segunda-feira, 28 de abril de 2014

Procrusto e os seus perigos


                Na antiga mitologia grega Procrusto era um bandido louco que tinha em sua casa uma cama de ferro, no seu exato tamanho, para a qual convidava todos o viajantes a se deitarem. Caso os hóspedes fossem demasiados altos, ele amputava o excesso de comprimento para ajustá-los à cama, e os que tinham pequena estatura eram esticados até atingirem o comprimento suficiente. Ele torturou e assassinou muitos até que foi capturado por Teseu que prendeu Procrusto em sua própria cama e cortou-lhe a cabeça e os pés, aplicando-lhe  o mesmo suplício que infligia aos seus hóspedes. Essa estória mitológica revela algo que vem acontecendo muito hoje em dia e que acaba por trazer muita confusão e mal-entendidos: a padronização.
            Padronizar é perigoso e inútil porque cada ser é diferente dos outros. Comparar crianças pequenas, por exemplo, e que tanta gente faz, é algo que deveria ser evitado porque não traz verdade. Há crianças que se desenvolvem mais rápidos e outras mais devagar e a maneira e velocidade de cada criança não é um indicativo de que algo, necessariamente, vai mal. É preciso saber respeitar o tempo de cada um. No entanto, existem muitas pessoas e escolas para crianças bem pequenas que insistem em criar padrões que só levam os pais ao desespero achando que seus filhos têm algum problema porque comparado com outra criança ainda não faz uma determinada coisa.
             Obviamente que os adultos devem estar atentos aos sinais dos pequenos e procurar ajuda quando percebem que algo está destoando. Mas esse exercício de observação deve ser feito com cautela e com muito respeito ao tempo de cada criança, senão vira um exercício persecutório, ou seja, paranoico. Uma demora mais longa na criança aprender a falar, a andar ou a mastigar não deve ser encarado com angústias excessivas. Pelo contrário, quanto mais angústias os pais ou tutores dessa criança viverem mais podem assustar o pequeno que fica mais inibido em seu desenvolvimento. Algumas crianças precisam de mais tempo do que outras. Agora, o que não se deve fazer é colocar todas as crianças na cama de Procrusto.
            As crianças não nascem todas iguais. Há inúmeras diferenças entre elas. Podemos ver que há crianças mais agressivas e outras menos agressivas, lembrando que agressividade quer dizer uma pulsão que faz com que uma dada criança seja mais intolerante ou tolerante, o que por sua vez muda a forma como ela se relaciona com o mundo em sua volta. Cada criança vai ter suas peculiaridades e respeitar e estar presente para ajuda-la é o que importa para que ela possa viver um bom desenvolvimento.
            Einstein, que ninguém tem dúvidas de sua genialidade, demorou anos para aprender a dizer as primeiras palavras e a andar e houve até mesmo um episódio no qual um professor disse aos seus pais que deveriam desistir dele porque ele não seria ninguém na vida. Pois é, esse professor colocou Einstein no modelo que ele considerava que era uma criança padrão e com isso fez mais mal do que bem e passou para a história como ridículo. Teseu já venceu Procrusto, devemos agora vencê-lo nas nossas ideias e pensamentos para que muitas crianças possam se desenvolver no seu ritmo e com confiança.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Pergunta de Leitor - Sentir a experiência


Sou um grande entusiasta da psicanálise. Sou formado em filosofia, mas sempre me interessou muito a psicanálise e o quão rica em significados e sentidos ela tem. Tenho muitos livros sobre o assunto e gosto muito de estudar. Faço até parte de alguns grupos de estudo. Entretanto, nunca passei por uma análise. Não sinto que me é necessário. Muitos colegas já me disseram que eu deveria me submeter a uma análise. Será que é necessário mesmo? É possível ser um psicanalista sem passar pela análise?

            A psicanálise pode ser muito entusiasmante de fato. No entanto, você se entusiasma só pela teoria e não por todo o processo. Você gosta da parte teórica da psicanálise e não da parte da vivência, ou seja, você enxerga a psicanálise como um exercício intelectual e não com uma experiência emocional e transformadora.
            Tornar-se um psicanalista é acima de tudo uma experiência emocional e pessoal. Ninguém se torna um psicanalista porque lê livros sobre psicanálise. Estudar é até, relativamente, fácil, mas o que conta para o psicanalista é a sua vivência ao passar por um processo de análise. A transformação e sentidos novos não vêm através da leitura teórica, porém podem vir como resultado do encontro entre a fala do analisando e da escuta do analista. Esse encontro é que propicia a verdadeira transformação.
            Provavelmente em seu email você está a falar da sua resistência. Resiste a entrar num processo analítico porque entrar nele é entrar no desconhecido. Ninguém sabe o que pode surgir e se apresentar na própria análise, por isso que se trata do desconhecido. Você valoriza muito o que você sabe e teme perder essa posição. Só que quem se agarra apenas ao que sabe não abre espaço para o que não sabe e se imobiliza no desenvolvimento.
            A sua resistência está a serviço do controle. A intelectualidade é de fácil controle e é a ela que você se prende. Já a experiência emocional requer a entrega e a supressão do controle. Você estuda a psicanálise, mas não se entrega a ela por medo de perder o controle. Quem sabe ao refletir sobre isso você não possa abrir mão do controle e começar a ver a psicanálise inteira e não só de maneira parcial? Depende de você mesmo.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Abrir os Olhos


            No meio de tantas más notícias e tragédias uma notícia em especial me chamou atenção e mostra que vale a pena e muito! ter esperanças na humanidade apesar de ultimamente nos darmos conta de tantas desgraças. A notícia: Um jovem no Irã condenado à morte por ter assassinado outro jovem de 18 anos numa briga de rua em 2007 foi salvo pela mãe da vítima na última quinta-feira (17 de abril). De acordo com o relato do pai da vítima, sua esposa havia sonhado com o filho morto que dizia estar bem e que não precisavam matar o seu assassino. Momentos antes do criminoso ser enforcado, a mãe subiu até ele, desferiu um tapa em sua cara, ajudou a tirar a corda em volta de seu pescoço, disse que o perdoava e saiu de lá aos prantos. O assassino também chorava e todos que presenciaram a cena ficaram comovidos.

            Sobreviver ao próprio filho já é para a mãe uma coisa horrível e imensamente dolorosa. Espera-se que a vida siga o curso natural que prega os pais irem antes de seus filhos, mas quando a morte do filho é fruto da violência e das mãos de um assassino a dor fica insuportável porque nesses casos tem-se alguém para culpar e que foi responsável por esse desatino. Na lei Iraniana alguém culpado pela morte de outro sofre a pena de morte. Se tirou uma vida, terá a sua vida também tirada. É a velha lei do olho por olho, dente por dente, lei esta mais antiga do que podemos imaginar e que tem no ato de vingança a sua justiça.

            A dor que esta mãe sentiu ao saber que seu filho tinha sido assassinado deve ter sido enorme ainda mais porque anos antes ela já havia perdido outro filho num acidente de moto. É de enlouquecer qualquer um e ela tinha todos os motivos do mundo para querer ver o assassino de seu filho enforcado. Porém o ser humano pode ser surpreendente e digno de atitudes magistrais. A dor que sentia e que sempre sentirá pela perda de seu filho não irá diminuir, mas ela não permitiu que essa mesma dor dirigisse sua mente e a levasse à vingança. Ela entendeu que a morte do assassino não iria resolver o seu sofrimento e nem reparar a sua perda. Iria apenas gerar mais violência e raiva. Ela abdicou da vingança e promoveu a verdadeira justiça. Agora o assassino cumprirá pena na prisão e poderá, teoricamente, refletir sobre o que fez e o que lhe aconteceu.

            Só mesmo uma mulher madura emocionalmente poderia ter tal atitude. A educação sentimental, que tanto nos faz falta, é de vital importância para como a sociedade pode agir. Ao dar um tapa no assassino e perdoá-lo ela foi tal como uma mãe para ele. Ela o reprendeu, mas pôde ao mesmo tempo amá-lo. Isso não é para qualquer um, mas apenas para aqueles que se permitem aprender com as experiências de vida e que não deixam a dor dominar. A humanidade tem muita coisa boa a oferecer, só precisa se dedicar mais àquilo que engrandece a vida e a torna realmente digna. Atitudes assim são poucas, mas a esperança é a última que morre. Gandhi dizia “Se o mundo continuar na lei do olho por olho, todo o mundo acabará cego”. Que tal renunciarmos à cegueira e abrirmos os olhos? Que tal aprendermos a sair de nossas dores e a fazer disso tudo algo maior e melhor. É um trabalho de todos, mas precisamos acordar o quanto antes.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Pergunta de Leitora - Segurança e Confiança


Meu filho já está com sete anos e até agora não largou a chupeta. Antes, quando ele era menor era até bonitinho ele usar chupeta mas agora acho que passou dos limites. Tenho vergonha quando ele chupa a chupeta na frente dos outros e dos familiares que criticam que não estou sendo firme o suficiente com ele. Meu marido já está irritado com nosso filho e fica falando que se ele não parar com a chupeta ele é um mariquinha. Não sei mais o que fazer e na escola ninguem conseguiu me ajudar. Será que ele tem problemas psicológicos? Como eu tiro a chupeta dele? PS. Já fiz isso ele chora sem parar por dias seguidos.

            Não é mesmo fácil ser criança. Apesar de que muitos imaginam que ser criança é ter vida boa, na verdade é uma época de grandes turbulências e ansiedades. A criança é um ser dependente e por isso mesmo é possuída por fantasias de desamparo e abandono. Desde uma idade muito precoce a criança tem que se deparar e lidar com muitos sentimentos e conflitos. Crescer pode ser muito assustador.
            Durante o crescimento a criança pode eleger um determinado objeto que seja um ponto de referência. Algumas fazem uso de travesseirinhos, cobertorzinhos e bichinhos de pelúcia. Quando seu filho usa a chupeta ele está buscando um ponto de referência para aplacar seus sentimentos de insegurança. Ele retorna a um hábito antigo e conhecido, e por isso mesmo seguro, para não se sentir invadido por sentimentos dos quais não se sente preparado para dar conta.
            De nada adianta usar a violência para diminuir esse hábito. Quanto mais xingamentos e atitudes de repreensão seu filho vivenciar mais ele vai se sentir desprotegido e carente do uso da chupeta. Nesse caso é necessário ter muita paciência para poder ajudar seu filho a se sentir seguro para abandonar a chupeta e criar mecanismos de segurança mais maduros. Pode começar combinando com ele que existe uma hora e um lugar para ele fazer uso da chupeta. O acordo permite que cada um ceda de um lado. O acordo é sempre um bom negócio.
            É preciso também entrar em um acordo com seu marido para que ele pare com ações que nada ajudarão. Xingar o próprio filho é desampará-lo, sendo que o que ele mais necessita é se sentir seguro para poder crescer com confiança. Dar limites às críticas dos familiares também é importante. Ao entender que o processo de amadurecimento é mesmo complexo você poderá ajudar seu filho com mais segurança e confiança, que é justamente o que ele mais precisa.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

O Santo Graal


            O santo graal é descrito como a taça que Jesus usou na última ceia. Como um objeto físico é considerado perdido e por muito tempo, principalmente na Idade Média, foi procurado em vários lugares. Queriam achá-lo por que acreditavam que quem o achasse seria cumulado de incontáveis bênçãos divinas. Muitos levaram tão a sério essa busca pelo graal que desperdiçaram suas vidas inteiras em buscar algo que existe de fato, mas apenas metaforicamente.
            É comum trocar o pensamento simbólico por algo concreto. Símbolos necessitam de uma mente mais refinada e que se proponha a pensar e não simplesmente acreditar que tudo está no plano físico. O graal, essa taça mítica, existe verdadeiramente, porém como símbolo de algo muito importante na vida. A busca pelo graal deve ser algo que nos oriente sim, só que através do nosso mundo interno. Em outras palavras quem busca pelo graal busca por si mesmo.
            Nenhum objeto concreto e físico é detentor de poderes divinos. Acreditar em relíquias santas é um pensamento infantil que prima que algo de fora nos dá poder. Melhor transformar esse pensamento primitivo em outro e procurar esse “poder divino” dentro de si próprio, dentro da sua própria mente. É realmente uma pena que a maioria das pessoas tenda a não acreditar que a própria mente é um dos maiores tesouros que poderão ter na vida. Valorizam tanto o que existe externamente e se dispõem a correr atrás de tudo o que lhe for alheio que esquecem de buscar e desenvolver seus mundos internos.
            Como taça, o graal, recebeu benção e sabedoria. Porém, essa taça está disponível para qualquer um que se proponha a encontrá-la dentro de si. Ou ainda melhor, para qualquer um que se proponha a construí-la em si. Essa taça é a representação da nossa própria mente que necessita ser sempre “buscada”. A jornada mais espetacular que alguém pode empreender é a jornada interna. Só com a mente desenvolvida podemos aproveitar a vida de maneira eficaz. Todos estão sempre convidados a buscar pelo graal, contanto que sejam capazes de entender o que significa essa busca e o que ela encerra. A verdadeira corrida pelo graal nos é sempre disponível.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Pergunta de Leitora - Do Trauma ao Trunfo


Hoje estou com 22 anos e desde os meus 13 meu tio abusou sexualmente de mim. Isso me deixou muitos traumas e até hoje nunca consegui ter um relacionamento sério e nunca tive relações sexuais normais com alguém. E para piorar quando eu era abusada eu sentia prazer. Como explicar isso? Será que sou uma desvirtuada? Meu tio mora até hoje na minha casa e eu finjo que nada ocorreu. Ele também nem toca no assunto do que já fez no passado. O que posso fazer para tirar essas imagens da minha cabeça e parar de sentir prazer quando me lembro delas?

            O incesto é um ato antissocial dos mais graves tanto que Freud escreveu que a civilização só é possível quando determinados atos podem ser contidos. Sem a possibilidade de contenção de determinadas atitudes a civilização seria impraticável. O incesto é um ato de violência potencializado e quem cai nele é, certamente, louco. Esse é o caso do seu tio.
            O abuso sexual é catastrófico por si só, mas quando ele é praticado por alguém da própria família que supostamente deveria zelar pelo bem estar e pela segurança do menor é mais trágico ainda. Uma família que vive sem as regras básicas de civilização é uma família sem a menor possibilidade de oferecer segurança emocional para uma criança e de mostrar a ela que na vida nem tudo se pode e que há determinados atos que só levam à desorganização psíquica.
            Hoje você se percebe assim, desorganizada internamente. Sente prazer com as lembranças quando ao mesmo tempo também sente repulsa e é por isso que se sente desvirtuada. Quando os órgãos genitais são manipulados é provável isso causar certa excitação e esta pode ser sentida como prazer. Foi isso que lhe aconteceu. Hoje você está em dúvida sobre qual sentimento mais lhe domina: prazer ou repulsa e por isso vive em conflito. Não só seu corpo foi abusado, mas também a sua mente e a sua autoimagem. Você não entende que o que lhe foi feito é avassalador e criminoso, tanto que aceita morar sob o mesmo teto que o abusador.
            Para se livrar das imagens e do prazer que te assustam vai ser preciso se tratar com alguém que saiba te escutar para ouvir o que você tem a dizer desse ato que sofreu. Em outras palavras, vai precisar se organizar internamente e desta vez de uma maneira que lhe seja favorável e sadia. Atualmente você tem um trauma, mas pode fazer desse trauma um trunfo que lhe permita entender que há barreiras que não devem jamais ser ultrapassadas. Vai aprender a se fazer justiça, que é o que lhe falta. Sartre, filósofo francês, dizia que mais importante do que os outros nos fizeram é o que vamos fazer com o que os outros nos fizeram. 

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Acumuladores


            Existe na TV paga um programa que se chama Acumuladores e nesse programa é mostrado o interior das casas de algumas pessoas que têm dificuldades em jogar qualquer coisa fora e acabam acumulando tudo, mesmo que seja até lixo. Quando se vê o estado em que ficam os cômodos da casa, repletos de entulhos que vão desde embalagens de produtos, roupas velhas, papéis, revistas e jornais, o sentimento que desperta é de um grande choque bem como a pergunta de como se chegou a esse estado. Obviamente essas pessoas não são apenas desorganizadas, mas têm graves problemas psicológicos.
            Salas inteiras ficam tomadas por tantas coisas inúteis que sofás, poltronas e outras mobílias ficam embaixo de montes de lixo. Há pessoas que não conseguem mais dormir em suas camas pois estas estão cheias de objetos e outras nem mais podem usar suas cozinhas já que usam o forno e geladeira como armário para guardar coisas que não deveriam estar lá. O que se vê é que a casa perde o seu sentido. Em vez de um lar torna-se um depósito de quinquilharias. O que será que acontece na mente desses acumuladores para deixarem as coisas num estado tão calamitoso?
            A resposta pode ser encontrada na ansiedade de separação. Quando nos separamos de alguém ou até mesmo de algum objeto que estimamos sentimos a perda e é justamente esse sentimento que muito frequentemente se tenta evitar. A perda é sentida como algo negativo, como algo que deve ser evitado. A perda em nossas mentes causa desprazer e nosso funcionamento mais básico faz com que fujamos do desprazer e que vamos atrás  daquilo que pode nos causar prazer. O grande problema aqui é quem não admite a perda fica impossibilitado de se desenvolver, pois o desenvolvimento implica aceitar a perda de algo passado e ir adiante na vida. Todo crescimento significa abandonar algo passado para que algo novo possa surgir e tomar forma.
            Os acumuladores projetam em objetos físicos o que se passa em suas mentes. Eles não conseguem se separar de nada, pois temem a dor que a separação acarreta e com isso não permitem se desfazer de coisa alguma. Ao acumular se sentem protegidos e seguros da ansiedade de separação. No entanto, não percebem que se empobrecem. O que falta a essas pessoas é conseguirem desenvolver um estado de mente que permita a aceitação da perda. É aprenderem que nem toda perda é negativa e que ela se faz necessária para que busquemos coisas novas. O acumulador é uma pessoa que não tem dentro de si recursos que o ajude a avaliar o que é necessário em sua vida. Assim, tudo parece que vai lhe fazer uma falta imensa. Quando a casa dessas pessoas fica atulhada é porque a própria mente dessas pessoas também está atulhada de coisas que seria melhor se fossem abandonadas. É preciso saber se separar, caso contrário a mente fica tão cheia e saturada que perde a sua função que é pensar. Quem não pode fazer uso da mente não consegue construir uma vida com qualidade.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Pergunta de Leitora - Devorada pelo medo


Não sei o que me acontece. Tenho medo de estar ficando louca. Tenho 36 anos e sou casada há 10. Amo meu marido e ele é quase tudo para mim. Não temos filhos. O que me acontece é que morro de medo de vir a perdê-lo. Tenho muito medo de que ele morra e eu fique sozinha e sem ninguém. Todos os dias me vem esse terror e já teve noites que acordei só para me certificar de que ele ainda estava vivo. Ele é jovem e saudável mas a vida para ser tão incerta que tenho medo de perder o que mais amo. O que faço? Como controlo isso?

            Ao temer a perda você sofre todos os dias, porém o sofrimento é causado pelo temor da perda e não pela perda em si. Faz do temor a sua infelicidade e torna a sua vida miserável. Sente que está enlouquecendo, ou seja, perdendo a si mesma e sente que é necessário mudar essa situação.
            Para Sêneca, filósofo e escritor romano do primeiro século D.C., temer a perda e perder é a mesma coisa. Ele escreveu:  Não há tragédia maior do que alguém preocupado com o futuro, infeliz antes da infelicidade e permanentemente angustiado diante da idéia de não poder conservar até o fim o que ama. Nunca saberá do repouso, e na ansiedade do futuro, perderá o presente que poderia gozar. Esse parece ser o seu caso.
            O problema de viver desse jeito é que você deixa de viver o presente e passa a tentar viver um tempo que não é o seu. Você tenta controlar o futuro para que ele não te traga nenhuma frustração. Só que esse futuro imaginado é fruto da ilusão e não da realidade. Você só pode viver a realidade e lidar com aquilo que é possível, caso contrário sofre pela ilusão.
            Falta-lhe decifrar o seu inconsciente e entender porque vive o presente como se já tivesse perdido o seu marido e porque você se subtrai do seu tempo. Inconscientemente há uma razão para essa fantasia existir e ao compreendê-la poderá dar a ela outro desfecho. Na análise o inconsciente se revela e assim poderá se livrar da repetição que te prende e poderá viver de maneira melhor. O inconsciente é tal como a esfinge da mitologia que quando não é decifrada devora o interlocutor. Para não mais ser devorada pelo sofrimento se faz necessário decifrar a razão do sofrimento.