sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Pergunta de Leitora - Estrada Escura




Não entendo algumas coisas da psicanálise. Por exemplo, a psicanálise é contra os tratamentos que as terapias comportamentais propõem como os da fobia. Se uma pessoa tem fobia de avião e não consegue voar a linha comportamental leva a pessoa a ter contato com o seu medo simulando viagens aéreas ou até mesmo levando a pessoa fóbica a ter contato com aviões. Uma pessoa com medo de um bicho é apresentada a determinado bicho até que perca o medo. Por que então a psicanálise é contra tal método se ele pode ser eficaz? Muitos psicanalistas falam tão mal de outras linhas. O que pode me dizer?

            A verdade é que a psicanálise não é contra a psicoterapia comportamental e nem contra a forma que esta decide tratar seus pacientes. Infelizmente há psicanalistas que falam bobagens sobre outras formas de tratamento, parecendo verdadeiros donos da verdade, e com isso só degradam a si mesmo bem como trazem enorme confusão para a psicanálise. A arrogância existe entre muitos psicanalistas. Isso é um fato.
            Se um determinado tratamento ajuda alguém isso é muito bom. Não há nada de errado em procurar ajuda para sofrimentos que minam a qualidade de vida. Se a pessoa do seu exemplo, uma fóbica, pode encontrar meios de enfrentar seus medos é algo louvável e que não deve ser esnobado. Entretanto, a psicanálise também entende que não basta apenas tratar os sintomas de um dado sofrimento, mas que se faz necessário descobrir as origens para que isso possa vir a ser solucionado de maneira mais eficaz. Tratar os sintomas é apenas um paliativo que não dura.
            Quando um indivíduo desenvolve uma fobia o que vai chamar atenção é o seu sintoma, o seu medo. Todos querem se ver livres de seus sintomas, é claro. Mas não adianta apenas consertar um sintoma quando a fonte do problema continua existindo. Uma pessoa que teme viajar de avião pode até tratar o seu medo e vir a “superá-lo”, mas se a causa não for descoberta e devidamente elaborada vai trazer outros sintomas, possivelmente outros medos. Em outras palavras, a pessoa que não se aprofunda em sua mente vai pulando de um medo para outro, de sintoma em sintoma e essa repetição torna a vida pobre.
            Para pôr um fim na repetição só mesmo realizando uma verdadeira mudança e não trocando seis por meia dúzia. A genialidade de Freud, criador da psicanálise, foi compreender que as partes inconscientes (que nos são desconhecidas) sempre influenciam como nos relacionamos com a vida. Agora, se partes inconscientes que carregamos podem se tornar conscientes isso nos dá a oportunidade de elaborarmos e resolvermos no tempo presente aquilo que não ficou bem resolvido no passado. Trata-se a origem e daí não há mais porque se repetir e passar de sintoma em sintoma. Para a psicanálise os sintomas não são inimigos que devemos derrotar com toda a força, mas são sinais no meio de uma estrada escura que nos guiam para as profundezas da mente. Quem não aprende a se relacionar com a própria mente está fadado a se repetir indefinidamente na escuridão da ignorância de si mesmo. 

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