Sou
um profissional reconhecido pelo meu vasto conhecimento. Trabalho como
professor universitário de uma boa universidade e tenho muitos títulos. Para
mim a vida acadêmica é parte do meu ser e não consigo me ver longe dela. Gosto
de saber e receber reconhecimento por isso. Você pode até me chamar de
arrogante, mas para mim quem não tem algum titulo de mestrado ou doutorado não
vale nada. Para mim, é impensável alguém viver sem passar pela vida acadêmica e
é aí que vem o problema. Tenho um filho que incentivo a estudar e ele
corresponde e não tenho dúvidas de que ele se sairá muito bem, só que meu filho
mais novo tem síndrome de down. Ele tem três anos e até hoje não consigo
engolir esse fato. Para mim é algo até embaraçoso ter um filho que tem limites
e que não seguirá uma vida acadêmica. Um filho, sei que vocês psicólogos não
gostam desta palavra, que é retardado. Minha mulher, que também é uma
professora universitária de sucesso, quer se divorciar porque não consigo ver
essa criança como filho. Ela que insiste que eu procure ajuda, mas não creio
que a psicanálise seja uma ciência verdadeira. Não há nenhuma prova científica
que demonstra que alguém pode se beneficiar de um processo analítico. Só escrevo
pois minha esposa insistiu muito, mas não acredito no que possa ajudar.
Entendo que o pedido de ajuda do seu email vem da sua
esposa e não de você. Talvez ela tenha esperanças que eu encontre palavras que
possa te humanizar e vir a aceitar e até gostar desse filho. Porém, você passa
a idéia de que não é capaz de ouvir quem quer que seja, a não ser você mesmo.
Afinal, você parece saber tudo.
Contei quantos “para
mim” você escreveu em seu email: exatamente quatro. Alguém ter orgulho das
próprias conquista e títulos é algo bom e saudável. O orgulho não precisa ser
necessariamente negativo, mas o que você sente não pode ser chamado de orgulho.
Pode ser chamado de narcisismo, ou seja, no seu entender só existe você, os
seus interesses, suas necessidades e suas frustrações. Os outros, são vistos
por você, apenas como objetos. Você encara seus filhos e pessoas em volta como
objetos para alimentar a sua imagem narcísica.
Sua mulher não agüenta mais tanta frieza e deixou claro
que deseja o divórcio e mesmo assim você continua insensível aos apelos dela.
Possivelmente, este é um casamento fadado ao fracasso. Não te importa as
pessoas, apenas as imagens que elas passam. Você vê seu filho com síndrome de
Down como um ataque à sua autoimagem. Ele não será aquilo que você deseja, ele
será aquilo que ele pode ser. Mesmo o seu outro filho que não tem síndrome de
Down também só será aquilo que puder vir a ser. No entanto você acha que tem o
poder de decidir o destino de todos.
Como um professor com tantos títulos e conhecimento você
não deve desconhecer o conceito de hybris
dos antigos gregos. A hybris é um
sentimento, geralmente sobre si mesmo, que passa da medida e se torna
insolente. Na mitologia a pessoa tomada pela hybris era sempre punida pelos deuses. Claro que nenhum deus irá
vir te punir, isso você mesmo já faz. Pune-se ao se impedir de viver
relacionamentos verdadeiros, sendo que o que enriquece a vida são os
relacionamentos. Se acha que ser uma pedra é melhor do que ser um homem, está
no caminho certo. Quanto ao seu filho que tem síndrome de Down ter limites,
você consegue me dizer alguém que não os tenha? É uma pena que conhecimento não
torna ninguém mais sábio.
Por mais que eu tente não consigo evitar ter repulsa por seres assim. De fato, ele nem consegue perceber que a vida acadêmica é um subproduto do capitalismo e da necessidade de afunilar o acesso aos postos de trabalho.
ResponderExcluirPobre rato, se imaginando leão, vai acabar só até que precise de ajuda. Fico imaginando uma pessoa assim, diante da dor e da morte, precisando de outros e só tendo diante de si diplomas e livros.
Ainda bem que seus filhos têm a mãe.
Boa tarde!
ResponderExcluirNão sei se o leitor que escreveu esta carta lerá meu comentário, mas confesso que gostaria de falar diretamente a ele! Isso porque eu acredito nos seres humanos e na nossa capacidade de mudança.
Possivelmente sua mulher já lhe pediu várias outras coisas que ele não cumpriu e disse simplesmente "não". Mas, a esse pedido ele cedeu e escreveu para o Sylvio, provavelmente porque queria ouvir algo (mesmo que fosse para contrariar ou confirmar o que já pensava!).
Penso que a maior prova que a psicoterapia tem para oferecer sejam os milhares de pacientes que já passaram por ela e dão seus relatos. Porém, acredito que só experimentando podemos, de fato, criar uma opinião a respeito de qualquer coisa. Além da experiência de cada um, o restante é mera capacidade de explicação, racionalização, teorização, argumentação...
Abç.