segunda-feira, 22 de junho de 2015

Análise de Filme - Cake


            O filme Cake (2015) retrata uma história de dor. Claire, uma mulher que sofreu um acidente que a deixou destruída fisicamente, tem que lutar com dores crônicas intoleráveis e que a deixam depressiva. Faz uso maciço de medicamentos controlados para aliviar as suas dores que nunca parecem diminuir. Pelo contrário, suas dores só aumentam e mais ela vai abusando das drogas para, desesperadamente, encontrar certa paz. Acontece que inicialmente somos levados acreditar que o filme mostra como a dor física imensa que ela vive é que é o problema, porém a verdade é outra. A dor que ela sente e que realmente a machuca não é física, mas mental.
            Ocorre que a dor mental nem sempre é bem acolhida. Este tipo de dor, que não tem como ser medida, se encontra na dimensão subjetiva, ou seja, ela não tem um local, mas está em todo o ser e define como as experiências de vida podem ser vivenciadas. Claire perdeu muito mais no acidente, perdeu o próprio filho que estava com ela em seu carro. Entretanto, Claire tenta de todas as maneiras desviar o foco da origem de sua real dor e volta-se para o seu corpo. Assim é o corpo que padece, é o corpo que sente dor e com isso ela tenta, inutilmente, negar a dor da alma, que é bem mais esmagadora.
            Para se esquecer da perda do filho mantem seu marido longe. Afinal, a presença do marido pode evocar memórias que ela prefere deixar abafadas. Ela o trata como inimigo, alimentando desdém e intolerante com o sofrimento que o marido também está passando. Como ela poderia acolher a dor do marido se a sua própria já lhe era insuportável? Não só o marido ela afasta, mas todos aqueles que querem ajuda-la. Ela é tomada de tanto ódio que este se volta contra si mesma e ela se coloca num lugar onde fica inacessível a qualquer ajuda. É assim que ela passa a se ver, como alguém além de qualquer ajuda.
            Devido ao trauma do acidente ela só consegue andar de carro se for com o banco deitado, mostrando que não suporta ver a vida de frente. Toda a dor em sua mente é transferida para o corpo. Esse deslocamento é também uma forma de não encarar a vida, de não olhar para si e de negar a real natureza de seu sofrimento. Para aplacar a dor Claire participa de um grupo de ajuda aos portadores de dor crônica e lá ela conhece uma jovem que se suicida, deixando marido e filho sozinhos. Ao entrar em contato com essa família ela vai percebendo que não é a única que sofre dores, que outras pessoas também passam por perdas e situações difíceis. E é justamente essa percepção que vai se formando que a ajuda a compreender o significado de sua dor.
            A sua empregada, Silvana, a ama e nunca deixou de estar ao seu lado, mesmo que Claire muitas vezes a tratasse com cinismo e desprezo. Silvana funciona como uma terapeuta, trazendo realidade para as experiências de Claire. Também como terapeuta questiona Claire em vários momentos e consegue mostrar que Claire torna-se egoísta quando se envolve tão apaixonadamente com sua dor e ódio que se esquece de viver e levar os outros em consideração. Em outras palavras, a sua empregada lhe faz um corte analítico que promove descobertas num nível subjetivo.
            Não é mesmo fácil passar por dores e perdas. Queremos negar as experiências dolorosas e desprazerosas preferindo até mesmo sentir dor física do que mental. Contudo, negar a própria dor é evitar que ela possa ser digerida. A mente não tem como ser negada sem sérias consequências. O preço dos nossos sofrimentos é alto, mas o preço das nossas negações é sempre mais alto e mais amargo. Chega uma hora que precisamos aprender a enfrentar nossas dores. Só assim a vida pode existir.

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