segunda-feira, 29 de junho de 2015

A Descoberta da Escuta


            A pior paixão que pode existir é a paixão pela ignorância. Buda dizia isso com todas as letras e acrescentou que esta paixão é perigosa porque leva ao apego e por consequência ao aprisionamento. Para o budismo todo sofrimento tem como base o apego e toda pessoa que tem apego é no fundo movida pela paixão. Quem fica apaixonado pela ignorância, ou seja, fica fascinado por ela não consegue viver as experiências de vida de maneira livre e desimpedida.
            Freud dizia a mesma coisa sobre esse tipo de paixão e pôde mostrar que uma pessoa nessa situação fica apegada ao seu passado, não consegue larga-lo e por isso mesmo se repete indefinidamente. A cura para a psicanálise pode ocorrer quando o sujeito se desapega de seu passado, parando de se repetir para enfim ser livre e viver sua história de maneira nova. A pergunta, então, é como essa cura se faz possível?
            A cura em psicanálise acontece através da fala e da escuta. O analisando fala de si, de suas experiências, de suas ideias, de suas “teorias” e o analista escuta. Porém, essa escuta é diferente de uma escuta passiva. É uma escuta onde novos significados e sentidos podem emergir trazendo transformações. Quando o analista escuta o seu analisando este último aprende a se ouvir e percebe onde e no que vem se apegando. É só quando alguém aprende a se escutar é que pode aprender a se desapegar do que nem sabia que estava apegado.
            A descoberta da importância da escuta é a origem da psicanálise. A escuta psicanalítica permite a associação livre das ideias do analisando que conecta a vida que está vivendo hoje com as experiências passadas das quais não consegue se livrar por estar fascinado (apaixonado) pelo que já aconteceu.  E apenas quando o sujeito se desapega do que já lhe aconteceu pode viver livre e disponível para as experiências de vida do tempo presente. Assim, a sua vida é reinventada e não mais uma série de repetições. A psicanálise e o budismo têm muitos pontos em comum ao entender o ser humano. 

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Pergunta de Leitora - Continuar a Dançar


Olhe bem o que me acontece. Casei pela primeira vez há alguns anos e pensei que seria feliz para sempre. Meu marido me abandonou e me trocou por outra. Depois disso vivi um período infernal, de muitas dores e sofrimentos. Me dediquei à arte e pintava quadros maravilhosos. Aprendi a tocar um instrumento musical. Enfim, fiz tudo aquilo que eu já fazia antes do meu casamento e que abandonei para me dedicar exclusivamente ao meu marido. Despois de um tempo conheci outro homem que parecia que ia ser o paraíso o nosso relacionamento e me dediquei cem por cento a esse homem, deixando tudo que era meu de lado. Mas mais uma vez fui abandonada. Não sei o que me acontece. Será que é minha sina ser abandonada? E percebo que quando estou na fossa, na lama, eu me dedico mais à minha arte. Me pergunto se só mesmo os que sofrem conseguem produzir arte.

            As pessoas entendem o casamento de uma maneira muito equivocada. O casamento, até mesmo os que estão registrados em cartório, não é uma coisa estável e que podemos chamar de um bem nosso, mas é algo vivo, que é fluido e em constante dinâmica. Por isso mesmo o casamento se trata de algo instável, um jogo que se não for jogado bem, termina. O amor é como uma dança e o movimento de um influencia o movimento do outro.
            Quando há uma separação decidida por um dos membros e que pega o outro de surpresa é geralmente porque o primeiro decidiu continuar dançando enquanto o outro optou pela imobilidade. É que o amor, que sustenta um relacionamento, só pode existir se os dois dançarem juntos e se um quiser ficar parado, sentado e esperando, o outro vai sentir uma irresistível vontade de procurar outro parceiro de dança. Será que é isso que lhe acontece?
            Você disse que nos seus dois relacionamentos você foi abandonada pelos companheiros que decidiram seguir sem você. Será que ao querer ser uma boa esposa e se dedicar exclusivamente ao parceiro você deixou de investir em você mesma, terminando por se abandonar e com isso foi murchando e perdendo atratividade? Vale a pena considerar essa hipótese para que você aprenda que o amor não implica em você se aposentar do que você faz por si mesma. Quando está só você consegue produzir, você diz, mas quando acompanhada parece abdicar de tudo que é você mesma e que havia encantado os seus parceiros.
            Quando não está acompanhada você se sente tomada por uma incrível vitalidade, que provavelmente deve ser um chamativo para que alguém se interesse e se aproxime de você. Depois de entrar em um relacionamento parece perder toda essa vitalidade e busca ser apenas uma esposa em tempo integral. Arrisco dizer que esses homens devem ter se sentido enganados por você. Quando pensaram que tinham encontrado alguém com quem dançar você demonstra que quer mesmo ficar parada. O que lhe é necessário é entender o que você faz com sua vitalidade assim que está em um relacionamento para que pare de se repetir e possa continuar dançando sempre. A vida, tal como a arte, não é rígida, mas sempre fluida. 

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Análise de Filme - Cake


            O filme Cake (2015) retrata uma história de dor. Claire, uma mulher que sofreu um acidente que a deixou destruída fisicamente, tem que lutar com dores crônicas intoleráveis e que a deixam depressiva. Faz uso maciço de medicamentos controlados para aliviar as suas dores que nunca parecem diminuir. Pelo contrário, suas dores só aumentam e mais ela vai abusando das drogas para, desesperadamente, encontrar certa paz. Acontece que inicialmente somos levados acreditar que o filme mostra como a dor física imensa que ela vive é que é o problema, porém a verdade é outra. A dor que ela sente e que realmente a machuca não é física, mas mental.
            Ocorre que a dor mental nem sempre é bem acolhida. Este tipo de dor, que não tem como ser medida, se encontra na dimensão subjetiva, ou seja, ela não tem um local, mas está em todo o ser e define como as experiências de vida podem ser vivenciadas. Claire perdeu muito mais no acidente, perdeu o próprio filho que estava com ela em seu carro. Entretanto, Claire tenta de todas as maneiras desviar o foco da origem de sua real dor e volta-se para o seu corpo. Assim é o corpo que padece, é o corpo que sente dor e com isso ela tenta, inutilmente, negar a dor da alma, que é bem mais esmagadora.
            Para se esquecer da perda do filho mantem seu marido longe. Afinal, a presença do marido pode evocar memórias que ela prefere deixar abafadas. Ela o trata como inimigo, alimentando desdém e intolerante com o sofrimento que o marido também está passando. Como ela poderia acolher a dor do marido se a sua própria já lhe era insuportável? Não só o marido ela afasta, mas todos aqueles que querem ajuda-la. Ela é tomada de tanto ódio que este se volta contra si mesma e ela se coloca num lugar onde fica inacessível a qualquer ajuda. É assim que ela passa a se ver, como alguém além de qualquer ajuda.
            Devido ao trauma do acidente ela só consegue andar de carro se for com o banco deitado, mostrando que não suporta ver a vida de frente. Toda a dor em sua mente é transferida para o corpo. Esse deslocamento é também uma forma de não encarar a vida, de não olhar para si e de negar a real natureza de seu sofrimento. Para aplacar a dor Claire participa de um grupo de ajuda aos portadores de dor crônica e lá ela conhece uma jovem que se suicida, deixando marido e filho sozinhos. Ao entrar em contato com essa família ela vai percebendo que não é a única que sofre dores, que outras pessoas também passam por perdas e situações difíceis. E é justamente essa percepção que vai se formando que a ajuda a compreender o significado de sua dor.
            A sua empregada, Silvana, a ama e nunca deixou de estar ao seu lado, mesmo que Claire muitas vezes a tratasse com cinismo e desprezo. Silvana funciona como uma terapeuta, trazendo realidade para as experiências de Claire. Também como terapeuta questiona Claire em vários momentos e consegue mostrar que Claire torna-se egoísta quando se envolve tão apaixonadamente com sua dor e ódio que se esquece de viver e levar os outros em consideração. Em outras palavras, a sua empregada lhe faz um corte analítico que promove descobertas num nível subjetivo.
            Não é mesmo fácil passar por dores e perdas. Queremos negar as experiências dolorosas e desprazerosas preferindo até mesmo sentir dor física do que mental. Contudo, negar a própria dor é evitar que ela possa ser digerida. A mente não tem como ser negada sem sérias consequências. O preço dos nossos sofrimentos é alto, mas o preço das nossas negações é sempre mais alto e mais amargo. Chega uma hora que precisamos aprender a enfrentar nossas dores. Só assim a vida pode existir.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Pergunta de Leitora - Conflito de Gerações


Tenho um pai de 85 anos e um filho de 17. Vivemos na mesma casa, mas eles não se dão bem. Meu filho acha que o avô é um velho sem nenhuma serventia e meu pai acha que o neto é um adolescente idiota e sem nenhum proposito. Não sei o que fazer para os dois se entenderem, já usei de tudo que era lógica e argumentos, mas nada os aproxima. Eles se xingam e se machucam e quem mais fica preocupada e entristecida sou eu. Um reclama do outro para mim e quer que eu odeie o outro, querem que eu tome partido, mas não sei quem atender, quem está certo ou errado. Não é opção nenhum dos dois se mudar, quem tem vontade de sumir e mudar sou eu. Como posso acertar essa situação?

            Há jovens que discriminam os mais velhos e desvalorizam as suas experiências de vida e há pessoas idosas que são bastante intolerantes com os jovens e seus ideais. É o velho conflito entre gerações que fazem mal para a sociedade bem como para a dinâmica familiar. Gerações com valores diferentes tendem a se estranhar, mas não precisaria ser assim já que todas as gerações possuem características boas que podem ser muito úteis quando bem usadas.
            Os idosos, por terem vivido anos, podem (nem sempre é assim) ter uma visão sábia e tolerante da vida. Podem ser capazes de contar com a serenidade do tempo para tolerarem mais as adversidades da vida. Os jovens, pelos seus curtos anos, se enchem de sonhos e ideias de como as coisas poderiam ser (de novo, nem sempre é assim) e a visão fresca que têm do mundo podem ser salutares para apresentar mudanças benéficas. Quando há equilíbrio entre esses dois tipos de visão há a possibilidade de haver crescimento e evolução. A melhor dose para tudo é sempre o equilíbrio.
            Mas o que parece que acontece aqui vai além do conflito entre gerações. É apenas uma hipótese, você pode confirmá-la ou não, mas a impressão que fica é que tanto seu pai quanto seu filho estão numa competição para conseguir a sua atenção. Você fica no meio do cabo de guerra entre os dois, cada um puxando para o seu lado. Não é a toa que gostaria de sumir, pois sabe que não pode tomar partido sem que um ou outro fique magoado e desamparado.
            Nesse caso a única possibilidade é não tomar partido de ninguém a não ser o seu próprio. Procure encontrar palavras e meios de deixar claro que essa troca de ofensas ofende a você e que você não precisa viver deste jeito. Abandone os argumentos lógicos para aproximá-los porque isso depende deles e não de você. Use as palavras para explicar a sua situação e o quanto você se sente mal com ela e que eles também têm parte nisso. Opte pelo seu bem estar e não pela posição de um ou outro. Quem sabe você tomar o seu prórpio partido não lhe seja melhor?

segunda-feira, 15 de junho de 2015

A Feiura


            Percebo que o centro da cidade de Londrina que sempre me chamou atenção pela beleza, já vem há algum tempo se deteriorando. Há bem mais prédios abandonados, sem nenhum cuidado e as pichações estão cada vez mais presentes e se alastrando pela cidade. A feiura está se espalhando e o que assusta é que muitas pessoas não estão nem se dando conta do que vem acontecendo.
            Quando as ruas de uma cidade ficam feias por falta de investimentos, por descaso e falta de segurança isso abre espaço para o vandalismo. Pichações são demonstrações de vandalismo e estas atitudes têm ligação com nossos impulsos agressivos. Todos carregam agressividade, é parte de nossa natureza, mas nem por isso significa que a agressividade precisa ser atuada sem nenhum filtro. Um indivíduo que não pôde ao longo de sua história construir uma mente para pensar sobre os próprios impulsos fica vulnerável aos impulsos agressivos, não tem uma barreira que os impeça de serem destrutivos.
            Uma cidade que vai se tornando feia, em última instância, mostra que não há mais barreiras, filtros, opções para os seus cidadãos viverem seus impulsos agressivos e os tornam na mais pura expressão do ódio. Atos de vandalismo são expressões de ódio e a cidade destruída e feia é apenas a imagem de toda essa agressividade que existe em seus moradores. As mentes desses vândalos estão no mesmo estado do que fazem nas ruas: estão destruídas e enfeiadas.
            A gente projeta, ou seja, pões para fora o que existe dentro. Cidades sujas, destruídas, pichadas, são mostras do que há na mente de seus cidadãos. O humano é um animal, mas muitas vezes pode ser mais animal do que humano. Com animal podemos entender o lado mais primitivo, que é incapaz de pensar e de conter os próprios impulsos destrutivos. Todos: moradores, políticos, polícia, professores, universitários, devemos pensar bem que tipo de mente queremos construir para que possamos deixar o lugar onde moramos bonito e cuidado. Se não cuidamos de nosso próprio mundo interno não temos como cuidar de nosso mundo externo. 

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Pergunta de Leitor - Enfeitiçado


Tenho 29 anos e tenho um irmão de 26 anos. Moramos todos com nossos pais. Meu pai é ausente. Sempre está fora e quando está em casa nunca fala nada, nada diz e parece que nem é uma pessoa, mas um robô. Meu irmão tem sérios problemas. Ele nunca namorou ninguém e nunca sai de casa. Fica só com minha mãe. Eles parecem viver um relacionamento só deles e são muito fechados. Minha mãe vai ao supermercado, à feira, à igreja, aos médicos e em todos os lugares com meu irmão. Ele não faz mais nada além de estar sempre presente para minha mãe. Já convidei ele várias vezes para sairmos e até para paquerarmos as garotas mas nada. Acho que ele é gay. Apesar de não desejar isso para ele, enfim, continua sendo meu irmão, mas o problema é ele continuar só com minha mãe. Eles assistem filmes juntos, vão a restaurantes só eles. Não sei mais o que fazer pra ajudar meu irmão. Minha mãe fala que é ciúmes de minha parte mas não acho isso. Será que meu irmão pode virar gay por causa disso? Será que eu posso fazer alguma coisa? Tomara que você responda meu email porque não sei mais o que fazer.

            Entendo sua preocupação com seu irmão, pois você percebe que algo não vai bem no desenvolvimento dele e que a relação que ele e sua mãe vivem tem caráter muito limitante para ambos. Entendo também você querer ajudá-lo, no entanto a briga vai ser feia já que seu irmão se encontra numa posição muito cômoda. Posição cômoda não quer dizer que seja boa, mas esta posição é muito atraente e por isso mesmo você nunca o convencerá de nada. É ele mesmo que tem que se mexer para mudar de posição
            É claro que pode ser que ele seja gay, apesar de não sabermos. Uma pessoa pode acabar tendo orientação homossexual por várias razões. Uma delas é uma mãe tão sedutora, que ama demais o filho e não permite que ele saia para a vida. A mãe, nesses casos, ama o filho de forma tão intensa que o filho fica tão seduzido pelo prazer desse amor que não se sente propelido a procurar outros relacionamentos. O seu desenvolvimento fica imobilizado e ele fica com o emocional de um menino e jamais um homem. Afinal é o menino que quer a mãe só para si enquanto o homem arruma uma mulher para si.
            Como o filho tem seus caprichos atendidos e fica encantado com toda atenção que recebe da mãe, acaba por ficar acomodado e enredado nessa teia. Agora, veja bem, isso não ocorre conscientemente, mas inconscientemente, ou seja, sua mãe e irmão vivem isso sem perceber. Como você mesmo reconhece seu pai é um homem mais robótico do que humano e nunca se apresentou como uma companhia real para sua mãe, nem para você e seu irmão e ela focou e intensificou todos os seus afetos em seu irmão.
            Qualquer criança adora ser foco de suprema admiração e afetos e seu irmão se deixa então enfeitiçar por essa posição. Ao se ver como única fonte de satisfação materna, mais ele não vê necessidade de ir em busca de outras pessoas, principalmente outras mulheres. Se toda essa configuração tornou seu irmão homossexual não sei, mas certamente podemos ver que há muito aprisionamento em sua vida. Há pouco o que você possa fazer e qualquer intervenção que você faça soará como ataque. A única coisa a ser feita é estar disponível para ajudar seu irmão, como for possível, quando ele precisar. 

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Crescer


            João e o Pé de Feijão é um conto infantil que demonstra que o bom uso da mente pode vencer a força. Na estória João sobe pelo mágico pé de feijão até um reino dominado por um gigante que mantêm fartas riquezas. O gigante é mau e quando descobre a presença do menino faz de tudo para destruí-lo. Só que isso não acontece porque João é esperto e apesar de ser fisicamente fraco comparado ao gigante conta com sua mente ágil que o permite utilizar de artimanhas para enfrentar e no fim vencer o gigante e ter como recompensa riquezas maravilhosas.
            Esse conto pode ser entendido como é importante crescer e crescer aqui significa usar de todas as possibilidades da mente para enfrentar a vida e as dificuldades que ela certamente traz. O menino João no início era apenas uma criança e como tal se sentia indefeso e em muitas situações era vulnerável para enfrentar os percalços que surgiam em seu caminho. Todos nós nascemos indefesos, todos já estivemos ou até estamos na situação de João.
            Porém assim como João também precisamos crescer. Apesar de inicialmente nos encontrarmos todos vulneráveis para muitas adversidades da vida se faz necessário que mudemos essa situação. Crescer, ao contrário do que alguns acreditam, não significa se tornar abrutalhado e passar como um trator em cima dos outros. Isso não é amadurecer, mas se embrutecer e tem mais a ver com fraqueza, pois todo ser embrutecido morre de medo das frustrações e de sofrer e se endurece como forma de defesa Funciona assim: já que tem medo do que pode enfrentar prefere se identificar com o gigante, ou seja, com aquele que bota medo nos outros. Só que quem se identifica com o gigante é fraco e não confia em sua própria mente.
            Amadurecer de fato não é então se embrutecer, mas usar das experiências de vida para aprender. João aprendeu ao reconhecer os seus limites, mas não deixou que esses limites lhe deixassem imobilizado. Em vez disso criou maneiras de não ficar enfraquecido e com isso se tornou até mais poderoso que o gigante. Essa estória também pode ser encontrada na bíblia. O livro de Davi e Golias também carrega a ideia de que quando a mente e toda a sua potencialidade são usadas valem muito mais do que qualquer outra arma. Vencer gigantes nada mais é do que vencer nossa estupidez em favor de algo melhor e mais refinado. Essas estórias sobrevivem há séculos porque carregam verdades inspiradoras. Temos muito o que aprender com elas.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Pergunta de Leitor - Fantasmas


Tenho 32 anos e sempre trabalhei na minha vida. Sempre tive bons empregos e ganhei bem. Sou casado e agora perdi meu emprego. Nunca me senti tão mal em toda a minha vida, verdadeiramente impotente. Minha mulher me dá apoio, mas tem hora que fica brava e me sinto tão mal. Ela diz que nunca fiquei assim, nem mesmo quando quase nos separamos. Ela diz que eu valorizo mais o trabalho do que ela. A verdade é que não me sinto com valor agora e não sei bem o que fazer. Estou procurando emprego, mas perdi muito da minha coragem de antes. Acho que estou ficando deprimido e eu achei que essas coisas era tudo frescura e que não existia. O que posso fazer?

            Depressão é coisa séria e exige muita atenção. O estado depressivo contamina a mente que passa a ver a vida e a lidar com esta de uma forma muito negativa. O mundo fica sem cor e a pessoa sem esperanças. Depressão é um ódio à realidade. Ficar assim não é mais viver, mas é uma sobrevivência muito empobrecida e perceber que pode entrar numa depressão é bom, pois permite mudar a rota e procurar por outros caminhos mais favoráveis.
            Perder o emprego é para os homens uma das maiores e mais influentes causas de depressão. Isso ocorre porque os homens se identificam muito com o trabalho e quando ele vai bem se sentem potentes e valorizados, mas se vai mal a autoestima vai para o brejo. Não que o mesmo não aconteça com as mulheres, mas elas, sabiamente, sabem separar com bem melhor distinção o seu valor e o do trabalho. A educação sentimental, nesse sentido, é bem melhor para as mulheres, pois os homens são geralmente educados para serem apenas força, bem como jamais mostrarem nenhum sinal que pode ser interpretado como fraqueza e vulnerabilidade.
            Com tanta pressão assim para ser o super homem não é a toa que os homens vivem uma pressão que não sabem como lidar. Alguns se deprimem, outros bebem, outros se tornam agressivos e arredios, mas são todas formas ineficientes de se lidar com os problemas. Que tal se em vez de se auto desvalorizar você usar este momento para repensar a sua vida? Buscar não só um novo emprego, mas também uma nova maneira de se ver? Faça dessa experiência uma coisa boa, porém para isso vai ser exigido muito trabalho interno.
            O melhor que tem a fazer é procurar por alguém que te ajude a pensar sobre essas experiências. Você reconhece que vem enfrentando um problema e isso é bastante positivo. A pior coisa é alguém negar que precisa de ajuda. Necessita agora dar um passo além e aprender mais sobre si mesmo. A verdadeira impotência, e essa sim devemos nos livrar, é quando não buscamos nos ajudar. Um homem potente é aquele que leva os inevitáveis tombos da vida, mas que procura sempre se levantar, ou seja, que enfrenta até mesmo o fantasma da impotência para se sair mais fortalecido.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

A Roda da Fortuna


            Há no tarô de Marselha uma carta chamada a Roda da Fortuna onde aparece figuras presas a uma grande roda que gira fazendo com que ora uma figura esteja no topo da roda e outra embaixo, ora as posições sejam invertidas. Essa carta do tarô não precisa ser entendida como algo místico e trazendo significados esotéricos e ocultos, mas pode muito bem ser compreendida com base em algo muito mais realista e próximo de nós. De forma geral somos como essas figuras presas à roda e entender isso pode nos fornecer uma perspectiva mais acurada da vida.
            Se estamos presos a uma roda que gira isso implica em que haverá momentos em que estaremos por cima, ou seja, bem e confortáveis, mas também haverá momentos em que estaremos por baixo e com sentimentos desagradáveis. A verdade é que estamos sempre girando. Nunca ficamos parados numa única posição e saber tolerar “esses giros” e ter paciência são fundamentais para poder se viver bem. A nossa mente precisa desenvolver tolerância para todas as posições em que nos encontramos.
            O maior problema de quando estamos em um mau momento em nossas vidas é que tendemos a nos identificar tanto com o que nos causa desprazer que ficamos desesperados e deixamos de enxergar a realidade. Acreditamos, nesse desespero, que tudo que é ruim é algo que será para sempre e que jamais passará. Isso é verdadeiramente enlouquecedor e nos faz crer que estaremos para sempre presos à uma eterna noite escura e assustadora. Nossos temores, nesses momentos, tomam uma proporção irreal em termos lógicos e racionais, mas sentimos que nossos terrores nos dominam e destroem tudo que há de bom. Só que nem sempre o que sentimos é necessariamente verdadeiro e saber diferenciar é vital.
            Quem não aprendeu a se distanciar do que sente fica sempre preso às piores fantasias que podem existir. Agora, dar um passo para longe dessa roda para melhor avaliar o que realmente acontece, para poder adquirir uma visão panorâmica da nossa vida, é o melhor recurso que podemos dispor porque nos mostra que nunca ficamos apenas numa única posição, mas que esta pode mudar para outra mais favorável. Quando a gente consegue enxergar que a roda gira e que teremos muitos momentos tanto bons quanto ruins, ficamos mais tranquilos quando algo mau nos ocorre já que saberemos que momentos passam e não são sentenças definitivas. Isso é ser realista e também mais humano. Ao entendermos a roda da vida passaremos a aproveitar tudo que existe de bom e também a tolerar o que há de mau. Saberemos que não somos donos de nada e que nada controlamos. Somos apenas humanos e precisamos aprender a viver todos os altos e baixos que a vida nos dá.