segunda-feira, 28 de junho de 2021

Imagens e realidade



        Diz a piada “Nossa, seu bebê é a coisa mais linda do mundo!!" E a mãe replica: "Você ainda não viu nada! Devia ver as fotos dele no Instagram!!” As pessoas estão vivendo assim. Ao invés de experimentarem diretamente uma dada vivência, se envolvem com a imagem, com o reflexo de uma vivência. Quem olha para as redes sociais vê uma profusão de fotos de pessoas vivendo as mais variadas situações, mas nem sempre tudo o que parecer ser, é. Não estou condenando nem olhando para as redes sociais com olhar moralista. Elas vieram para ficar e desempenham maravilhas quando bem usadas. Portanto, as redes sociais não são os inimigos. Dito isso, chamo a atenção para o fato de que muitas vezes estamos vivendo mais nas redes sociais do que na própria vida em si.
        Nos pontos turísticos isso é visto com bastante frequência. As pessoas tiram fotos e selfies freneticamente, mas são poucas as que realmente param num determinado ponto, observam e “sentem” onde realmente estão. Nos museus famosos, que muita gente se sente na obrigação de visitar, passam pelas obras de arte e desesperadamente tiram fotos que, em segundos, vão parar nos feeds das redes sociais, mas é raro encontrar pessoas que conseguem apreciar uma obra de arte de maneira mais contemplativa e pessoal.
        O grande problema é que as verdadeiras experiências perdem espaço para pseudo-experiências. E uma coisa parcial jamais forma a coisa total. Se eu for nas Cataratas do Iguaçu, eleita umas das sete maravilhas naturais do mundo, e puser um pouco de sua água num pote e levar esse pote por aí e mostrar para as pessoas, isso não vai dar a dimensão e a beleza que são as cataratas. Um pedacinho dela, a água no pote, nunca fará justiça às cataratas reais. As fotos são lindas e servem como recordações que sempre vamos carregar, mas elas não são a vida.
        Infelizmente, sabemos mais dos pedaços da vida do que dela propriamente dita. E assim a vida fica recortada. Quando digo vida aqui me refiro às experiências que passamos, como emoções, sentimentos e tudo o que é despertado dentro de nós. Essas são as coisas que nos formam e que nos transformam. Como na piada acima, as fotos do bebê eram consideradas mais reais que o próprio bebê.
        Já vi pais nas apresentações de fim de ano nas escolas dos filhos (isso antes da pandemia, claro) tirando fotos para postá-las enquanto os filhos estavam lá no palco se apresentando e procurando na plateia os olhares do pai e da mãe. Porém, os olhares dos pais estavam nas telas de seus celulares. Parece até que se não for postado não existiu. A existência de uma experiência não fica dentro, na mente, no psiquismo, mas fora e gravada na nuvem de informações. Isso tudo é muito triste e sério.
        As palavras e imagens que postamos excessivamente todos os dias são reflexos inadequados da realidade que vivemos. A realidade não é algo para ser capturado, mas algo a ser vivido, experimentado. E uma vez que vivemos algo, mudamos, ampliamos o espaço interno dentro de nós. Pode haver, a partir daí, uma expansão. Se eu for no Egito e roubar um pedacinho da maior pirâmide e levar para casa eu não vou ter um pedaço da pirâmide, mas apenas uma pedra sem valor algum que, certamente, uma hora vai acabar no lixo. A pirâmide não podemos possuir, mas podemos vivenciá-la, podemos nos abrir a tudo o que ela nos desperta quando a contemplamos. A vida é assim.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Ricos e pobres ao mesmo tempo



    Vivemos em uma época com grande fartura e riqueza. Por mais que haja carências graves entre muitas pessoas nunca houve tanto conforto quanto agora. Uma pessoa da classe média hoje vive melhor, em termos de conforto material e segurança, que muitos reis da antiguidade. A medicina está cada vez mais desenvolvida e males que reduziam a expectativa de vida há alguns anos, hoje são bem menos letais. Mesmo assim, com toda fartura e bonança disponíveis, vivemos mal. Somos a geração mais rica que já esteve nesse planeta, mas não somos a mais feliz nem a mais amorosa.
    O progresso cientifico e material que vivemos representa uma conquista muito grande que deixa a vida mais cômoda. A tecnologia e todos os aparatos que se originam dela nos propicia mais tempo para viver a vida, em toda a sua plenitude, porém, não é isso o que acontece. Nunca houve tantos distúrbios mentais quanto agora, nunca houve tanta gente vivendo com ansiedades e sofrimentos implacáveis. O que podemos concluir é que para estarmos bem não se trata apenas de uma questão material, é preciso ir mais fundo e
entender o ser humano.
    Por mais importante que sejam as conquistas materiais, e por mais que se faça necessário uma distribuição delas de forma mais igualitária e justa, o ser humano precisa também se voltar para si próprio. Enquanto não nos voltarmos para dentro e não aprendermos a desenvolver a própria humanidade, sempre estaremos infelizes. Temos tudo para viver com dignidade, mas muitos vivem penosamente. A vida tornou-se um fardo.
    Temos instrumentos para viver bem, mas não sabemos usar o mais importante instrumento que temos: nós mesmos! Nem nossos corpos nem nossas mentes. Usamos tudo isso de forma muito limitada e, por isso mesmo, os resultados são muito pobres. Comemos muito e mal, descansamos pouco, não damos o que nossos corpos realmente necessitam. Achamos que conhecemos nossos corpos e nossas necessidades, mas a história é outra. As pessoas
querem que seus corpos simplesmente funcionem, mas não cuidam devidamente deles.
    Quanto à nossa mente nem se fala. Muitos acham que a mente é apenas uma questão intelectual, de se desenvolver o raciocínio, mas não percebem que a mente é muito mais que o intelecto, é aquilo que nos possibilita lidar e nos relacionar com a vida de maneira eficiente e saudável. Não buscamos um verdadeiro equilíbrio em nossas mentes, mas queremos bem-
estar e o procuramos lá fora. Aliás, nossa inesgotável busca por um idealizado bem-estar está até mesmo destruindo o planeta.
    Temos muito nesse mundo hoje em dia, exceto aquilo que mais importa: humanidade. O ser humano não está no lugar. Quer transformar o mundo, mas não a si próprio. Não tem mesmo como a conta fechar. Há uma saída, todavia, e está dentro de nós. Está na medida que passamos a nos conhecer e a utilizar de maneira mais consciente a nossa humanidade.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

A árvore do desejo



    Nossa mente cria a forma que vivemos. Nossa tecnologia, nossas construções, avanços científicos, etc. foram primeiro criados dentro de nós. Todas as maravilhas que facilitam a vida e a tornam mais agradável foi uma obra que nasceu de um sonho em nós. Todos os horrores que também vemos ao redor do mundo, como violência, guerras, injustiças, também foram criados por nós. A maneira como lidamos com nossas mentes é o que forma o mundo em que vivemos. Se conhecer, então, passa a ser fundamental para saber que mundo vamos ou queremos criar.
    Há uma antiga história milenar hindu que conta que um homem caminhando por uma floresta acabou, sem querer, entrando no paraíso. Lá, cansado de tanto andar, deitou-se debaixo de uma árvore do desejo. Essa árvore era mágica e tinha o poder de realizar qualquer desejo que quem estivesse sob ela tivesse. O homem, primeiro cansado, quis descansar e lá encontrou um lugar muito acolhedor para dormir. Quando acordou refeito e cheio de energia percebeu que estava com fome e milagrosamente suas comidas prediletas apareceram em sua frente. A árvore realizava todos os desejos. Estando com fome nem questionou nada e comeu tudo o que quis até perceber que estava com sede também. Tal como a comida, bebidas das mais variadas surgiram para ele. Ele as tomou e aí tendo essas necessidades da fome e sede satisfeitas perguntou-se o que estava acontecendo ali. Ele queria comida e a comida veio, queria bebida e a bebida veio. Aquele lugar era estranho e então pensou que só podia estar sendo vítima de brincadeiras de fantasmas. Ao pensar isso, fantasmas se materializaram em sua frente.
    Assustado ele pensou que os fantasmas iriam machucá-los e tal como pensou começou a tortura. Sofrendo muito sob o ataque dos fantasmas imaginou então que iria morrer e aí ele morreu. Essa história antiga mostra bem que quem não se conhece não sabe o que cria dentro de si mesmo e que isso é sempre perigoso. Viver inconsciente de si mesmo faz com que nos levemos para situações que, na verdade, não nos são nada favoráveis. Quando estamos inconscientes não percebemos o que criamos internamente e por isso mesmo não nos damos conta de que muitos sofrimentos enfrentados ao longo da vida são fruto de nossas criações.
    Estar consciente é o mesmo que estar com os olhos abertos. Imagine que você vai dirigir por uma avenida movimentada de olhos fechados. Ou atravessar uma rua cheia de trânsito com os olhos fechados. Certamente não terá um final feliz nessas experiências. No entanto, é bem isso que vem acontecendo. As pessoas estão atravessando todas as suas vidas com olhos fechados e se surpreendem porque estão sofrendo com tantos acidentes.
    Só podemos estar bem se soubermos o que estamos fazendo, o que estamos criando. Caso contrário ficamos sempre vulneráveis aos acidentes e desastres. Porém, quando podemos abrir os olhos e ver o que criamos dentro de nós podemos escolher viver melhor. Podemos criar uma vida mais interessante e com muito mais possibilidades. Nós é que criamos nossas vidas diariamente, a maneira que vamos lidar com o que nos acontece, como vamos responder e como vamos nos relacionar. Exatamente por isso mesmo é tão vital vermos o que criamos dentro de nós, porque é justamente isso que vai se “materializar” lá fora. Somos muito mais responsáveis por nossas vidas do que gostamos de admitir e compreender e aprender com isso é algo fundamental.

sábado, 12 de junho de 2021

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Nem sempre o óbvio é óbvio



        Há uma historieta que conta sobre um homem que bebeu muito e voltando de madrugada para casa tropeçou e caiu sobre um arbusto espinhoso, machucando todo o rosto. Chegando em casa ele se deu conta de que seu rosto sangrava e foi então para o banheiro com alguns curativos cuidar dos machucados. Terminando ele foi para cama e dormiu, mas quando acordou surpreendeu-se em ver seu travesseiro todo manchado de sangue. Sem entender a razão, já que tinha colado curativos em todos os machucados, foi ao banheiro se olhar no espelho e percebeu, então, que todos os curativos estavam colados no espelho e não em seu rosto. Por estar bêbado não se dava conta que ele punha os curativos em seu reflexo acreditando que os estava colocando em si mesmo.
          Tal como o personagem da historieta acima muitas pessoas mundo afora vivem querendo curar o que está fora e não o que está dentro. Isso acontece porque confundem a si mesmas com o mundo externo; e aquilo que vemos, aquilo que está no mundo externo é sempre mais fácil se tornar foco de nossa atenção. É muito comum ver pessoas querendo arrumar o mundo, consertar os outros, falar de tudo o que está fora, mas bem mais raras são pessoas que conseguem ver o que está dentro.
        Quando algo interno não está bom não adianta querer consertar o mundo lá fora. Não dá para por curativos lá fora para fazer parar de “sangrar” o que está em nós. Mesmo assim, esse equívoco se perpetua levando a inúmeros mal entendidos. Confundimos as coisas achando que se consertarmos algo lá fora dentro de nós não vai doer mais. Contudo, não funciona assim.
        Voltar-se para dentro de si mesmo, entretanto, é algo trabalhoso. A gente não vê nosso mundo interno, mas podemos senti-lo. É através do que sentimos que podemos entender o que se passa conosco e quando percebemos que algo é tal qual uma ferida podemos tratar. Assim, podemos curar as feridas internas, compreendendo que curar tem origem no latim e quer dizer "cuidar". Curamos nossas feridas cuidando delas.
        Não só nosso corpo sangra e sofre, mas nosso psiquismo também, mas de maneira simbólica. Há vastos exemplos do sofrimento mental nas artes: literatura, cinema, pinturas, etc. A dor mental é parte de nossa existência, o que requer, portanto, que seja cuidada de maneira apropriada. Quem nega ver e tratar do próprio mundo interno vive mal, aquém do que poderia.
        No entanto, a dor mental não é bem vista nem bem aceita. É encarada como fracasso, algo a ser evitado a todo custo. Daí, ao invés de nos depararmos com as feridas internas e curá-las, viramos para todas as feridas que vemos no mundo lá fora. Há um excesso de tentativas de curar esse mundo e agindo assim fazemos com que ele sangre cada mais.
        Esse conhecimento de cada um aprender a tratar de suas próprias feridas não é algo moderno. O próprio Buda dizia que era inútil tentar salvar o mundo e que a única maneira de se chegar perto disso era cada um aprender a cuidar de si. Quem cuida de si, quem trata os próprios machucados com amor e generosidade, acende uma luz que pode se propagar. Mesmo sendo antigo esse conhecimento, chegando até mesmo a ser óbvio, são poucos os que o entendem. Aliás, geralmente aquilo que é o mais óbvio parece ser sempre o mais difícil de entender e assimilar.

terça-feira, 1 de junho de 2021

Pergunta de leitor - A decisão é sua



Já me foi indicado pelos médicos eu fazer terapia, mas tenho dúvidas se isso pode mesmo me ajudar. Descobri seu blog procurando sobre terapia na internet e resolvi mandar essa questão para você. Por que falar sobre o que se passa comigo iria me ajudar? Acho melhor não tocar nisso e controlar tudo o que eu sinto. Só assim, penso eu, os problemas passam. Estou sofrendo de impotência e segundo os médicos que procurei não tenho problema nenhum fisiológico. Dizem que meu problema é de ordem psicológica. Mas não faço a menor ideia do que possa ser. Sempre tive uma boa vida, uma boa infância e nunca sofri nenhum trauma. Não tenho razões para nenhum problema psicológico. Acho que é só uma questão de saber que sou homem e mandar ver. Acho que terapia não vai servir para mim. Essa é minha opinião.

          Se essa é sua opinião ela tem que ser respeitada. Não tenho desejo algum de te convencer do contrário. Ninguém deveria se sentir obrigado a fazer terapia. Ou você quer fazer ou não. É simples assim. No entanto, não sei se você está tão seguro assim da sua opinião, ou não teria me escrito. Ao me escrever fica claro que existe alguma dúvida em você.
          Nosso corpo não funciona sozinho e separado de nossa mente. Muitas vezes os problemas de saúde que enfrentamos são apenas de origem orgânica, mas em outras eles vêm de nossa mente. Nosso psiquismo interfere em nossa saúde física. Quando é esse o caso não há remédio ou cirurgia alguma que dê conta e que faça sumir esse sofrimento. O único caminho é investigar o que se passa em seu interior, em seus pensamentos e emoções. Só que entendo que isso dá medo.
          Preferimos que tudo possa sumir com algum medicamento ou operação, mas não funciona assim. Nos darmos conta do que existe dentro de nós é sempre um evento que desperta insegurança porque se trata de lidar com o desconhecido. A grande maioria das pessoas vive a vida sem nunca perceber o que realmente se passa dentro delas e, com isso, sofrem e vivem uma vida muito reduzida. Quando não conhecemos algo que é nosso, que está dentro de nós, esse algo tende a nos dominar. Veja um exemplo. Quando alguém tem um câncer pode procurar lidar com ele através de tratamentos e cirurgias, mas pode também fechar os olhos e fingir que ele não existe, esperando que ele suma por mágica. A tendência, óbvio, é que o câncer se expanda até dominar completamente tudo.
          Já lhe foi dito que há algo em você que vem influenciando sua sexualidade e que não está no corpo, mas na sua mente. Você pode pegar essa informação e investigar ou pode simplesmente negá-la e fingir que nada tem a ver com você. Você tem o direito de ambas as alternativas. Afinal, a vida é sua e só você irá pagar o preço. Ninguém tem como tomar essa decisão por você.