os obstáculos no meio do caminho e os sapinhos corredores foram se desanimando. Assim, frente aos novos obstáculos que se apresentavam mais e mais sapinhos foram desistindo de continuar em frente. Apenas um resistiu e persistiu e por fim ganhou a corrida. Quando perguntado como fez para combater as palavras de desânimo jogadas pela platéia foi descoberto que esse sapinho era surdo e que portanto jamais tinha sequer ouvido o que havia sido gritado. A surdez é o que o permitiu seguir em frente. Fazer ouvidos moucos é uma arte que se faz necessária.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Pergunta de Leitora - Escuridão e Luz


Sou uma pessoa consciente e realista nesse mundo de escuridão. Existe muita violência e falta de respeito. Tem corrupção para tudo que é lado, gente morrendo de fome e doente. Como é possível ser feliz nessas condições? Acho que é impossível. Como posso estar bem e sentir algum prazer se o meu próximo está mal? Será que tem possibilidades de alguém ser realmente feliz?

            Não penso que você seja tão realista assim como você diz. Creio que você seja pessimista. Ser verdadeiramente realista implica aceitar a realidade e esta tem coisas boas e más. O mundo traz tanto a possibilidade do prazer e da paz quanto o gosto amargo da dor e da injustiça. Parece-me que você não aceita o mundo e a realidade.
            Você se preocupar e se solidarizar com o próximo é louvável e digno. Isso demonstra que você é capaz de sentir empatia e que por isso mesmo consegue se colocar no lugar do outro. Não são todos que conseguem isso e que se preocupam com o que se passa com o vizinho. No entanto, você parece enxergar o mundo como um lugar tenebroso, um lugar onde só há sofrimentos e nada existindo de bom. Aí você se engana.
            O mundo pode, sim, ser um lugar hostil e cheio de coisas ruins, mas há também muita beleza e coisas boas. Será que você se coloca disponível para enxergar o que é bom? E por que você só pode ser feliz se as condições do mundo forem favoráveis? Para a felicidade existir o mundo não precisa ser o melhor dos lugares, mas basta você se permitir ver as coisas boas e aproveitá-las.
            Se você é capaz de seguir sua vida sem violência, sem desrespeito e sem transgredir seus valores você pode ser feliz e sem culpa. Será que você se sente culpada por poder ser feliz enquanto há pessoas que não o são? Se for esse o caso posso lhe dizer, sem sombra de dúvida, que permanecer num estado de pessimismo não vai ajudar a mudar nada. A visão que possui do mundo é escura e você precisa de luz. Lhe falta a iluminação que é o estado de poder ver claramente e sem empecilhos a sua própria vida. Essa iluminação só pode ser alcançada quando você conseguir entender o que é a escuridão que te habita e dissipá-la. Você precisa escolher se quer aceitar tão somente a escuridão ou se vai procurar a luz da compreensão e mudar a sua visão de mundo.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Se Ajudar


“De nada vale ajudar a quem não se ajuda” (Confúcio)

            Confúcio, filósofo e pensador da Antiga China, era direto em seus pensamentos. Viveu cinco séculos A.C. e fez uma releitura da religiosidade de seus ancestrais. O pensamento, na época, estava meio que perdido em variados desdobramentos o que levava mais à confusão do que ao esclarecimento. Confúcio, com seu alto senso prático, acabou por mudar isso mostrando que o pensamento só é útil quando pode ser vivido na experiência. Com a frase acima, o pensador consegue, de maneira prática, mostrar uma verdade que muitos relutam em enxergar.
            É muito comum encontrar pessoas que querem ajudar outros com tanta intensidade e não percebem e nem se perguntam se a pessoa objeto de ajuda quer mesmo se ajudar. Ninguém tem o “poder” de modificar a vida do outro. Acreditar nisso é se apegar à onipotência. Não que o ato de ajudar não seja bom para o outro ou transformador. Com certeza é, mas apenas para aqueles que se ajudam e que não esperam por milagres. Quem ajuda a si mesmo se coloca disponível para se transformar e é isso que faz toda a diferença.
            Quem não se permite se ajudar é porque está apegado a uma determinada posição e com essa atitude não se disponibiliza a mudar, o que torna a ajuda alheia que recebe algo infrutífero. Quando alguém não se faz disponível para se transformar e modificar a forma que pensa e age, fica imobilizado e se repete. A repetição é uma das piores coisas que podem acontecer na vida de qualquer um, já que a vida requer constantes revisões e transformações. Qualquer ajuda que uma pessoa nessa posição recebe é nula, pois não encontra, internamente, um terreno onde possa germinar e trazer algo novo. Quem não se ajuda compromete “seu terreno interno” e o torna estéril.
            Agora, quando alguém se ajuda e se coloca disponível para aprender é tal qual um tesouro. A ajuda, nesses casos, pode fazer toda a diferença na vida. Ajudar uma pessoa que se ajuda é enriquecer vidas e por consequência o mundo. Ajudar quem não se ajuda é desperdiçar algo precioso num campo estéril. Confúcio, em sua grande sabedoria e praticidade, percebeu que a ajuda em si não tem necessariamente valor, mas o que realmente importa é o que cada pessoa vai fazer com a ajuda que porventura recebe. O que cada um faz consigo é que tem verdadeiramente poder. 

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Pergunta de Leitora - Desunião


Tenho 58 anos e sou mãe de um filho que já é casado. No almoço de páscoa ele e meu marido tiveram uma violenta discussão e meu filho foi embora e desde então não fala nem comigo e nem com o pai. Meu marido já pediu desculpas e reconheceu que parte do erro dessa discussão estava com ele mesmo, mas meu filho está irredutível em falar conosco e voltar a bons termos. Ele nos culpa por tudo de ruim que acontece a ele dizendo que seria melhor não ter nascido e que eu deveria tê-lo abortado. Antes dessa discussão tínhamos uma família feliz e unida, mas agora parece que tudo foi por água abaixo. Não sei o que fazer, mas sinto que preciso fazer algo, mas o que?

            Como uma discussão, por mais terrível que seja, pode desunir tão rapidamente o que antes se encontrava unido e bem? Nenhum bom relacionamento pode ser destruído através de uma única discussão. O que me parece é que já havia um sentimento de ressentimento permeando a relação familiar e que no almoço apenas explodiu e se revelou. A discussão foi a gota d’água e não a origem do desentendimento.
            Provavelmente essa discussão não foi por um tema atual, mas por muitas coisas que provocaram ressentimentos ao longo da vida e que nunca puderam ser devidamente elaborados. Foram se acumulando no decorrer dos anos até que por fim não deu mais para suportar e terminou por se transformar numa violenta discussão e impasse entre o filho e os pais. Saber disso pode te possibilitar a entender melhor os sentimentos que realmente provocaram esse impasse entre vocês.
            Seu filho já é adulto e casado, mas se comporta como um adolescente. É típico do comportamento adolescente projetar todas as suas frustrações em outrem e se eximir de qualquer responsabilidade. Só que isso revela imaturidade emocional mostrando que seu filho é adulto no tempo cronológico, mas não no tempo emocional. Fica irredutível e teima em ficar na posição de vítima incompreendida, enquanto os pais ficam na posição de carrasco. É provável que seja assim que ele sinta a situação toda, o que exige de você bastante tato para lidar com isso.
            Nesses casos o melhor remédio é o tempo e a paciência. Não adianta forçar um entendimento ao se filho, isso só te afastará dele e o levará a desconfiar de você. Nesse momento ele não quer se abrir com você. A única coisa a fazer é você sempre se fazer disponível para o seu filho e aceitar isso tudo que está acontecendo, ser paciente e esperar que o tempo coloque vocês todos numa possibilidade de virem a resolver os problemas como adultos. Mostrar amabilidade e gentileza com ele quando se falarem, mas sem forçar nada mais. O tempo poderá, talvez, trazer uma cura bem como uma nova possibilidade de relacionamento, mas para isso todos precisarão ser adultos de fato.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Sabedoria


“Compreender que há outros pontos de vista é o início da sabedoria”
(Joseph Campbell)

            A certeza é um conceito perigoso. Isso acontece porque a certeza leva à arrogância e ao fanatismo que, por sua vez, acabam por trazer cegueira. Quando nos apegamos ferreamente a uma ideia de maneira arrogante nos fechamos a qualquer outro ponto de vista e tendemos a julgar. Porém, atitudes assim só criam ignorância e intolerância e afastam cada vez mais a possibilidade da sabedoria vir a se desenvolver.
            Seja nas religiões, na política, no esporte ou na vida pessoal de cada um existem vários pontos de vistas e que, geralmente, são contraditórios. Ainda bem, pois a variedade enriquece a vida e a cultura. O que de pior que poderia haver é uma unanimidade. Contudo a variedade incomoda aqueles que temem aquilo que não são capazes de entendê-la. Por existir tantos pontos de vista de diferentes tonalidades fica impossível entendermos todos, mas ninguém precisa entender tudo. Talvez somos mesmo chamados a não entender, mas a aceitar as diferenças.
            O ser humano não se dá bem com aquilo que não entende. Daí nascem os preconceitos (pré-conceitos) e a tendência a julgar e a condenar, que apenas servem para estabelecer diferenças entre o isso sou eu e aquilo é o estranho, o outro. A sabedoria, entretanto, implica em desapego de qualquer ideia já pré-concebida (preconceito) e a aceitação do diferente. Na sabedoria não há espaço para julgamento e condenação. Ela desconhece o que seja essas atitudes já que se firma em primeiro lugar no acolhimento e no verdadeiro pensar. Sabe e aceita que não há um só caminho nessa jornada que é nossa vida e compreende que todos os caminhos, quando criados com respeito ao próximo e a si mesmo, são verdadeiros e válidos.
            Apesar de parecer simples como é difícil viver assim. A dificuldade reside em que é muito fácil e cômodo ficar apegado ao que já se sabe. Prefere-se a certeza que já se sabe do que se abrir ao desconhecido. Há um ditado oriental que diz Mil monges, mil religiões. Um ditado sábio, pois entende que para cada um, determinado evento terá significados diferentes. A vida é rica demais para ser compactada em uma única maneira de ser encarada e vivida. Se cada um se propor descobrir seu caminho, mais a sabedoria poderá ter espaço nesse mundo tão carente dela e menos a ignorância e a intolerância terão força. 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Pergunta de Leitora - Lição Importante


Tenho medo de muitas coisas nesta vida. Tenho medo de perder todas as minhas economias. Tenho medo de ser assaltada e sofrer violência. Tenho medo de tomar as decisões erradas e me arrepender. Medo de perder a saúde. Medo de perder a vida. Tenho tanto medo de morrer que vc nem faz ideia. Medo de perder o emprego. Enfim, a lista de medo é infinita e não sei o que fazer a respeito disso. O que me diz dos meus medos?

            Os budistas acreditam que só podemos ser realmente felizes se formos capazes de praticar o desapego. A lição do desapego é importante, pois quem não se permite o desapego não tem espaço para evoluir e fica preso à repetição.
            Você se repete através dos seus medos e nessa repetição infinita você se impede de seguir adiante e de aprender com as experiências de vida. À primeira vista você teme perder, seja o que for, e quer evitar essa experiência de perda mesmo ao preço de ficar estagnada.
            O que lhe falta perceber é algo de natureza muito sutil. Falta-lhe compreender que nem toda perda é necessariamente algo negativo ou trágico. Se você não aceita perder nada na vida como poderá haver espaço para coisas novas? Agora, aceitar a perda não é mesmo fácil, mas se faz importante para caminhar adiante. O ato de desapego é de grande ajuda para tornar a experiência da perda tolerável.
            Saber se desapegar deve ser praticado como se tratasse de arte. Só a prática leva ao aperfeiçoamento e se despegar é tão importante assim porque a vida, querendo ou não, forçosamente vai nos trazer a perda, cedo ou tarde. Sendo assim é melhor já ir praticando. O ato supremo de perda é a própria mortalidade e o de desapego é aceitar a própria morte. Quem aceita que está fadado a morrer entende que não tem tempo a perder na vida e a aproveita melhor. Essa sábia lição foi ensinada por Buda milênios atrás. Que tal aprendê-la?