segunda-feira, 28 de maio de 2018

Maturidade e Bom Senso




            Uma antiga parábola hindu nos conta sobre um estrangeiro que foi visitar um país muito próspero, governado por um ministro muito sábio. Era noite e quando foi levado até a sala do ministro este o saudou com um sorriso e pediu que ele esperasse um pouco enquanto terminava um importante relatório. O visitante assim fez e ficou observando esse homem que tanto havia feito. Num dado momento o ministro terminou o relatório e foi até sua luminária alimentada por óleo e a apagou, acendendo logo em seguida outra luminária. Esse ato intrigou o visitante, que sem aguentar de curiosidade, perguntou se era costume no país apagar uma lamparina e acender outra quando algum trabalho era terminado. O ministro riu e lhe respondeu que enquanto ele fazia o trabalho do país ele usava a lamparina cujo óleo era pago pelos cidadãos, mas que agora era um momento particular e privado e ele fazia uso de sua própria lamparina alimentada pelo óleo pago do próprio bolso.
            Essa parábola existe já há milênios e infelizmente são muitos que não conseguem entender. Veja os nossos políticos, por exemplo, que misturam e confundem o público e privado com tanta frequência. Essa mistura só traz prejuízos e gera inúmeras injustiças que empobrecem os relacionamentos entre os governantes e governados. Quem perde são todos, mas essa confusão ocorre porque é uma questão de falta maturidade em se lidar com a própria mente.
            A maturidade permite haver separação entre o que é meu e o que não é meu. Não só na política essa confusão traz transtornos, mas nos relacionamentos amorosos, familiares, no trabalho, com os colegas e vizinhos. A separação é um estado de mente que precisa ser desenvolvido, ninguém nasce com ele, porém quando vamos diferenciando e trazendo limites para o que somos e o que podemos fazer a separação pode acontecer.
            A falta de separação entre um casal pode fazer com que um dos dois ache-se no direito de mandar no outro e decidir o que é bom ou não para a vida do parceiro(a). Tudo isso leva a um desgaste e a um prejuízo para o relacionamento. Ás vezes, um crer que pode tudo num casamento ou namoro em detrimento do outro faz com que a união se torne intolerável e conduza ao rompimento. Quem age pelo outro, mesmo que diga que é nos seus melhores interesses, é na verdade imaturo e vive como se ele e o outro não tivesse separação alguma.
            Um pai ou uma mãe que também age sem separação alguma no seu trato com seu filho causa muitos problemas. É como, se nesses casos, não houvesse pessoas diferentes, mas fossem todas uma única pessoa. A maioria dos desentendimentos, atos de corrupção, mal estar que vemos sempre por aí são frutos dessas atitudes que desconhecem que os outros e eu somos seres diferentes. Sem fazer essas separações a vida, seja individual ou socialmente, fica impossível.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Pergunta de Leitora - Mentiras e Verdades em um Relacionamento




Meu marido me contou que é gay. Ele tentou de todas as maneiras ser heterossexual comigo, mas diz que fracassou. Ele queria ter uma vida mais aceita socialmente e por isso me namorou e casou comigo. Chorando ele se revelou e me pediu muitas desculpas. Eu fiquei brava, zangada e o fiz se sentir pior ainda. Falei o quanto ele era um cretino, um manipulador, alguém desprezível. Fiz dele gato e sapato. Só que secretamente eu não poderia falar nada. Eu sempre o traí com um antigo namorado. Meu amante e eu nos encontramos até hoje quase umas duas vezes por semana num motel. Até já viajamos juntos e disse ao meu marido que ia sozinha a trabalho. Enfim, eu também o enganei e não fui verdadeira. Fiquei confortável quando o xinguei e o fiz se sentir mal, mas sei que não fui verdadeira. Não estou conseguindo viver assim, fazendo ele chorar de vergonha, mas também tenho medo de falar a verdade e eu ficar com fama de adultera. Não sei o que devo fazer.


            Vocês dois se usaram e ainda se usam. O que liga um ao outro não parece ser o amor, mas a vergonha, culpa e necessidade de parecer uma coisa que na verdade não se é. Há muitas pessoas vivendo assim, ou melhor dizendo, sobrevivendo. Ninguém tem nada a ver com a forma que vocês querem viver, porém há outras maneiras que talvez lhe sejam muito mais favoráveis.
            Ele te enganou e você o enganou. O relacionamento entre vocês é falso. Falta verdade nele. Por que vocês insistem em ficar juntos nessas condições não faço ideia, mas seria interessante você investigar o que te faz ficar num relacionamento desses. O que te impede de viver um relacionamento que lhe seja mais satisfatório? Por que você precisa de alguém para culpar? São respostas que você deve buscar para esclarecer a posição em que você se coloca.
            Outra coisa a considerar é que seu marido se revelou. Acabou te dizendo a verdade sobre ele. Podemos ousar dizer que até foi honesto. Quem está mentindo agora é você. Cabe a você decidir se quer continuar na mentira ou encarar a verdade. Está em suas mãos. Ninguém vai poder decidir a sua vida por você.
            Não há respostas prontas e nem o certo e errado nessa história, mas há o que você quer viver. Qualquer que seja sua decisão haverá um preço a pagar. É fato que na vida sempre pagamos um preço. A questão que você precisa responder é qual o preço que você pode pagar?

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Um Bom Negócio





            Os desafios, sejam emocionais, profissionais, pessoais ou de qualquer outra natureza sempre se apresentam em nossas vidas e não há como ser diferente. Até gostaríamos de viver sem nenhuma adversidade, porém isso é ilusório e nunca vale a pena desejar o impossível, pois isso só promove a infelicidade. Portanto, o melhor é acolher os desafios e não brigar com eles.
            Só que temos duas opções quando nos deparamos com algum desafio ou tarefa difícil que nos é exigido pelas circunstâncias da vida. A primeira e mais fácil de todas é virar as costas ao desafio ou simplesmente desistir. Já a segunda opção é aprender a lidar com a adversidade.
            Enquanto algumas pessoas justificam a desistência de enfrentar as dificuldades da vida dizendo que não conseguem, que não dá, que é muito trabalhoso; outras resolvem encarar as dificuldades de frente fazendo o possível para tirar boas aprendizagens. Há pessoas que nem mesmo tentam lidar com as adversidades, porém há outras que se esforçam o máximo para obter uma melhor condição de vida.
            São muitos os fatores e razões que levam uma pessoa agir por um jeito ou outro frente aos desafios: tipo de educação, modelos familiares, maior ou menor tolerância às frustrações, etc. Contudo, só crescemos ou só nos tornamos verdadeiramente adultos quando escolhemos como vamos viver. Quando passamos a ser responsáveis pela nossa vida.
            O que vai permitir escolher bem é entender a diferença entre essas duas maneiras de se lidar com os desafios. Desistir, por exemplo, é mais imediato, infantil e sem custo pessoal algum. Quem desiste fácil arruma mil e uma justificativas e todas elas baseadas numa falsa racionalidade. Quem enfrenta as dificuldades sabe que vai pagar caro e que isso é mais difícil do que criar justificativas para a estagnação. Todavia ,as conquistas advindas dos esforços são recompensas valiosas que só enriquecem e dão um gosto para vida da qual se torna impossível abrir mão. No fim, ser adulto é sempre um melhor negócio.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Pergunta de Leitora - Rédeas da própria Vida





Meu namorado é um filhinho de mamãe. Ele tem 23 anos e já está indo para a reta final de seu curso na faculdade. No entanto ele não faz nada sozinho, sem a ajuda de sua mãe. Ela o acorda todas as manhãs, não permite que ele tenha nenhum tipo de trabalho domestico. Até mesmo quando há provas ela que o lembra de estudar e a que hora fazer isso. Enfim, pensei que pudesse ter uma vida adulta com ele mas chego a conclusão de que não será possível. Será que posso fazer alguma coisa para tirá-lo da barra da saia da mãe? Queria insistir um pouco mais. Porque eu não serei uma segunda mãe, com certeza. Mas o que faz um homem viver assim?


            Seu namorado é atendido em todas as suas necessidades e desejos e você percebe que isso o infantiliza deixando-o impotente para viver e experimentar a própria vida. Você pergunta o que pode fazer a esse respeito, mas talvez você mesma já saiba que não há nada a fazer.
            Ninguém obriga o outro a crescer e a posição que seu namorado se encontra é muito cômoda e satisfatória para ele. Viver sem ter que pagar o preço é prazeroso, mas também falso. Seu namorado perde tempo porque não se prepara para a vida.
            Quem tem que tomar essa decisão por mudar essa condição de como ele vive é ele e não você. Aliás, se você insiste em tomar essa decisão você estará fazendo a mesma coisa que a mãe dele e o deixando na mesma posição de antes. Sim, porque se você decide que ele tem que mudar é o mesmo que tomar as rédeas da vida dele. Apenas troca-se quem manda, mas a situação permanece.
            Como você mesma disse que ser a segunda mãe não lhe é uma opção válida só resta mesmo se perguntar por que você insiste em ficar com ele. Ele não é o homem que você, aparentemente, procura e valoriza. Então qual a razão de insistir? Convenhamos que amor não é já que não tem como você amar um homem que você despreza como vive a vida. O caminho dele não tem como você mudar, mas o seu sim.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Corpos Possíveis




            Há uma piada que conta sobre um médico que tentava convencer o seu paciente que este estava gordo. “Suba na balança” diz o médico. “Vê? Agora veja essa tabela e compare seu peso com o peso médio para sua altura. Você está obeso”. “Não, eu não estou”, diz o paciente. “Estou apenas quinze centímetros mais baixo”.
            Cada vez mais as pessoas vêm dando atenção ao próprio peso. Isso pode ser bom ou mau, dependendo do que está por detrás dessa preocupação. Se for a saúde a atenção ao peso e como nos alimentamos e nos exercitamos é algo muito bom. Afinal, saúde é muito importante e temos uma responsabilidade muito grande em cuidarmos de nós mesmos. Porém se o que estiver em jogo for apenas uma questão de se atingir um ideal de peso, de beleza e de forma é algo mau e que pode criar muitos perigos.
            Não há como negar que existe toda uma ditadura de como devemos ser. Os corpos estão padronizados e quem se encontra fora dos padrões é visto como alguém fracassado ou nem é levado em consideração. Mas é possível todos terem os mesmos corpos, as mesmas formas? Obviamente que não. Há toda uma variedade de formas e nem todos podem ser de um determinado jeito por mais que se esforce. Cuidar da saúde é uma coisa, mas desejar um corpo impossível é outra que só traz sofrimentos.
            Os padrões de beleza física só servem para criar exclusões e ideias de certo e errado, desconsiderando completamente a pluralidade de corpos e maneiras de viver. Enquanto os padrões estabelecidos forem as referências com que medimos nossas vidas nunca haverá lugar para o amor e aceitação, pois estes só podem existir dentro do que é possível e não desejando o impossível. Precisamos de uma relação mais saudável e amorosa com nós mesmos.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Pergunta de Leitora - Amor exclui o Puritanismo




As vezes leio o que você escreve. Não concordo com muita coisa, como por exemplo, a homossexualidade que acho que é um distúrbio. Você diz nas suas palavras que é mais uma forma de amar e ser amado, mas acho que se trata de alguém doente. Porque alguém iria querer ficar com alguém do mesmo sexo se daí nada pode sair de bom? Acho que é perversão. Queria saber se você tivesse um filho homossexual como iria reagir. Iria achar bonito ou ia tentar fazer de tudo para muda-lo?

            O direito de discordar é válido e ninguém lhe impõe que você precise mudar de opinião quanto à homossexualidade, apesar de que mudar os próprios conceitos nunca fez mal a ninguém. Pelo contrário. Entretanto, você precisa entender que a sua visão de mundo e que seu modo de viver não são os únicos e nem são melhores do que de outras pessoas.
            A sua visão da homossexualidade não é baseada em uma reflexão e em uma tentativa de compreender, mas é repleta de preceitos morais e de uma visão biológica míope. Se não fosse assim você não diria que não há razão para duas pessoas do mesmo sexo ficarem juntas. Afinal de contas, qual seria então a razão para duas pessoas, sendo um homem e uma mulher, ficarem juntas? Seria apenas para produzir um filho?
            Não ficamos juntos com alguém porque precisamos de uma razão biológica ou moral, mas porque faz sentido estar junto. O amor desconhece os limites biológicos e faz pouco dos preceitos morais. Desejar estar junto e viver uma vida em parceria já é motivo por si só. Por isso digo sempre que a homossexualidade é mais uma maneira de amar e ser amado. Não existe uma maneira apenas e nem uma é melhor que a outra.
            Transformar em algo ruim e sujo algo que tem a ver com o amor é que é perversão. Essa cegueira é que prejudica a vida e a torna muito mais difícil. Aceitar outras formas de viver não significa levantar bandeiras, mas apenas acolher que nesse mundo tão vasto há muitas formas e maneiras de se ser e que quando falamos de amor não há manual de instrução do que seja certo e errado. Agora me responda: você acredita que alguém se torna menos filho porque é homossexual? Que tipo de amor é esse? Isso é puritanismo e não amor! No puritanismo o amor e os afetos são substituídos por rigidez, moralismo exacerbado e austeridade e o cerne do puritano é a imagem que tem de si e não a vida de fato.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Euforia e Desolação



            Uma antiga lenda conta sobre um rei que pediu a um grande sábio que lhe desse algo que não permitisse que ele ficasse eufórico e embriago pelo poder mas que também o animasse e o inspirasse nos momentos difíceis e horas escuras. O sábio refletiu por uns dias até que foi a um ourives e mandou confeccionar um anel que depois entregou ao rei. O rei, sem entender, perguntou como aquele anel poderia ser de alguma valia, mas o sábio sorriu diante da questão e pediu ao rei para ler a inscrição que estava gravada no anel. Nela se lia “Isso passará”.
            Quando estamos infelizes, frustrados com alguma coisa ficamos tão envolvidos nas dores e insatisfações que vivemos como se essas adversidades jamais fossem passar, como se elas fossem eternas. E quando ficamos muito alegres, radiantes com alguma coisa boa que nos aconteceu ficamos tão envolvidos com a euforia que acreditamos que podemos tudo, que temos tudo e que essa alegria irá durar para sempre. Somos como o rei da lenda. Estamos sempre presos e envolvidos com os acontecimentos que perdemos noção da realidade.
            Euforia e desolação são estados de mente perigosos porque são extremistas. Quando pendemos para uma extremidade o resultado é um desequilíbrio, uma desestabilização. Muitas pessoas enlouquecem devido ao fato de ficarem identificadas com euforias ou desânimos intensos. Todos nós estamos sujeitos de nos esquecermos do equilíbrio e tornar a vida uma infelicidade.
            Quem pende para a euforia acaba tornando-se megalomaníaco. Nega perigos e armadilhas e se enfia em muitas situações comprometedoras e desnecessárias. São aquelas pessoas que acham que podem tudo, estão sempre dando um passo maior que a perna e levando tombos imensos. A euforia dá uma falsa sensação de poder e de estar acima da realidade. Já quem pende para um estado de mente desolador fica sempre identificado com o fracasso e impotência. Nunca faz nada porque já tem certeza de que nada dará certo, nada mudará seu cenário melancólico. São aqueles sujeitos que estão sempre para baixo, sempre dominados pela depressão e com a certeza de que a vida é uma tortura.
            Precisamos gravar internamente em nós que tudo passa. Até mesmo os sentimentos de euforia e desolação passam. Temos que nos segurar firmes nesses momentos e recuperar o equilíbrio para não perdermos o contato com a realidade e conosco mesmos. 

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Pergunta de Leitora - Condição Humana


Por que um profissional da psicologia ou da psicanálise deve fazer o seu próprio tratamento com outro psicólogo ou psicanalista? Se a pessoa estudou e se formou nessa profissão então ela deve ou deveria entender como a mente funciona e não precisar ser tratada. Acho muito estranho toda essa história do profissional psi ter que se submeter a um tratamento que ele/ela já é competente. O que você pode dizer sobre isso?

            Porque alguém se formou em odontologia essa pessoa não precisa de um dentista? Uma pessoa estuda toda a vida para ser um grande cirurgião, mas ele ou ela precisando de uma cirurgia não vai requisitar os serviços de um colega? A sua teoria é muito simplista porque parte do pressuposto que um profissional psi ao saber sobre a teoria não sofreria angústia, medos, distúrbios, etc.
            E ademais tem o fato de que se o profissional não conhecer e tiver um bom relacionamento com a própria mente como vai ajudar outros a estabelecer essa relação? Se um psicólogo, psicanalista não se tratam como vão ajudar seus analisandos nessa jornada? Seria o mesmo que um cego guiando outro cego. Iria acabar os dois caindo no penhasco. Saber a teoria é uma coisa, vivê-la é outra bem diferente.
            Uma árvore precisa se cuidar, atender suas necessidades. Ela precisa puxar água e nutrientes para poder crescer. Ela não pode fazer nada pelos outros ainda, tem que cuidar de si primeiro. Assim que cresce ela pode florir e compartilhar o seu perfume. Poderá frutificar e distribuir os seus frutos para quem aparecer por perto, sejam conhecidos ou desconhecidos. Suas folhas poderão oferecer uma aprazível sombra para quem chegar até ela, mas tudo isso que a árvore pode oferecer só é possível quando ela se cuida, senão nada poderia ser compartilhado e oferecido que prestasse.
            Com o profissional psicólogo/psicanalista também funciona assim. Se esse profissional não cuidar de si e atender as suas necessidades e nem se aprofundar em sua própria mente como vai poder oferecer uma ajuda que preste aos outros? Para ser um bom profissional psi não basta possuir boas intenções e bons conhecimentos teóricos. É preciso mais que isso. E a análise não acontece só porque alguém estudou. Ela só ocorre quando alguém se permite viver a experiência emocional, aprender com ela mesma. Não se trata de um evento intelectual, mas de uma vivência pessoal e estudos nenhum nesse mundo substituem a experiência pessoal e intransferível que permite alguém aprender sobre si próprio e lidar com a sua condição humana.