segunda-feira, 29 de agosto de 2016

O que é Psicoterapia?



            Há algum tempo ouvi um importante e famoso psicoterapeuta brasileiro afirmar que não havia mais demanda por análise longa e que os pacientes queriam coisas rápidas e que não exigiam tempo e trabalho. Isso não poderia ser mais diferente da realidade. Infelizmente, muitos terapeutas nada entendem deste trabalho e causam prejudiciais estragos. O que me parece, sobre a afirmação acima, é que esse profissional não tem condições de entender do que se trata a relação psicoterapêutica.
            Obviamente que existem pessoas que não querem trabalhar seriamente consigo próprias. Isso sempre existiu e sempre existirá. Entretanto, há também um bom número de pessoas que querem muito trabalhar e desenvolver a si mesmas. Agora, não se pode esperar que um paciente saiba conscientemente ou explicitamente a sua demanda por este tipo de trabalho. Ninguém chega nos consultórios dizendo: “Olha, preciso de um trabalho analítico e não vejo a hora de me aprofundar”. As pessoas chegam sofrendo e querendo se livrar de seus sintomas o mais rápido possível. E é aqui que entra o verdadeiro trabalho psicoterapêutico que não se importa apenas em ajudar o paciente com seus sintomas, mas a levá-lo a refletir sobre o que ele faz consigo e com a própria vida.
            De nada adianta querer se livrar do que se sente. Isso não é real e não tem como acontecer. É preciso suportar, tolerar o que se sente para que algo que está interno possa ser compreendido e se transformar. Não basta então se livrar de um sintoma, mas compreender como alguém está vivendo e se relacionando consigo e com o mundo, para que esta dada pessoa pare de se repetir e passe a encontrar maneiras mais eficientes e prazerosas de viver. Enfim, é um processo de transformação. Quando os pacientes conseguem ver isso, ou seja, veem os benefícios que se autoconhecer lhe proporcionam o que eles mais querem é um trabalho verdadeiro.
            O problema está se o psicoterapeuta consegue tolerar a relação com seu paciente. Estar com um paciente que sofre e que muitas vezes se encontra num estado de intenso desespero não é fácil. Um psicoterapeuta que não tenha tido sua própria análise pessoal não tem a menor condição para realizar esse tipo de trabalho porque não saberá se preservar da dor e das confusões que serão despertadas quando estiver com seu paciente. A tendência humana mais básica é fugir da dor e como o psicoterapeuta também é humano vai se assustar diante da dor, de si mesmo e do outro, se não tiver uma mente desenvolvida e que suporte lidar com as ansiedades para poder transformá-las.
            Já cansei de ouvir relatos que contam de terapeutas que atendem telefonemas ou mandam mensagens pessoais durante as sessões com seus pacientes, rezam com os pacientes, dizem que os problemas dos pacientes não são sérios ou graves, comparam seus pacientes com outros e por aí vai. São profissionais, se é que poderiam ser chamados assim, que não suportam a relação psicoterapêutica e enlouquecem. Um psicoterapeuta que não tem condições psíquicas de cuidar de si mesmo vai certamente fugir da relação com seus pacientes não reconhecendo a demanda do trabalho duro que se faz presente. Não vai querer, realmente, realizar um trabalho que dure o quanto for necessário para ajudar seu paciente. Um psicoterapeuta que não se cuida pira da pior maneira possível. 

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Pergunta de Leitora - Apenas o Começo




Tenho 16 anos e estou perdidamente apaixonada por um homem de 25 anos. Quando meus pais descobriram meu namoro, que então era secreto, me proibiram de continuar namorando. O que faço? Ele é o homem da minha vida e não sei viver sem ele. O pior é que ele é muito bonito e sei que há tem tantas garotas dando em cima dele que tenho medo que ele acabe por se apaixonar por outra. Meu mundo está em crise e preciso dele. Como meus pais podem ser tão insensíveis ao meu amor?! Eles querem destruir a minha felicidade. O que faço? Estou desesperada.

            Aos dezesseis anos os problemas são sentidos em toda a sua intensidade e violência. A falta de experiência faz com que as paixões sejam fulminantes e dominadoras; e acabam por passar por cima da capacidade de pensar. O melhor a se fazer nesses momentos é conhecer mais profundamente o que se sente para poder realmente pensar.
            Não sei se os seus pais estão querendo destruir a sua felicidade ou se estão preocupados com você. Essa hipótese não lhe passou pela cabeça? Afinal, um namoro como o seu, que é tão jovem, com um rapaz mais velho pode despertar muitas dúvidas. É claro que a diferença de idade não é um fator determinante no sucesso de uma relação. É plenamente possível no seu caso esse relacionamento ir muito bem, só não precisa ficar desesperada.
            É óbvio que você pode viver sem ele, mesmo que não acredite ou sinta assim agora. Até porque você sempre viveu sem ele antes. Ele não é uma necessidade imperativa na sua vida. Mas quanto a saber se ele é o homem da sua vida, isso requer tempo, paciência e experiência. Você está iniciando a sua vida amorosa e há muito mais coisas ainda para você aprender. Não encare essa experiência como traumática. Aliás, é uma ótima oportunidade para você e seu namorado irem se conhecendo com calma e descobrindo mais, um em relação ao outro.
            Nenhum namoro tem a obrigação de dar certo e isso não significa o fim do mundo. É uma experiência válida e necessária qualquer que seja o resultado de um namoro. Agora, quanto mais desespero você sentir, mais peso é colocado nessa relação e isso pode sufocar qualquer relacionamento e também pode despertar em seus pais o medo de que você esteja perdendo a cabeça. Use isso tudo como uma experiência e uma aprendizagem para a sua vida que acabou de começar e não de acabar como você agora sente.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O Mal e o Bem




            Muitas pessoas se perguntam por que é tão mais fácil fazer mal a si mesmos que o bem. Por exemplo, muitos sabem que fumar e beber exageradamente fazem mal às suas saúdes, mas mesmo assim não deixam de largar os vícios. Outros até conseguem perceber que determinadas relações são prejudiciais e destrutivas e mesmo percebendo isso não se desfazem desses relacionamentos. O que será que acontece com essas pessoas?
            O que é mais fácil e rápido, eu pergunto, pôr uma casa abaixo ou construir uma levantando-a do chão? Não é surpresa alguma saber que construir uma casa demanda muito mais tempo, esforço, recursos e conhecimento. Caso não fosse assim e ela fosse levantada de qualquer jeito essa casa teria grandes chances de não ficar em pé. Assim também é com nossa mente. Construir uma mente e uma vida é bem mais difícil e complexo do que simplesmente destruir.
            Todos os hábitos que são destrutivos são fáceis, pois não exigem esforço nenhum. Uma pessoa que bebe demasiadamente tem por um momento, quando está bebendo, certo grau de prazer. Ela se sente satisfeita e preenchida em suas carências. Porém, o preço disso, pago mais tarde, é bem prejudicial e alto. Só que parar de beber implica numa resolução mental que exige persistência e paciência. Faz com que seja necessário abrir mão desse prazer momentâneo e tão conhecido e ir em busca de coisas novas e que ainda são desconhecidas. Em outras palavras, demanda um trabalho e a nossa tendência natural é tentar evitar qualquer trabalho que possamos ter.
            Construir uma nova vida, onde hábitos prejudiciais passados sejam abandonados e novas atitudes possam ser colocadas no lugar é bem mais trabalhoso e exige tempo e tolerância para que se vá aprendendo com as experiências de vida. Se apegar àquilo que já é conhecido, mesmo que faça mal, é bem mais simples e fácil. No entanto o bem sempre vence o mal, já que se uma pessoa construir o bem dentro de si vai configurar uma construção muito mais sólida e estruturada. Quem aprende a se amar e respeitar de verdade não quer mais saber de se destruir. Vai entender de fato que tem uma responsabilidade muito grande com o que constrói dentro de si e em vez de se entregar ao que há de mais acessível vai ter forças suficientes para se empenhar numa verdadeira construção de si próprio. É mais demorado, mas vale muito a pena.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Pergunta de Leitora - Desolação




Sempre fui uma pessoa idealista e cheia de planos. Queria estudar para atuar em uma profissão que fosse fazer a diferença no mundo e ser uma pessoa plenamente realizada. O tempo foi passando e nunca me formei em nada apesar de já ter começado várias faculdades. Toda vez que começo um curso fico animada e cheia de expectativas e depois, ao longo do percurso, me desinteresso e pulo para outro curso que me parece que vai ser bem melhor para os meus planos. Até mesmo nos poucos trabalhos que tive sempre pensei que não era aquele, mas algum outro que ainda não havia descoberto. O tempo foi passando e hoje estou com 38 anos e nada fiz da minha vida. Me sinto morta por dentro e sem nada. Não sei o que fazer da minha vida.

            Seu email termina de forma bastante deprimida “sinto-me morta por dentro” mostrando que é justamente por dentro, ou seja, no seu interior, que você precisa buscar respostas para saber por que se encontra nessa situação e sair dessa desolação que hoje pauta sua vida.
            Quando você diz que queria uma profissão que fosse fazer a diferença no mundo e trazer realizações isso pode ser entendido de duas maneiras: a primeira é que você é uma pessoa conscienciosa e interessada em fazer algo bom. Já a segunda maneira tem a ver com o fato de você idealizar uma profissão mágica que venha ser a resposta para todas as suas angústias. É claro que se você se apega a uma forma de vida idealizada vai ficar mesmo frustrada.
            Talvez lhe seja interessante se questionar se você não está se deixando empurrar a vida com a barriga até que algo mágico surja e se apresente à sua frente. Será que você não está adiando a sua realização para um tempo futuro que nunca chega e abandonando o tempo presente? Se for, é um péssimo negócio, pois podemos somente viver e se realizar com o presente. Isso não quer dizer não planejar o futuro como se não houvesse amanhã, apenas quer dizer que precisamos viver o hoje, aquilo que temos em nossas mãos.
            De nada adianta pular de um curso para outro ou de um trabalho para outro porque não é fora de você que vai ser possível encontrar a realização. Esta só pode vir de dentro e exige que você empreenda um trabalho de autoconhecimento. Se a vida não está correndo do jeito que você quer, é preciso que você faça algo além de ficar esperando alguma coisa acontecer, porém não basta fazer qualquer coisa, mas fazer algo certo. Talvez para isso lhe seria útil a ajuda de um profissional que lhe ajude a pensar de forma diferente a maneira que você enxerga a sua vida e se relaciona com ela.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Batalhas




            Livros e filmes de aventuras épicas como O Senhor dos Anéis e Harry Potter fazem grande sucesso entre todos os públicos e também geram enxurradas de críticas da parte de muitos que os consideram levianos e até simplistas. Alguns críticos mais puristas dizem que essas obras não são relevantes para a literatura e prestam enorme desserviço para a educação literária de qualidade. Entretanto, essas obras são importantes porque falam de uma verdade, mas de uma verdade interna.
            Nessas aventuras sempre há forças do bem e do mal lutando para ver quem domina. As batalhas são várias e há perdas em ambos os lados. Seres mágicos e seres horripilantes se digladiam de forma letal. A horda do mal quer destruir tudo e todos, enquanto o lado do bem preza pela liberdade e o direito à vida. Nosso mundo interno, nossa mente, também tem partes que funcionam motivadas pelo desejo de destruição e partes que valorizam a vida e a construção desta. E também, como nestas histórias, vivem ferrenhas batalhas para ver quem domina.
            É evidente que esses seres mágicos e de outro mundo tanto no lado do bem quanto no do mal são representações do que temos em nosso interior. Elfos, orcs, bruxos, feitiços e magos existem de fato, mas não na realidade externa e concreta. São seres dentro de nós. São partes nossas. Sabendo disso não fica então difícil entender porque essas histórias fazem tanto sucesso. Elas servem para nos identificarmos e vermos fora de nós algo que se passa dentro. Essas histórias simbolizam muito bem as lutas que temos que dar conta em nossas mentes.
            Um grande trunfo dessas obras é mostrar que a luta nunca é algo fácil. Não basta apenas ser bom e digno para ser recompensado, mas é preciso também saber lutar, aprender com as experiências e com os erros, não se deixar desanimar e ser perseverante sempre. Ora, é assim que temos que viver e conduzir nossas vidas. Nunca deixaremos de estar lutando dentro de nós e com isso alimentar o lado bom, que nos deixa viver melhor e com maior proveito. É batalha atrás de batalha. Podemos, nessas lutas, vivenciar muitas perdas, mas também poderemos saborear os resultados que é lutar por aquilo dentro de nós que propicia a vida e o encanto por ela. Cabe a cada um decidir que lado irá buscar fortalecer dentro de si.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Pergunta de Leitor - A Difícil Condição Humana




Porque as pessoas tem tanta curiosidade pra saber do futuro, acreditando até mesmo em tarot e afins, mas ao mesmo tempo tem tanto medo de saber sobre?


            A condição humana é a do não saber. Essa condição é extremamente dolorosa e assustadora porque nos deixa vulneráveis. Não sabemos muitas coisas sobre a vida e nem temos controle sobre ela. Aceitar o estado de não saber é desconfortável e fere nosso narcisismo que insiste em nos fazer acreditar que temos, sim, controle sobre a vida. Acolher a condição humana cria uma ferida.
            Essa curiosidade de se saber o futuro através de tarô ou outros meios é uma forma de negarmos a realidade da nossa condição. Assim, “prever” o futuro mitiga um pouco a nossa angústia nos fazendo acreditar que há formas de sair de uma posição vulnerável para uma posição de quem passa a saber. Nos sentimos mais potentes, mesmo que essa potência seja falsa e ilusória. Quando nos agarramos fortemente em ilusões é porque não suportamos ser humanos.
            Além de se sentirem mais seguras as pessoas querem saber do futuro como se pudessem evitar o trabalho de ter que viver a própria vida. Elas querem a certeza da felicidade e que esta lhe será dada sem que elas tenham que realizar muito esforço. Ao mesmo tempo temem que exista um destino, algo imutável, que as prendam sempre numa situação de infelicidade. A coisa fica assim: desejam saber, mas apenas se for satisfatório. Em outras palavras, elas ficam mais vulneráveis que nunca.
            Quando alguém quer saber do seu destino se afasta da posição humana de se construir. A psicanálise chama o destino de inconsciente que é justamente aquela instância psíquica que influencia consideravelmente nossas vidas, moldando nossas escolhas, nossos relacionamentos e a maneira que nos ligamos à experiência de estar vivo. Para a psicanálise só há desenvolvimento quando a pessoa vai tornando, dentro do possível, o seu inconsciente em consciente. Assim, o sujeito passa a ser responsável pelo o que vai fazer de si mesmo. Quem conhece a si próprio escolhe melhor o que quer, se relaciona com os outros de forma mais saudável e por isso mesmo vive melhor. Só que isso só vem com um preço: o autoconhecimento.
            Quem vai atrás de cartomantes ou videntes busca se iludir com uma alucinação gostosa e agradável. Mais difícil, porém mais verdadeiro, é buscar se conhecer e construir o próprio futuro. Não é fácil se desapegar das ilusões e aceitar viver a condição humana de nunca saber, mas de só ir sabendo à medida que se vai vivendo. 

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

A Função Paterna e a Delinquência




            Em várias pesquisas feitas no Brasil e em outros países foi visto que, mais ou menos, dois terços de todos os jovens infratores e delinquentes não tinham a figura paterna presente. Dois terço é um número expressivo e que mostra que sem a função paterna muitas coisas podem desandar no decorrer do desenvolvimento das pessoas. Mas o que significa essa função paterna?
            Em primeiro lugar o que importa não é o pai em si apenas, mas a função paterna. Esta pode ser exercida por outros homens ou até por mulheres. A mesma coisa é válida para a função materna. Não é a mãe, pessoa concreta tão somente que tem valor, mas a função materna. Pai e mãe, pessoas, são extremamente importantes, apenas enquanto exercem a função parental. Não ter pai ou mãe presentes implica, então, não ter a função presente.
            Para a psicanálise a função paterna é aquela que quebra alguns enganos que vão se criando e tido como verdades ao longo do crescimento, bem como ajuda a estabelecer a internalização da lei. Sem a função paterna uma pessoa fica sem lei dentro de si e possuidor de uma ideia equivocada de si mesmo e de como o mundo funciona.
            Bem no início da vida o bebê é o centro de todas as atenções. Todos os olhares convergem para ele, para as suas gracinhas, para suas manhas e movimentos. Nem poderia ser diferente. Sem toda essa atenção o bebê teria seu desenvolvimento comprometido porque não receberia investimentos afetivos e nem seria estimulado apropriadamente. Nos primeiros anos de vida a criança pequena é tida como um pequeno rei, cujas vontades e necessidades são prontamente atendidas. Não é surpreendente que o pequeno adora essa posição e não quererá perde-la jamais. Contudo, a criança vai crescendo e ficar nessa posição de imperador não dá. Afinal a vida também apresenta, e muitas, frustrações e limitações aos nossos desejos. Entretanto, a criança só vai aprender a aceitar isso se houver contato com a função paterna.
            Neste momento o pai, ou alguém que exerça essa função introduzirá um corte nas ilusões da criança de que é um pequeno rei. A função paterna mostra que o mundo é vasto e tem outras pessoas que também têm direitos e que vão muito além da criança. Mostra também que nem todos os desejos podem ou devem ser atendidos e que alguns deles é melhor, para si mesmo e para o mundo, refrear. É nestes instantes que se forma a noção de lei e lei aqui não é no sentido jurídico, mas no sentido de que nem tudo nessa vida se pode só porque assim queremos e que na vida sempre há um preço a se pagar.
            Essa função quando bem internalizada e vivida, com firmeza, amor e delicadeza, ajuda a criança a ser um ser humano. Ela entenderá que há limites os quais não há como ultrapassar sob o risco de colocar muitas coisas em perigo e desenvolverá um sentido de respeito aos outros e a si mesmo. A lei se tornará interna e promotora de vida. O oposto, quando não há uma experiência de função paterna satisfatória deixará o sujeito entregue aos próprios impulsos e estes são primitivos e de natureza tirânica, que exigem ser atendidos prontamente, qualquer que seja o custo. Daí que se começa a delinquência. Todo delinquente não tem dentro de si a função paterna, não tem lei e apesar de não ser mais um bebê vive como se fosse um, cheio de vontades. Para eles todo ato e desejo é sentido como lícito. Sem a função paterna a civilização corre risco.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Pergunta de Leitora - Bomba Relógio




O que é amor e amar? Tenho 20 anos e meu namorado tem 29. Temos uma diferença bem grande, mas sempre achei que o amor supera essas coisas. Eu faço faculdade e muitas vezes quero sair com amigos e participar de festas, tudo junto com meu namorado, é claro. Mas ele fala que está cansado, que trabalhou demais e que isso é coisa de adolescentes. Quero sair com minhas amigas, mas ele me impede. Quero viajar, conhecer o mundo, mas ele não tem vontade. Quero mais romance e carinho, mas ele diz que eu exijo demais dele. Ele fala que eu não preciso me preocupar na vida e nem trabalhar, porque vai dar tudo o que eu quero. Ele fala que me quer só para ele. Enfim, gosto mesmo muito dele, mas será que amor é abandonar tudo o que queremos em prol da pessoa amada? Eu faço tudo o que ele quer, mas ele nada faz do que eu quero.

            Será que no amor o desejo de um pode se impor sobre a liberdade do outro? Certamente que não. É claro que por melhor que seja qualquer relação amorosa sempre haverá brigas e mal entendidos, mas daí um dos dois se impor e se tornar carcerário do outro, mostra que é qualquer outro sentimento, menos amor.
            No amor há o encontro do desejo do casal, bem como a compreensão de que sem liberdade não tem como nenhum relacionamento sobreviver. Afinal, numa relação em que predomina o amor não há espaço para controles proibitivos. Ficar presa numa gaiola, mesmo que dourada, não configura amor, apenas prisão. A pergunta, então, que se faz pertinente é: por que você escolheu um homem desses?
            A grande diferença entre vocês não é a da idade, que pode, sim, ser superada, mas a diferença entre os seus interesses na vida. O que você quer, ele desvaloriza e proíbe, tornando vocês dois pessoas bastante distintas. Um terá que dominar e outro ser dominado. Um faz enquanto o outro se submete. Seria bom você refletir em que posição você o coloca. Será a de um pai autoritário? E por que você precisaria de alguém te controlando e te proibindo? São questões que não tem como você fugir para entender o que lhe acontece.
            Agora, você se submeter ao autoritarismo dele faz você preparar para si própria uma armadilha perigosa. Faz você vestir um papel de vítima e ir com o tempo alimentando ressentimentos amargos. Quando fazemos isso conosco preparamos uma bomba relógio que certamente irá explodir e, assim, você colocará nele todas as suas frustrações e o culpará por não ter vivido como gostaria. Para não correr esse risco é melhor avaliar já esse relacionamento. Uma hipótese, e é apenas isso, é que você tenha medo de lidar com seus impulsos e de viver mais livremente a sua vida, bem como lidar com sua fome de viver e por isso coloca uma figura controladora que serve como um policial que te segura. Você tem 20 agora, por isso mesmo não se prepare nenhuma armadilha para o futuro.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Desespero e Decisões




            Quando nos encontramos desesperados, cheios de angústias, devemos evitar tomar decisões importantes e grandiosas. Isso parece óbvio já que quando estamos angustiados não conseguimos pensar com clareza e por isso mesmo tomar uma decisão importante é algo que pode levar a um erro severo. Apesar de ser óbvio, o que mais encontramos é pessoas tomando decisões nos piores momentos possíveis.
            Tomar uma decisão, quando alguém se encontra em desespero, é perigoso porque o que pode estar impulsionando os atos desta pessoa pode ter muito mais a ver com o fato de ela querer se livrar da ansiedade que sente do que estar realmente pensando sobre o que acontece. Assim, as decisões estarão a serviço do impulso, do querer se ver logo livre do que causa o desespero e não haverá verdade e genuína reflexão sobre o que se decide.
            O mais provável que ocorra quando alguém toma uma decisão em desespero é ser levado a trilhar os caminhos que pareçam mais fáceis, mas que quase nunca são bons verdadeiramente. Na angústia é muito fácil se enganar. Acolher essa ansiedade se faz vital porque quando toleramos o que sentimos podemos abrir espaço para realmente pensar sobre o que temos que fazer. O pensamento útil só pode existir à medida que toleramos o sofrimento que uma angústia nos desperta e assim, ao não ficarmos num frenesi, poderemos pesar os dados que temos e chegar a uma decisão harmônica com nós mesmos.
            Aos desesperados que estão prestes a tomar os pés pelas mãos recomenda-se tolerância e paciência para que um pensamento verdadeiro possa ser construído. As soluções para os nossos problemas nunca vem prontas e imediatas, mas precisam ser elaboradas, criadas a partir do que realmente conseguimos ver e refletir. O grande problema é que muita gente acredita que ser paciente e tolerante para o que vem lhe acontecendo é ser passivo e acomodado, o que é um terrível engano. Paciência e tolerância exigem um altíssimo grau de investimento em si mesmo, na própria mente e isso nada tem a ver com passividade. Para sermos pacientes e tolerantes precisamos ser muito ativos, ou seja, donos de nós mesmos, ou em outras palavras: ser completamente livre.