Como não poderia ser diferente essa última semana só se
falou na terrível tragédia de Brumadinho que levou muitas vidas, destruiu famílias
e o meio ambiente. O poder de destruição desta tragédia é muito maior e mais
amplo do que o número de mortos e desaparecidos ou dos aspectos econômicos que
já vêm sendo contabilizados, mas atinge fundo em todos nós, na nossa condição
humana. Para aqueles que sobreviveram, o rompimento da barreira criará uma
marca que carregarão para sempre dentro de si. A vida nunca mais será a mesma. Alguns
cairão num estado de mente sem volta de depressão. Podem estar vivos, mas por
dentro estarão destruídos. Outros poderão se transformar e tal como a fênix dos
mitos que sempre ressuscita das cinzas poderão refazer suas vidas.
Para aqueles que tiveram a sorte de estar longe da tragédia
ou que não tiveram amigos, conhecidos ou parentes dizimados, o acontecimento
também traz dor. Menor, com certeza, mas também um sentimento de impotência e
espanto. É o nosso país, são os nossos vizinhos e mais uma vez não aprendemos
com os erros do passado. Não aprender com o passado sempre leva a repeti-lo,
como nos ensina a psicanálise.
Freud, criador da psicanálise, no famoso artigo de 1914 Recordar, Repetir e Elaborar nos mostra
que quando “esquecemos” conteúdos importantes e marcantes de nossas vidas eles
não deixam de existir, mas continuam influenciando a vida mental sem que
percebamos. Acabamos repetindo os mesmos padrões e obtendo os mesmos resultados
trágicos do passado. Assim, não crescemos e não desenvolvemos novos recursos
para nos preservamos na vida. Isso tudo, é claro, estou colocando de uma
maneira bem simplória e se refere ao funcionamento mental individual. Porém, a
sociedade também tem uma mente que, infelizmente, vem repetindo os mesmos
erros, sem aprender nada.
Numa análise o analisando aprende a reconhecer quais “barragens”
internas de seu psiquismo está para romper e pode com isso criar novos instrumentos
para lidar com esse rompimento. Aprende a se preservar de novas tragédias,
desenvolve recursos que antes não existiam, mas que agora o deixam mais
fortalecido para viver e enfrentar a vida mental. Com as experiências passadas
aprende a ser criativo, em direção ao novo, para que se viva outros resultados
e pare de se repetir.
Como não podemos colocar toda a sociedade, formada pelos políticos
e cidadãos, no divã de um analista só resta mesmo cada um de nós,
individualmente, se comprometer com o próprio desenvolvimento. Infelizmente,
esperamos sempre que o outro, lá fora, seja desenvolvido, que faça o seu
melhor, enquanto nós ficamos sempre a postergar o nosso crescimento. Enquanto persistirmos
que o problema está apenas no mundo externo e nos outros a sociedade não tem o
menor meio de se transformar para melhor. Continuaremos a chorar e sofrer. Concretamente,
o “acidente” de Brumadinho poderia ser evitado, mas para isso todos precisamos
desenvolver uma mente que crie recursos para nos protegermos dos rompimentos. Primeiro,
cada um com os seus rompimentos internos, para depois isso se ampliar para toda
a sociedade.
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