segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Encontro Marcado com a Vida Mental




            Uma antiga historieta medieval pode nos ajudar a compreender melhor nossa relação com nosso mundo interno, psíquico. “Um servo que um dia estava na feira olhando vários produtos dispostos se deparou com a morte que olhou para ele de uma maneira estranha. O servo ficou com muito medo e saiu correndo até a casa de seu senhor. Lá ele suplicou que havia sido sempre um bom servo e pediu um cavalo para fugir para Salamanca já que a morte o havia olhado. O senhor, que gostava muito do servo, concordou em dar o cavalo e deixou o servo fugir para a cidade de Salamanca, mas intrigado com a situação foi a feira e ao ver a morte a indagou porque ela tinha assustado seu servo tão querido. A morte então lhe respondeu que não o tinha assustado, mas que tinha ficado surpresa ao encontra-lo ali quando nessa mesma tarde ela tinha um encontro marcado com ele na cidade de Salamanca”.
            Nunca conseguimos nos livrar dos nossos problemas psíquicos. Muita gente imagina que basta não pensar, tentar evitar ou postergar o mundo emocional que ele desaparecerá magicamente. Ledo engano! Isso nunca acontece e o que se passa é que quando mais evitamos aquilo que é nosso, do nosso mundo interno mental mais vamos pagar caro para viver. Quando fingimos que não precisamos nos responsabilizar pelo nosso mundo interno mais esse mesmo mundo psíquico nos cobra demasiado.
            Há pessoas que tendem a encarar o mundo interno como se fosse algo secundário. Quando alguém sofre de alguma doença orgânica, por exemplo, busca tratamento, remédios e dependendo do caso até cirurgia. Porém, quando muitas pessoas padecem de depressão, angústia extrema, medos irracionais desproporcionais, repetições de situações que causam sofrimento, etc. muitos acham que não se trata de algo sério e por isso mesmo não buscam tratamento adequado.
            Aquilo que pertence ao nosso mundo interno não tem como ser evitado. Está ali e por mais que corramos de um lado para o outro sempre nos acompanhará, sempre nos encontrará. Já ouvi um sem número de pessoas que queriam resolver suas angústias apenas mudando de emprego, de cidade, de parceiro amoroso, de casa e por aí vai. Na grande maior parte das vezes queriam fugir do que sentiam como se isso fosse dar certo. Queriam uma mudança externa e esperavam que esta levasse à uma mudança interna. Se não encaramos esse estranho mundo interno nosso não adianta para aonde quer que vamos porque esse mundo interno, com todos os seus conteúdos, estará sempre nos encontrando.
            Tal como o servo da historieta medieval não temos como fugir de algo que já tem um encontro marcado. Nosso mundo interno sempre tem um encontro marcado com nossa vida e se pudermos nos deparar com ele poderemos viver com mais qualidade e não desperdiçar energia em fugas ineficazes.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Pergunta de Leitor - Nem sempre a angústia é má




Estou sempre sentindo uma angústia que não sei explicar de onde vem. Na minha vida está tudo certo. Não tenho grandes problemas e nem sofro muito, mesmo assim fico angustiado, com um sentimento muito ruim. Será que é estresse? E eu não percebi que estou estressado? O que posso fazer com essa angústia? Me ajude, por favor.

            A angústia é um sinal. Sinal de que algo pede por atenção. O que é que vem pedindo atenção você não faz ideia e nem eu, mas isso pode ser investigado. Não só pode como deve porque viver em angústia constante é sempre pesar a vida.
            Ao contrário do que muitos pensam a angústia não é má, mas um instrumento útil para vivermos melhor. É porque se alguém sente angústia tem muito mais chance de procurar ajuda e com isso compreender coisas importantes na própria vida. A angústia já salvou e vem salvando muita gente ao ser um incentivo para buscar mudanças necessárias. Quando alguém procura um psicanalista, por exemplo, é porque está sofrendo angústia, afinal ninguém vai fazer análise porque está bem, mas porque sofre.
            Para se saber o que um sentimento de angústia quer dizer é preciso dar um sentido para ele. Isso só acontece quando você fala da sua vida, se debruça sobre a sua história e os significados vão surgindo. O objetivo da psicanálise é ajudar a pessoa a dar significado para a própria vida e potencializar o que tem de melhor dentro de si. Sem o saber que o autoconhecimento produz não temos como estar bem.
            A angústia não vem só dos problemas concretos da vida ou de grandes tragédias, porém nasce de muitas partes que nos são desconhecidas. Há pessoas que estranham sentirem angústia porque a associam com dramas visíveis e mensuráveis. E ninguém se livra da angústia que sente, já que ela só pode ser transformada e não descartada. A única coisa que você pode fazer (e já é muito) é procurar se autoconhecer para compreender o que vem ocorrendo consigo e mudar aquilo que pode ser mudado.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Uma Questão de Pele Psíquica




           A pele é o maior órgão do corpo humano e também o mais pesado, constituindo mais ou menos 16% do peso corporal de um indivíduo. Ela funciona como termorregulador, como receptor de estímulos e como defesa. Sem a pele ficaríamos sujeitos às muitas ameaças do mundo externo, como bactérias e germes, e adoeceríamos facilmente. 
A pele também comunica como anda a saúde do nosso corpo, tanto que muitas doenças apresentam sintomas através da pele, nos avisando que algo não vai bem. No entanto, muitos não sabem, mas a pele está intimamente ligada à mente e diz muito sobre nossa saúde psíquica.
            É de conhecimento geral que muitas alergias que vemos na pele são frutos do funcionamento mental. Afinal, não há uma separação tão clara e nítida entre o funcionamento mental e biológico. Há pessoas que quando confrontadas com situações difíceis, por exemplo, são tomadas por coceiras intensas. Este é um exemplo bem comum, mas há muitos outros de situações dermatológicas criadas, ou pelo menos intensificadas, por estímulos psíquicos.
            Além de toda a questão médica da pele ela é também a maior zona erógena que nós temos. Infelizmente muitos acham que zonas erógenas são apenas os órgãos genitais e limitam assim a própria sexualidade e qualidade de vida. Mas é a pele que viabiliza o contato entre os corpos, gerando prazer, bem-estar e descobertas. 
Os antigos hindus diziam que a pele toda, do corpo inteiro, era o maior órgão sexual que existia, mas que as pessoas comuns não a utilizavam em toda a sua potência.
São muitas as pessoas que reclamam que seus parceiros querem saber do sexo apenas, mas que são incapazes de carinho e atos de verdadeira intimidade. Há muitos casais por aí que sabem transar, porém não sabem “passear” pelo corpo um do outro causando arrepios, sensações e criando laços de intimidade.
            Não só na sexualidade a pele se faz importante, mas no contato com o próximo em gestos simples, como abraços ou apertos de mão. Obviamente não estou dizendo aqui daqueles gestos pegajosos e inconvenientes, mas daqueles que demostram carinho. Idosos, que muitas vezes são relegados por muitas pessoas, ficam emocionados quando encostamos neles e seguramos em suas mãos. Esse contato entre peles é importante para a vida. 
A pele é muito mais do que “apenas” um órgão biológico, ela é também um componente psíquico de extrema importância para as nossas vidas. Há pessoas que cuidam de suas peles com muito zelo. O órgão biológico, pelo menos, é bem tratado e fica todo vistoso. Contudo, quando falamos da pele “psíquica” o assunto é outro e são muitos os que deixam de lado essa questão. 
Intimidade está em falta porque são poucos os que desenvolvem uma representação mental da pele em seus relacionamentos, o que permitiria trocas afetivas de qualidade. Essa representação mental precisa ser construída, cultivada. 
A maior reclamação das pessoas, hoje em dia, é que se sentem só apesar de estarem rodeadas por muitas outras pessoas e possuírem vários contatos. Nesse caso o que está faltando é essa questão de pele, mas de pele psíquica.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Pergunta de Leitora - O Porco e a Vaca




Sou uma pessoa com posses e minha família tinha pouco dinheiro. Sou sozinha, não tenho filhos de modo que quando eu morrer ficará tudo para meus sobrinhos. Eles vão fazer a festa com meu dinheiro, eu sei. No entanto, eles não gostam de mim. Não me convidam para nada e percebo que acham minha presença um tanto quanto aborrecedora. Isso tudo é porque eu não os ajudo agora com nada e nem no passado. Nunca os presenteie, nunca os ajudei. Com isso quero que eles cresçam por si só e que reforcem o próprio caráter. Não facilito mesmo para eles porque sei que se eu facilitar eles vão ficar indolentes. Hoje eles estão bem e não precisam de ajuda. Só que eles não entendem isso que eu fiz com eles de ser dura e que minha dureza é para o bem deles. Acho que eles só querem que eu morra para fazer a festa. Estou sozinha e queria que eles se aproximassem de mim, mas acho que eles são ruins.


            A relação que você vive com seus familiares é de baixa qualidade. Parece que na verdade você criou uma barreira. Apesar de você justificar que suas atitudes são na verdade uma benção disfarçada, parece mais que é uma forma de controle e também de mesquinharia. Há um medo intenso em dar a quem está próximo. Você está pobre mesmo sendo financeiramente rica.
            Você coloca no dinheiro a sua pobreza, ou seja, você não presenteia, não usa seu dinheiro com os outros porque acha que vai criar um bando de pessoas indolentes. Na verdade pode ter mesmo é medo de se doar, de mostrar um lado generoso, de se abrir. Controla tudo com medo do que poderia acontecer caso se abrisse. Porém, hoje está sozinha. Não permitiu se aproximar e nem deixar que se aproximassem de você o que acabou por solidificar a posição de estar sempre só e inacessível. Está cheia de dinheiro, mas falta relações de qualidade. Colocou o dinheiro onde deveria ter outras coisas como o afeto.
            Isso não significa que você precisava dar tudo e acabar com seu patrimônio. Isso seria estupidez e temerário. Não se trata de não dar nada ou então dar tudo, mas de poder ser amorosa. Seu medo é de ser amorosa. E exige hoje dos outros o que você mesma não deu: afeto. Quando presenteamos alguém ou ajudamos alguém não se trata só de dinheiro, mas também de afetos. De apostar no outro, de abrir possibilidades. Hoje ninguém parece querer estar perto de você, mas isso não aconteceu à toa. A parábola a seguir pode te ajudar a pensar. 
             Um dia um porco foi até a vaca reclamar que ninguém lhe dava valor. Segundo ele, só recebia menosprezo das pessoas. “Afinal –disse ele – eu doo tudo o que tenho aos homens. Eles consomem minha carne, usam meus pelos para fazer pinceis e aproveitam até os meus ossos. Mesmo assim sou um animal desconsiderado. O mesmo não acontece com você, vaca, que dá apenas o leite e é reverenciada pelas pessoas.” A vaca que ouvia a reclamação do suíno disse “Talvez seja porque eu doo um pouco de mim todos os dias, enquanto estou viva, e você só tem utilidade depois de morto.” Vale a pena pensar um pouquinho que tipo de relações você vem cultivando.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Sexualidade e Independência




            Numa famosa feira de tecnologia nos EUA foi apresentado um produto novo feito por uma turma de engenheiras que deu o que falar. O produto era um vibrador para mulheres cheio de características inovadoras que, segundo se dizia, podia substituir um homem. O prazer proporcionado por essa engenhoca tecnológica era garantido, o que nem sempre acontece quando se trata de um acompanhante masculino. Inicialmente, o vibrador foi saudado como revolucionário e aplaudido, mas depois de um tempo foi retirado da feira e considerado obsceno e profano. Na verdade, foi um grupo de homens que esteve por detrás dessa reviravolta fazendo a engenhoca cair do Olimpo para o inferno.
            A sexualidade feminina ainda não é bem aceita. O fato é que de forma geral a sexualidade não é bem aceita, tanto a masculina quanto a feminina. Os homens, apesar de parecer gozar de uma sexualidade mais direta e livre, vivem tantos conflitos e inseguranças que não dá para dizer que estão resolvidos nessa área. Homens e mulheres se desencontram no campo sexual e vivem com muita pouca qualidade aquilo que é tão importante para a vida.
            Tradicionalmente, ficou vinculado que a sexualidade masculina é dominante, agressiva, que os homens são mais sexuais e vão atrás do que querem. Já às mulheres ficou reservado o papel de submissas, passivas, não tão sexuais (até porque aquelas mulheres mais sexualizadas eram consideradas como devassas) e que ficam sempre à espera dos homens. Só que sexualidade não é isso. Aliás, isso tudo é uma limitação muito grande da dimensão sexual que temos disponível em nossas vidas. Vivemos pobres quanto à sexualidade.
            No caso do vibrador acima ficou escancarado o quanto os homens ficaram inseguros. Um aparelho que promete prazer ao público feminino e até ser mais satisfatório que os próprios homens fez com que muitos deles se movimentassem para condenar o produto e qualifica-lo como algo ruim. Ora, se as mulheres se tornam mais satisfeitas, mais realizadas, elas ficam cada vez menos submissas e isso representa toda uma mudança no que tradicionalmente se fez valer. Homens e até mulheres temem muito mudar a atual condição em que vivemos.
            Em vários lugares no mundo mulheres têm o clitóris extirpado. Alguns querem acreditar que isso é cultural, mas na verdade não. É que mulheres mutiladas, humilhadas, acabam por ficar mais submissas, não lutam por seus direitos e nem procuram mudanças na vida. Em outras palavras, tornam-se sujeitas ao outro, tornam-se objetos e como tal podem ser usadas. Tanto as religiões quanto a política no decorrer da história sempre apresentaram fortes condenações à sexualidade. Um povo que não se conhece (e viver plenamente a própria sexualidade é se conhecer mais) é facilmente manipulado e em vez de serem pessoas livres ficam crianças assustadas e dependentes.
            A revolução sexual que se diz que ocorreu na década de 60 não foi uma verdadeira revolução. Trouxe imensos benefícios como métodos contraceptivos e maior liberdade, mas ainda há muito por fazer. Ainda carecemos de uma verdadeira revolução na maneira que vivemos a dimensão da sexualidade. Enquanto esta não acontecer vamos continuar sofrendo muito e desnecessariamente. Homens e mulheres.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Pergunta de Leitora - Preparação




Sou casada, tenho 44 anos e estou infeliz no meu casamento. Tenho dois filhos, um de 20 e outro de 18 anos. Desde que casei sempre fui a perfeita dona de casa. Fui criada com a ideia de que mulher sem marido é infeliz e que tem que se dedicar para o seu lar. Assim fiz, mas hoje vivo um inferno. Meu marido me trai com várias mulheres e nem mesmo esconde os seus casos. Está ali no celular as conversas que ele tem com suas amantes. Quando eu descobri a primeira traição há anos eu o perdoei até porque eu não tinha o que fazer. Não trabalho, não tenho como me sustentar. Só que ele foi piorando e agora está impossível. Sou humilhada frequentemente. Sei que a separação depende só de mim, mas como não tenho meios fica impossível eu pedir o divórcio. Não tenho a quem pedir socorro. Estou sozinha. Até já pensei em me matar.


            A gente, para casar, deve se preparar. O casamento não deve ser uma coisa que acontece repentinamente e de maneira imprudente. É preciso primeiro conhecer o outro, perceber como é estar com o outro e decidir a partir daí se há um desejo verdadeiro de se estreitar mais a relação. Não fazer assim pode trazer inúmeros enganos que produzirão infelicidade. Assim como para casar é necessário uma preparação, para se separar também é.
            Ainda mais no seu caso que nunca cuidou de si própria. Apesar de ter cuidado da família e da casa, como você mesma disse, faltou aprender a cuidar de você. Hoje você está numa posição de dependência extrema. Em outras palavras está nas mãos de seu marido, que ainda por cima te humilha. Na verdade, com a primeira traição dele você não o perdoou de fato, mas parece que apenas ensaiou um perdão porque temia se separar e ficar só. Ao que tudo indica ele notou esse seu medo e sua dependência e foi abusando mais e mais até que virou esse relacionamento abusivo que você vive e do qual não sabe como sair.
            Não tem resposta fácil para o que você vive. Porém, antes de pensar numa solução é necessário que você resolva questões básicas da sua vida, muito anteriores a que vê no seu relacionamento hoje. Por exemplo, começar a cuidar de si. Precisa entender o que te levou a abandonar a si mesma para que retome ou inicie esse caminho. Sem essa compreensão nada mudará.
            Talvez você precise morrer mesmo, mas não concretamente, mas para essa vida que leva. A morte não precisa ser levada ao pé da letra, mas pode ser uma imagem para se pensar em morrer para a vida antiga e criar uma vida nova, com mais prazer e possibilidades. Que tal o recurso da análise? Nela você poderá “morrer” para aquilo tudo que não te serve nem te favorece e aprender a desenvolver novos recursos para lidar com sua vida de maneira mais eficiente. É você quem vai escolher o que vai fazer com a sua vida. Já está na hora de aprender isso.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Uma Visão Psicanalítica da Tragédia de Brumadinho




            Como não poderia ser diferente essa última semana só se falou na terrível tragédia de Brumadinho que levou muitas vidas, destruiu famílias e o meio ambiente. O poder de destruição desta tragédia é muito maior e mais amplo do que o número de mortos e desaparecidos ou dos aspectos econômicos que já vêm sendo contabilizados, mas atinge fundo em todos nós, na nossa condição humana. Para aqueles que sobreviveram, o rompimento da barreira criará uma marca que carregarão para sempre dentro de si. A vida nunca mais será a mesma. Alguns cairão num estado de mente sem volta de depressão. Podem estar vivos, mas por dentro estarão destruídos. Outros poderão se transformar e tal como a fênix dos mitos que sempre ressuscita das cinzas poderão refazer suas vidas.
            Para aqueles que tiveram a sorte de estar longe da tragédia ou que não tiveram amigos, conhecidos ou parentes dizimados, o acontecimento também traz dor. Menor, com certeza, mas também um sentimento de impotência e espanto. É o nosso país, são os nossos vizinhos e mais uma vez não aprendemos com os erros do passado. Não aprender com o passado sempre leva a repeti-lo, como nos ensina a psicanálise.
            Freud, criador da psicanálise, no famoso artigo de 1914 Recordar, Repetir e Elaborar nos mostra que quando “esquecemos” conteúdos importantes e marcantes de nossas vidas eles não deixam de existir, mas continuam influenciando a vida mental sem que percebamos. Acabamos repetindo os mesmos padrões e obtendo os mesmos resultados trágicos do passado. Assim, não crescemos e não desenvolvemos novos recursos para nos preservamos na vida. Isso tudo, é claro, estou colocando de uma maneira bem simplória e se refere ao funcionamento mental individual. Porém, a sociedade também tem uma mente que, infelizmente, vem repetindo os mesmos erros, sem aprender nada.
            Numa análise o analisando aprende a reconhecer quais “barragens” internas de seu psiquismo está para romper e pode com isso criar novos instrumentos para lidar com esse rompimento. Aprende a se preservar de novas tragédias, desenvolve recursos que antes não existiam, mas que agora o deixam mais fortalecido para viver e enfrentar a vida mental. Com as experiências passadas aprende a ser criativo, em direção ao novo, para que se viva outros resultados e pare de se repetir.
            Como não podemos colocar toda a sociedade, formada pelos políticos e cidadãos, no divã de um analista só resta mesmo cada um de nós, individualmente, se comprometer com o próprio desenvolvimento. Infelizmente, esperamos sempre que o outro, lá fora, seja desenvolvido, que faça o seu melhor, enquanto nós ficamos sempre a postergar o nosso crescimento. Enquanto persistirmos que o problema está apenas no mundo externo e nos outros a sociedade não tem o menor meio de se transformar para melhor. Continuaremos a chorar e sofrer. Concretamente, o “acidente” de Brumadinho poderia ser evitado, mas para isso todos precisamos desenvolver uma mente que crie recursos para nos protegermos dos rompimentos. Primeiro, cada um com os seus rompimentos internos, para depois isso se ampliar para toda a sociedade.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Pergunta de Leitor - O Coração também precisa Falar




Como faço para ter coragem na vida? Tenho medo de tudo. De ficar pobre, de ficar doente, de perder meus pais, de ser assaltado, de não ter emprego, de bater o carro, de ser sequestrado, que o banco vá a falência e afunde minhas economias. Sério. Tenho medo de tudo isso, todos os dias. Há dias que imagino mais uma coisa e menos outra, mas é sempre nesse ritmo e não sei o que fazer para parar tudo isso. Queria ser corajoso, mas me sinto o maior covarde que conheço. O que posso fazer?

            Nos dicionários o significado de coragem é: firmeza de espírito perante perigos, riscos e situações emocionais difíceis.  A origem da palavra coragem vem do latim coraticum que deriva da palavra coração. É que antigamente acreditava-se que o coração fosse a sede da coragem. Não é à toa que o rei inglês Ricardo, tão conhecido nas lendas e histórias por sua coragem e ousadia, foi apelidado de Coração de Leão, um animal que tem fama de ser corajoso. Parece que no seu caso sobra muita mente e falta coração.
            Quando digo que sobra-lhe muita mente quero dizer que há um excesso de “pensamentos” que na verdade não são frutos de um ato de pensar, mas de um ato de alucinar. Alucinações não são tão somente para os “doentes mentais” trancados em hospícios. Uma pessoa saudável também pode alucinar, que no seu caso é se envolver intensamente com as suas fantasias e tratá-las como reais. Você sai da realidade e lida com aquilo que imagina. O medo não é da tragédia do que pode vir a acontecer, porém da tragédia que já está acontecendo quando você vê tudo o que imagina como se fosse real.
            A grande verdade é que podemos muito pouco nessa vida. Somos seres frágeis frente à um mundo perigoso e até hostil. A cada segundo corremos inúmeros riscos dos quais não temos como controlar. Tudo aquilo que você cita que tem medo pode, sim, acontecer, mas ainda não aconteceu e você nem tem ideia se vai acontecer. Fica tão envolvido e apaixonado pelas possibilidades do fim do mundo que deixa de viver o que pode ser vivido agora. Você está mais apegado à imagem do fim do mundo que a vida à sua frente.
            O porquê você vive assim não faço ideia. Aliás, viver não é bem a melhor palavra porque isso não é vida. Ter coragem não significa não ter medos. O “coração” sabe que há perigos e riscos, mas mesmo assim vai em frente e faz o melhor que pode. Ser corajoso é ter medos, como qualquer pessoa, mas é também não ficar imobilizado pelos medos. Que tal investigar a razão de você se envolver mais com suas alucinações do que com sua vida? Para descobrir essas razões precisará do saber que a análise pode te proporcionar para assim poder abandonar as suas alucinações e viver verdadeiramente.