segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Passagem


            Mais um ano se vai e mais outro chega. A passagem do dia 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro é simbolizada como a mudança de ano. A mudança de tempo, é obvio, não precisa de uma data específica para ocorrer já que ela acontece todo o tempo, a cada segundo. Porém, é próprio do ser humano significar as coisas, mesmo aquelas mais imateriais e subjetivas. O ano novo é celebrado em quase todo o mundo como a possibilidade de um novo tempo e portanto uma nova vida. É a época que se faz os planos para o que se deseja no futuro e se faz um balanço do que já se passou.
            Podemos e devemos usar essa passagem simbólica de ano para nos voltarmos a nós mesmos. Frequentemente nossas ideias são voltadas para o que conseguimos medir no mundo externo, se ganhamos isso ou aquilo e pouco ou quase nada avaliamos o que de fato fizemos com nossas mentes. O nosso bem mais valioso, que é a nossa própria vida e a maneira que a vivemos é muitas vezes relegada a segundo plano. Quando isso é assim a vida fica vazia e pobre de sentido.
            Temos a possibilidade maravilhosa de olharmos para trás e ver o que podemos melhorar. A passagem de ano deve ser o período para a busca de transformações internas. Ao fazermos planos para o futuro precisamos escolher metas possíveis, pois se nos apegarmos ao impossível é caminho para a frustração. Mas a metas devem estar, acima de tudo, não exclusivamente no mundo externo, porém no mundo interno, nas nossas mentes e no modo que lidamos com nossos relacionamentos e com o que sentimos.
           Esse ano o que mais escrevi nos meus textos foi a necessidade de uma revolução, mas revolução da mente, pois esta sim é eficaz e transformadora. Não adianta querer arrumar o externo e esperar deste uma ordem se dentro de nós está uma verdadeira desordem e um lugar cheio de incompreensões e ódio. Estamos atrasados em transformar nossas enfermidades internas em algo bem mais favorável ao desenvolvimento de todos. Que 2014 venha como uma passagem para o mundo interno de cada um e que cada um se empenhe em cuidar de si como de fato cada um merece. Boas festas e reflexões!


Agradeço a todos que participaram desse blog perguntando, opinando ou fornecendo sugestões. É justamente essa troca que enriquece o campo das ideias e constrói a sabedoria. Cada chama acesa, por menor que seja, é o que possibilita uma iluminação no mundo inteiro. Aproveito para dizer que entro em férias e retorno, aqui no blog,  dia 13 de janeiro de 2014.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Pergunta de Leitora - Suficientemente Boa


Tenho um bebê de 8 meses e estou muito contente por ser mãe. Sempre desejei meu filho e ele me é fonte de muito amor e bons momentos. A pergunta é o seguinte. Apesar de estar muito feliz com meu filho fico insegura as vezes. Me pergunto se sei mesmo ser uma boa mãe. Tenho medo de causar um trauma no meu filho e estragar a vida dele. Tantas pessoas dizem que isso é possível e sem contar que quando ele chora uns dizem para fazer uma coisa e outros dizem para fazer outra. Quando digo que meu filho chora de noite umas amigas deixam a entender que é devido a minha ansiedade e sinto que faço alguma coisa errada. Mas não sei bem porque também fico irritada com essas pessoas que acham que ser mãe tem que ser perfeita. Acho que meu filho vai ter que se acostumar comigo que não sou perfeita. Como posso ter certeza de ser sempre uma boa mãe?

            Donald Winnicott, psicanalista inglês, escreveu certa vez que não há essa estória de mãe boa que age de forma perfeita e que jamais frustra os filhos. Essa imagem de mãe é uma grande falsidade e presta um enorme desserviço às mulheres que se tornam mães e às pessoas a sua volta. Para Winnicott o que existe é mãe suficientemente boa. Ser “suficientemente boa” já está de bom tamanho.
            Não existe um manual para ser mãe. Tornar-se mãe envolve uma infinidade de variáveis como a sua própria história de vida, o momento em que você se encontra, as características do bebê e por aí vai. Há bebês que choram mais, outros menos e não dependem apenas da ansiedade da mãe. Afinal, o bebê é outro ser que possui particularidades próprias que independe de seus pais. Saber disso é importante.
            É muito fácil para quem está de fora de uma dada situação emitir opiniões e até fazer julgamentos. Muitos, aliás, sentem um prazer nessa atitude. O que torna então importante você saber ouvir o que escuta e ser sábia em fazer uma triagem entre aquelas falas que podem ser de alguma ajuda daquelas outras que não servem para nada. Nem tudo o que a gente ouve a gente precisa escutar. Entender isso lhe tornará mais sábia e com maior capacidade de se auto-preservar.
            Em vez de se perder no meio de tantas dúvidas e angústias seria muito mais favorável se você escutasse a si mesma. Seu amor pelo seu filho é o melhor guia que você poderá usar já que o amor verdadeiro está sempre a serviço do bem estar e do desenvolvimento. Se deixe ser uma mãe que você possa ser e se desprenda da imagem de uma mãe perfeita que só existe nos delírios de quem não entende de humanidade. Posso lhe dizer, com absoluta certeza, que seu filho não deseja uma mãe perfeita. O que ele mais precisa é de uma mãe que o ame de fato e esteja ali para ajudá-lo quando ele precisar.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A Avareza pela Psicanálise


            A avareza é um dos sete pecados capitais e se caracteriza por ser um estado no qual o outro se fecha e permanece constantemente fechado e temeroso de se abrir. Apesar de muitas vezes se referir a parte financeira e material a avareza pode ser entendida como algo bem mais amplo, pois não tem a ver apenas com aquilo que é concreto, mas principalmente simbólico. A psicanálise não se preocupa em ver os aspectos concretos, porém olha os aspectos simbólicos, ou seja, procura o significado das coisas. Muito do que é manifestado em nossas atitudes tem como origem o inconsciente e conhecê-lo permite que conheçamos mais quem realmente somos.
            Na pessoa avarenta encontramos um egoísmo muito forte. Ela sempre tem medo de perder e tem certeza de que qualquer outra pessoa é um perigo em potencial e a sente como querendo tirar vantagem. Tem muito medo de não ter o suficiente e de perder o pouco que sente que possui, por isso mesmo se fecha e se apega ao egoísmo. Acredita que se não agir desta maneira vai certamente se empobrecer. Muitas vezes isso é manifestado no apego ao dinheiro ou às coisas materiais, mas isto é apenas o visível, aquilo que é manifestado. Por detrás o significado é outro. Tem relação com as emoções e afetos e tratam de aspectos primitivos da mente.
            O ser avarento é econômico com suas emoções, acha que elas são e funcionam como coisas materiais que quando mais se usa mais se gasta. Só que emoções são feitas de outro jeito e quando mais são usadas mais elas se desenvolvem e enriquece quem as sente, porém o avarento desconhece a força das emoções. Foram crianças que desde cedo relutaram em se abrir às experiências de vida e aprenderam rapidamente a desconfiar da generosidade. Impediram-se de aprender ou nunca tiveram chance de aprender a serem mais expansivos e generosos. Terminaram por valorizar mais a quantidade de atenção e dos presentes que recebiam do que a qualidade. O ter acabou por se tornar mais importante que a experiência vivida, daí que no futuro se apegam a tudo que for material e puder ser quantificado.
            Por ter tanto medo de perder se fecham e fechar-se é sempre o melhor caminho para se empobrecer. Tornam-se pessoas que jamais se entregam ao que fazem, ficam sempre com um pé atrás. Não se permitem se encantar com a vida e se apaixonar. Até, e principalmente, no amor se tornam econômicas. Muitas angústias e depressões podem surgir para quem vive desta maneira. Eles brigam pelas menores coisas como se tratasse de coisas importantes. Gasta-se uma energia preciosa nos menores detalhes, fortalecendo a existência da mesquinharia.  São aqueles sujeitos que discutem e travam uma guerra pelas coisas mais sem importância e sem propósito.
            Para se combater a avareza é necessário desenvolver a largueza de espírito, desenvolver a generosidade. Ninguém nasce sabendo se comportar de forma generosa. Isso é algo que se aprende ao longo do caminho da vida. O avarento não consegue ser, em primeiro lugar, generoso consigo próprio. Ao olhar para si de forma mais humana e generosa esse olhar se expande e passa-se então a olhar o mundo também de forma mais favorável. Abre-se para a vida e se faz mais investimentos afetivos que possibilitem um enriquecimento verdadeiro. Na avareza o que se teme é obter a verdadeira riqueza da vida.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Pergunta de Leitora - Simplicidade


Sou psicóloga e atendo pacientes em clínica. Me esforço sempre por oferecer interpretações elaboradas para os meus pacientes, mas muitos deles parecem que nem me escutam. Não sei o que ando fazendo de errado ou se é assim mesmo que se dá o processo psicoterapêutico. Estudo muito, me esforço para entender o que eles falam, mas alguns olham para mim como se eu estivesse falando grego. Teve uma vez que numa sessão com uma paciente eu dei interpretações que considerei importantes e boas mas na sessão seguinte ela disse que não havia gostado da sessão. Tivemos uma visão diferente do que havia sido a sessão. É assim mesmo? Como saber se estou fazendo as coisas direito?

            Muito provavelmente você está mais preocupada com a sua performance do que em estabelecer uma comunicação de qualidade com seus pacientes. É claro que você se preocupa com eles e com a forma que você trabalha, caso contrário não me escreveria e nem se abriria. É natural você querer dar boas interpretações já que são elas que fazem o trabalho psicoterapêutico se desenvolver, no entanto você parece confundir o que seja boas interpretações.
            Nem sempre interpretações elaboradas vão ser eficazes com os pacientes. Essas “interpretações elaboradas” servem mais ao terapeuta do que aos pacientes em si. O que é mais importante para os pacientes é eles entenderem as interpretações de uma maneira que os toque, que forneça um sentido para uma dada experiência de vida. Portanto as interpretações precisam ser eficazes e não elaboradas.
         Para poder “tocar” o paciente é necessário primeiro compreender o que se passa com ele. Quais as emoções, as dores em jogo? Sem empatia, ou seja, sem se colocar no lugar do paciente não haverá comunicação eficaz. Ao entender com mais propriedade o que se passa com o paciente te permitirá encontrar uma maneira de se comunicar melhor com ele.
            As interpretações muito elaboradas podem servir apenas para alimentar o narcisismo do terapeuta, coisa que não deve acontecer numa sessão. Os pacientes não são idiotas e não se deixam enganar por pirotecnias. Eles desejam, primeiramente, o sentimento de serem compreendidos e é justamente esse sentimento que pode fazer muita diferença na vida deles. Se você não está em análise procure uma para melhor entender a dinâmica desse processo do lado de dentro, a partir da sua própria experiência e se basear naquilo que você mesma sente. Nada substitui a própria experiência para simplificar as coisas.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Um Mau Sinal


            Um dia desses fui ao cinema aqui em Londrina e quando entrei na sala me surpreendi e me entristeci com o que vi. A sala estava imunda, cheia de restos de pipoca, garrafas e latas de refrigerantes e papéis das pessoas que estavam na sessão anterior. Como mal acabava uma sessão e começava a outra não havia tempo hábil para a equipe de limpeza entrar, mas mesmo assim penso que a equipe de limpeza não precisaria ter que limpar a bagunça e falta de respeito dos outros. Olhar essa sala de cinema me fez vislumbrar um mau sinal.
            Cenas assim acontecem em qualquer cinema e não é uma exclusividade daqui, porém isso tudo é triste e preocupante. É sinal da falta de respeito e do descaso com o próximo que contamina os relacionamentos e deixa a vida mais empobrecida. Quem deixa sua sujeira espalhada sem a menor consideração mostra que o outro que vai limpar e o outro que vai ocupar aquele lugar não têm valor algum. Enquanto as pessoas persistirem em não verem os outros como pessoas o mundo vai de mal a pior.
            Pensar nessas coisas não se trata de implicância, mas de se atentar a algo que precisa de reflexão. Quem deixa sua sujeira física e concreta para trás também deixa suas sujeiras de atitudes jogadas nos outros. Quem não demonstra o menor respeito pelo ambiente que frequenta também não é capaz de demonstrar consideração pelos relacionamentos que vivem. Essas pessoas vivem suas vidas mentais e seus relacionamentos da mesma forma: oferecendo e jogando para fora o que há de pior nelas e não procurando desenvolver uma nova maneira de viver que passa por atitudes mais saudáveis e sensatas.
            É desolador notar o quanto as pessoas se encontram enfermas e o quanto, mais do que nunca, é necessário passar por uma revolução, mas revolução da mente, da maneira como vivemos e como nos relacionamos. Transformar o modo como lidamos conosco e com a vida em nossa volta se faz essencial para o desenvolvimento pessoal e da sociedade e isso tudo passa pela educação sentimental. Esta ensina a lidar de maneira eficiente com o que sentimos e o que fazemos com o que sentimos. Que tal pensarmos mais?