segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Falta básica


            Todos sabem que um ser humano desprovido de nutrição, de higiene, de saúde, de direitos, não tem como desenvolver seu potencial. Entretanto, há uma falta que nem todos se lembram e que é fundamental: relacionamentos humanos de qualidade. Sem isto não existe a menor chance de um ser humano tornar-se verdadeiramente humano. A condição humana não nos é fornecida biologicamente, precisando ser então desenvolvida e continuamente fortalecida. Sem relações de qualidade ficamos em falta de algo básico que afeta e influencia como funcionamos na vida. Infelizmente, relações humanas de qualidade são mercadorias raras.
            Veja-se, por exemplo, o alto número de jovens ao redor do mundo que em vez de se relacionarem uns com os outros preferem se relacionar e dialogar com máquinas que pretendem ter uma “personalidade”. Há até namorados eletrônicos, que são dispositivos que fingem ser um(a) namorado(a) entabulando conversas superficiais. São aplicativos desenvolvidos para mitigar a solidão que muitos sentem. Apesar de ficarmos maravilhados com tecnologias cada vez mais fantásticas temos que compreender que trocar relações reais por máquinas demonstra que algo não vai muito bem.
            Até mesmo entre os jovens que saem juntos, que estão acompanhados e que o sentimento de solidão parece estar bem longe a coisa não é bem assim. Apesar de estarem juntos, faltam relacionamentos. O que esses jovens fazem é alimentar apenas certo prazer sensorial, ficando juntos, beijando-se e até transando, mas sem ninguém saber ao certo quem é o outro e nem conseguirem entabular de fato uma conversa mais íntima. Hoje estamos solitários no meio de uma multidão e os relacionamentos são muito vagos e superficiais, tendo como objetivo apenas uma satisfação sensorial e primitiva.
            Ninguém nasce sabendo como se relacionar com o outro, isso é aprendido. Porém, cada vez mais essas aprendizagens estão escassas. Isso acontece, entre inúmeras razões, porque se relacionar demanda algo muito doloroso, que é saber tolerar frustrações. Uma pessoa conseguir suportar dignamente uma frustração está muito difícil. Parece que frustração tornou-se uma doença que precisa ser erradicada o mais rápido possível. No entanto, não existe como nos relacionarmos quando não há capacidade para tolerar as frustrações e para aprendermos a tolerá-las dependemos de relacionamentos de qualidade.
            Uma criança pequena é dominada por impulsos narcisistas e egoístas. Não há nada de errado com isso, todas as crianças são assim. Porém, à medida que as crianças vão crescendo e se relacionando com pessoas ao redor elas podem ir percebendo que precisam abandonar o narcisismo para poder abrir espaço às pessoas que amam e pelas quais gostariam de ser amadas. A criança, quando há relacionamento verdadeiro, percebe que não são apenas os seus interesses que contam, os seus prazeres, mas que há muitas outras pessoas que precisam também ser levadas em consideração. Elas podem deixar de desejar apenas os prazeres mais primitivos e sensoriais para irem construindo toda uma nova forma de se relacionar considerando o outro e tolerando a frustração de ter que ir abandonando o narcisismo.
            Quando essas relações não existem ou não são de boa qualidade cria-se uma falta básica que impede as pessoas de tolerarem as frustrações e por consequência os relacionamentos serão muito superficiais. O outro é visto como um objeto para atingirmos nossos prazeres. Por isso que os dispositivos de relacionamentos artificiais fazem tanto sucesso, são apenas objetos que podem ser facilmente controlados. Sem solucionar essa falta básica não tem como haver humanidade digna desse nome.

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