segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Tipos de Violência




            É incrível observar carros tocando som (vamos falar a verdade, é ruído e não música) no volume máximo. Acontece também a mesma coisa em bares que nem se importam com seus vizinhos. Há até igrejas (de todas as crenças) que obrigam quem está em suas cercanias a ouvir tudo. Estão curtindo a vida, aproveitando algo? Duvido muito.
            Quem age assim obriga os outros a ouvir o que, certamente, não querem. Obrigar os outros é o mesmo que violentar. Ora, se alguém obriga outra pessoa a fazer sexo é estupro. Se alguém obriga outro a passar a carteira junto com o celular é assalto. Se alguém obriga o outro a morrer é assassinato. O que é alguém obrigar outros a ouvir o que não deseja? É cleptomania.
             Nesses casos rouba-se a paz alheia, o direito de cada um escutar o que quiser ou nada escutar. Porém, o que ocorre é que há pessoas que não conseguem ficar felizes em ouvir o que gosta, mas têm que mostrar para os outros, em alto e bom som, que estão muito felizes, curtindo adoidado. O problema é que isso não é curtição, é violência pura e simples e também demonstra insegurança.
            Quando alguém não se sente curtindo verdadeiramente precisa convencer a si mesmo e faz isso usando o outro. Perceber a irritação do outro dá prazer a essas pessoas que creem que os outros estão com inveja do fato deles estarem se divertindo à beça. Pois é, a mente humana pode ser mesmo estúpida. Elas tiram a paz dos outros só para vê-los irritados e a irritação alheia provoca um sentimento de prazer e confundem esse prazer como se fosse diversão. Pessoas assim só são capazes de sentir prazer perverso. Só gozam quando roubam, mesmo que o que roubam não seja da dimensão material, mas da dimensão subjetiva. 

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Pergunta de Leitora - Estrada Escura




Não entendo algumas coisas da psicanálise. Por exemplo, a psicanálise é contra os tratamentos que as terapias comportamentais propõem como os da fobia. Se uma pessoa tem fobia de avião e não consegue voar a linha comportamental leva a pessoa a ter contato com o seu medo simulando viagens aéreas ou até mesmo levando a pessoa fóbica a ter contato com aviões. Uma pessoa com medo de um bicho é apresentada a determinado bicho até que perca o medo. Por que então a psicanálise é contra tal método se ele pode ser eficaz? Muitos psicanalistas falam tão mal de outras linhas. O que pode me dizer?

            A verdade é que a psicanálise não é contra a psicoterapia comportamental e nem contra a forma que esta decide tratar seus pacientes. Infelizmente há psicanalistas que falam bobagens sobre outras formas de tratamento, parecendo verdadeiros donos da verdade, e com isso só degradam a si mesmo bem como trazem enorme confusão para a psicanálise. A arrogância existe entre muitos psicanalistas. Isso é um fato.
            Se um determinado tratamento ajuda alguém isso é muito bom. Não há nada de errado em procurar ajuda para sofrimentos que minam a qualidade de vida. Se a pessoa do seu exemplo, uma fóbica, pode encontrar meios de enfrentar seus medos é algo louvável e que não deve ser esnobado. Entretanto, a psicanálise também entende que não basta apenas tratar os sintomas de um dado sofrimento, mas que se faz necessário descobrir as origens para que isso possa vir a ser solucionado de maneira mais eficaz. Tratar os sintomas é apenas um paliativo que não dura.
            Quando um indivíduo desenvolve uma fobia o que vai chamar atenção é o seu sintoma, o seu medo. Todos querem se ver livres de seus sintomas, é claro. Mas não adianta apenas consertar um sintoma quando a fonte do problema continua existindo. Uma pessoa que teme viajar de avião pode até tratar o seu medo e vir a “superá-lo”, mas se a causa não for descoberta e devidamente elaborada vai trazer outros sintomas, possivelmente outros medos. Em outras palavras, a pessoa que não se aprofunda em sua mente vai pulando de um medo para outro, de sintoma em sintoma e essa repetição torna a vida pobre.
            Para pôr um fim na repetição só mesmo realizando uma verdadeira mudança e não trocando seis por meia dúzia. A genialidade de Freud, criador da psicanálise, foi compreender que as partes inconscientes (que nos são desconhecidas) sempre influenciam como nos relacionamos com a vida. Agora, se partes inconscientes que carregamos podem se tornar conscientes isso nos dá a oportunidade de elaborarmos e resolvermos no tempo presente aquilo que não ficou bem resolvido no passado. Trata-se a origem e daí não há mais porque se repetir e passar de sintoma em sintoma. Para a psicanálise os sintomas não são inimigos que devemos derrotar com toda a força, mas são sinais no meio de uma estrada escura que nos guiam para as profundezas da mente. Quem não aprende a se relacionar com a própria mente está fadado a se repetir indefinidamente na escuridão da ignorância de si mesmo. 

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Paraíso para uns, Inferno para outros




            Há uma história sobre um médico que foi a um hospício estudar casos extraordinários. Lá ele encontrou um homem enrolado num cobertor, balançando e murmurando “Lulu, Lulu”. Intrigado e sem conseguir obter mais nenhuma outra palavra do paciente o médico pergunta à equipe o que era Lulu. Lhe é respondido que Lulu era o problema desse homem e era o nome da mulher por quem ele fora perdidamente apaixonado e que havia dado um tremendo fora nele. Passando a outro paciente o médico encontra um homem em estado deprimente também murmurando “Lulu, Lulu” e fica surpreso. Pergunta se a mesma Lulu era o problema desse outro homem e lhe é respondido que sim, que a mesma mulher que enlouqueceu o primeiro paciente terminando com ele enlouqueceu o segundo casando-se com ele.
            A mesma mulher, dois homens diferentes. Para um deles a falta dessa mulher foi demais para aguentar e ele enlouqueceu. Talvez o que ele mais quisesse era ter se casado com ela. Ele a desejava muito e o término do relacionamento foi um gatilho para a sua loucura. Já o segundo homem casou-se com a mulher, mas o relacionamento deve ter sido tão tóxico, tão destrutivo que ele acabou enlouquecendo. Brincando de pensar em cima dessa história podemos ver que o que pode ser o paraíso para uns pode ser o inferno para outros.
            A vida não é uma coisa que vem com manual de operações, onde todas as regras para o bom funcionamento vêm bem esclarecidas e delimitadas. Não funciona assim. Temos que ir descobrindo o que nos é bom, o que nos faz crescer, bem como aquilo que não nos favorece em nada. Muitas vezes idealizamos que precisamos ser de um jeito ou outro, que isso nos tornará mais felizes e aí quando conseguimos o que tantos almejamos descobrimos que nada daquilo era realmente o que esperávamos. Em outras palavras, nos enganamos assumindo que a vida tem que ser de um jeito particular e tomamos caminhos que podem nos levar à loucura.
            O que serve para mim não servirá a Fulano, talvez possa servir a Ciclano, mas poderá ser péssimo a Beltrano. Há muitas formas de se viver. Há inúmeras maneiras de se vir a ser no mundo e cabe a cada um encontrar, ou melhor, construir seu caminho. Isso vale para tudo: sexualidade, família, profissão, estilos de vida, etc. Só é preciso cada um assumir responsabilidade pelo próprio caminhar e permitir que cada um caminhe como lhe for melhor. 

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Pergunta de Leitora - Além da Biologia




Fui diagnosticada recentemente por um psiquiatra como tendo personalidade fóbica. Ele me receitou remédios, mas não me falou nada de terapia. Acho que isso está errado. O que acha? Tenho medo de avião e já deixei de viajar por causa disso. Tenho medo de espaços abertos e com muita gente e por isso evito sair. Com todos os meus medos acabo ficando sozinha e ultimamente venho desenvolvendo síndrome do pânico. O que faço? Venho tomando o remédio, mas ainda continuo angustiada e parece que as vezes fico imobilizada e achando que vou morrer e que nada pode me salvar. Não sei explicar o que me acontece. Só sei que fico com muita ansiedade e medo. Um medo incontrolável. Será que posso melhorar? O que preciso?

            Infelizmente muitos psiquiatras desconhecem a dimensão humana permanecendo apenas na biologia. Veja bem, somos também seres biológicos e desconsiderar isso seria imprudente e estúpido, mas nossa natureza é bem mais complexa e larga do que a biologia pode conceber. Remédios psiquiátricos são recursos válidos, porém não são a resposta definitiva e incontestável. Somos muito mais que apenas química cerebral.
            Você, em algum nível, parece compreender isso já que está aqui me escrevendo que sentiu que seu médico não te viu como pessoa, mas apenas como um corpo desequilibrado. Aos olhos dele você se sentiu apenas vista pelo seu lado físico e corporal, mas não foi tocada no âmbito da mente. Você sente que falta algo mais, apesar de não saber bem o que. Ouso lhe dizer que o que lhe falta é aprender a dar um sentido às suas angústias.
            Tenha a certeza de que seu medo não é de avião ou de pessoas e espaços abertos. O medo vem da sua angústia e esta causa um medo generalizado, sem forma. As fobias surgem justamente para dar uma forma às nossas angústias e ansiedades. Assim tememos aquilo que podemos ver e até em certo ponto evitar, quando na verdade é algo muito mais interno e desconhecido que nos provoca o sofrimento da angústia. A nossa angústia, quando bem vivenciada, pode nos tornar mais humanos e mais capazes em lidar com o sofrimento, portanto não deveríamos temê-la.
            Não faço críticas à psiquiatria, que é extremamente necessária, apenas entendo que repousar tão somente na biologia deixará o ser humano mais pobre. A psicanálise não tenta extirpar e fazer o seu analisando se livrar das suas angústias, apenas mostra a ele uma nova forma de se relacionar com seus produtos mentais e crescer com isso. Quando aceitamos nosso lado humano e nossas dores poderemos então trabalhar com tudo isso e, assim, uma transformação ocorre. Onde antes havia a vítima de um padecimento, inconsciente de si mesma, pode haver a criadora de uma vida produtiva e satisfatória. Será que não é justamente isso o que você está procurando?

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Artesanato da Mente




            O filósofo e escritor americano Ralph Waldo Emerson tem uma frase interessante: Para a mente desbotada tudo o que é visto fica sem graça, mas para a mente iluminada o mundo queima como centenas de centelhas de luz. Numa perspectiva mais pessoal podemos dizer que o mundo pode ser sentido ou como algo ruim e desabonador ou como um manancial de possibilidades para nos encantarmos.
            Como será que nos relacionamos com o mundo, com as pessoas à nossa volta, com nossos trabalhos e com nossas adversidades? Como assimilamos o que nos acontece? Ser capaz de refletir sobre essas questões é fundamental para compreendermos como vivemos e que uso fazemos da mente. Ter uma mente e não usá-la é como possuir um tesouro e não utilizá-lo para o nosso bem estar.
            Há inúmeras pessoas que vivem com grande dificuldade. Para elas a vida é pesada e uma fonte de aborrecimentos sem conta. Vivem se lamentando de tudo e de todos e não se permitem desenvolver um olhar mais curioso e generoso para com o mundo. Tornam-se amargas e creem que a vida é injusta e que não lhes deu nada de bom, só encrencas. A vida fica insípida e sem cor alguma. Para gente assim nada, por melhor que seja, é percebido e sentido como algo bom e só existe custos e fardos. Quem não conhece alguém que vive (sobrevive) assim?
            A solução é então abraçar o otimismo e vibrar por tudo? Quem dera pudesse ser fácil assim! O otimismo não é apenas uma questão de enfoque, bastando olhar para o outro lado e pronto! É necessário desenvolver uma mente. Para os orientais, por exemplo, seria necessário atingir a iluminação. Mas como fazemos isso? Um destes caminhos é análise. A psicanálise propõe ao sujeito se conhecer, entender as suas razões, no que se repete e que cria o adoecimento, para enfim  a abrir mão da repetição para se reinventar.
            Estar em análise e desenvolver uma mente é um processo que demanda tempo e paciência, como um trabalho artesanal. Nesse processo aprendemos a usar nossos recursos bem como potencializar aqueles já existentes. Passo a passo vamos criando um novo olhar para a vida e aprendemos a ver o que antes parecia obscuro. Botamos tempero e cor para tornarmos a vida prazerosa. Isso não implica e não existir mais dificuldades, mas em lidar com elas de maneira eficiente. Ficamos iluminados.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Pergunta de Leitora - Quedas Inevitáveis




Depois de quase uma década tentando engravidar eu finalmente consegui! Minha filha é linda e tem hoje quase três anos. Mas temo muito por ela. Ela até hoje não aprendeu a andar. Já a levei a vários especialistas e todos foram unânimes em afirmar que ela não tem problema algum e que poderia andar normalmente. No entanto, ela não anda. Tenho medo profundo e  muita angústia que algo esteja errado com ela. Tenho medo que ela se machuque. Eu quero o melhor para ela. Ela é o meu tesouro precioso. Não deixo que ela fique com mais ninguém com pavor de que não cuidem direito dela. Disseram que ela pode ter problemas psicológicos e que por isso não anda. Mas como uma criança bebê de apenas três anos pode ter problemas psicológicos? Estou assustadíssima. Por favor, me ajude.

            Você procura no organismo biológico uma explicação do por que sua filha não anda. Fica desesperada e conclui que algo muito errado está acontecendo. Os médicos terem afirmado que nada havia na saúde física de sua filha não adianta e nem te alivia. Parece que você sente que eles deixaram de ver algo. Quando dizem que pode ser psicológico você se assusta e nega. Afinal, você pergunta, como pode uma criança ter problema psicológico? Talvez ela não tenha mesmo problema algum, nem físico e nem psicológico, mas alguma coisa ocorre. Aqui vai alguns pensamentos meus.
            Depois de tanto tempo sonhando com uma gravidez e uma criança sua filha chega. É algo muito especial e te enche de alegrias. Porém, te enche também de medo. Temos medo de perder aquilo que nos dá tanta felicidade e, ás vezes, o medo é tão intenso que impede aproveitar o que é bom. Fica-se apenas a angústia de se tentar se livrar do medo.
            Será que não é isso o que está te acontecendo? Que seu medo de que algo aconteça à sua filha é tão grande que faz com que você a “superproteja”? Só que super proteção não é proteção, mas invasão. Talvez o seu medo esteja invadindo a mente de sua filha que fica então imobilizada. Sabia que crescer implica em sofrer também? Se você impede que sua filha enfrente os sofrimentos necessários à sua idade como ela poderá crescer e se desenvolver? Uma criança só aprende a andar caindo. É fato. Se você não tolera que sua filha caia ela não poderá andar nunca. Será que você já pensou por esse lado?
            Com isso não estou dizendo que seja sua culpa o fato de sua menina não andar. Apenas estou dizendo que muito medo impede o desenvolvimento. Você tem medo de que ela se machuque, mas isso é inevitável. Você conhece alguém que passa pela vida sem se machucar física ou emocionalmente? Duvido. Agora se você aprender a encarar que alguns tombos fazem parte da vida poderá relaxar e com isso quem sabe sua filha também não relaxe? Quem sabe não seja a hora de você procurar ajuda profissional para lidar melhor com seus medos e angústias? 

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Psicologia e Psicanálise Mal Usadas




            A psicologia e psicanálise são frequentemente usadas quando se fala da vida. Obviamente esses dois campos de saber existem justamente para isso mesmo: para se pensar a vida e criar meios que  nos permitam vivê-la de forma mais eficiente. Porém o que acaba acontecendo é que tanto a psicologia quanto a psicanálise são utilizadas, muitas vezes, de maneira leviana e deturpada. Ao invés de trazer um enriquecimento termina caindo nas áreas do senso comum e da interpretação selvagem.
            Veja, por exemplo, quando alguém adoece. Se algum conhecido aparece com uma doença como câncer muitos em volta já dispararão interpretações de botequim dizendo que a pessoa segura muito as emoções e não se expressa. Assim além da pessoa ter que lidar com o câncer, que já é uma luta árdua, tem também que lidar com o sentimento de culpa como se ela tivesse sido culpada de ter câncer ou que tivesse escolhido ficar com câncer. Nem preciso mencionar que muitas doenças têm, sim, bases psicológicas e que a mente pode agravar ou até originar muitos casos. Contudo, não dá para generalizar e sair distribuindo culpas por aí.
            É só alguém surgir com alguma dor em alguma parte do corpo que pseudo-psicólogos de almanaque vão tirar da cartola da ignorância toda uma série de interpretações. Vão dizer que tal órgão representa isso ou aquilo e que a pessoa está “segurando” energia, seja lá o que for isso. Evidentemente, a psicologia e a psicanálise entendem a psicossomática que é a influencia da mente no funcionamento do corpo. Isso existe sim, mas não dá para toda hora dizer que qualquer mal funcionamento orgânico seja devido ao fato de haver um problema psicológico.
            Os excessos são terríveis. Há pessoas que consideram que a mente nada influi no corpo e pecam então por um pensamento materialista muito intenso. Outros, por sua vez, consideram que tudo é mente/espírito e exageram na dose do mundo interno e subjetivo. Como tudo na vida o equilíbrio é a melhor política. Temos um  corpo e uma mente e precisamos dar atenção aos dois, sem insistir apenas em um. Se a balança estiver equilibrada poderemos viver bem e saudáveis. Todavia, se houver desequilíbrio e pender para apenas um lado vamos ficar aquém das nossas potencialidades e empobrecer a vida.