segunda-feira, 7 de junho de 2021

Nem sempre o óbvio é óbvio



        Há uma historieta que conta sobre um homem que bebeu muito e voltando de madrugada para casa tropeçou e caiu sobre um arbusto espinhoso, machucando todo o rosto. Chegando em casa ele se deu conta de que seu rosto sangrava e foi então para o banheiro com alguns curativos cuidar dos machucados. Terminando ele foi para cama e dormiu, mas quando acordou surpreendeu-se em ver seu travesseiro todo manchado de sangue. Sem entender a razão, já que tinha colado curativos em todos os machucados, foi ao banheiro se olhar no espelho e percebeu, então, que todos os curativos estavam colados no espelho e não em seu rosto. Por estar bêbado não se dava conta que ele punha os curativos em seu reflexo acreditando que os estava colocando em si mesmo.
          Tal como o personagem da historieta acima muitas pessoas mundo afora vivem querendo curar o que está fora e não o que está dentro. Isso acontece porque confundem a si mesmas com o mundo externo; e aquilo que vemos, aquilo que está no mundo externo é sempre mais fácil se tornar foco de nossa atenção. É muito comum ver pessoas querendo arrumar o mundo, consertar os outros, falar de tudo o que está fora, mas bem mais raras são pessoas que conseguem ver o que está dentro.
        Quando algo interno não está bom não adianta querer consertar o mundo lá fora. Não dá para por curativos lá fora para fazer parar de “sangrar” o que está em nós. Mesmo assim, esse equívoco se perpetua levando a inúmeros mal entendidos. Confundimos as coisas achando que se consertarmos algo lá fora dentro de nós não vai doer mais. Contudo, não funciona assim.
        Voltar-se para dentro de si mesmo, entretanto, é algo trabalhoso. A gente não vê nosso mundo interno, mas podemos senti-lo. É através do que sentimos que podemos entender o que se passa conosco e quando percebemos que algo é tal qual uma ferida podemos tratar. Assim, podemos curar as feridas internas, compreendendo que curar tem origem no latim e quer dizer "cuidar". Curamos nossas feridas cuidando delas.
        Não só nosso corpo sangra e sofre, mas nosso psiquismo também, mas de maneira simbólica. Há vastos exemplos do sofrimento mental nas artes: literatura, cinema, pinturas, etc. A dor mental é parte de nossa existência, o que requer, portanto, que seja cuidada de maneira apropriada. Quem nega ver e tratar do próprio mundo interno vive mal, aquém do que poderia.
        No entanto, a dor mental não é bem vista nem bem aceita. É encarada como fracasso, algo a ser evitado a todo custo. Daí, ao invés de nos depararmos com as feridas internas e curá-las, viramos para todas as feridas que vemos no mundo lá fora. Há um excesso de tentativas de curar esse mundo e agindo assim fazemos com que ele sangre cada mais.
        Esse conhecimento de cada um aprender a tratar de suas próprias feridas não é algo moderno. O próprio Buda dizia que era inútil tentar salvar o mundo e que a única maneira de se chegar perto disso era cada um aprender a cuidar de si. Quem cuida de si, quem trata os próprios machucados com amor e generosidade, acende uma luz que pode se propagar. Mesmo sendo antigo esse conhecimento, chegando até mesmo a ser óbvio, são poucos os que o entendem. Aliás, geralmente aquilo que é o mais óbvio parece ser sempre o mais difícil de entender e assimilar.

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