O filme O Poço (Netflix, 2019) tem várias possibilidades de interpretações. Pode ser religiosa, onde ressalta sobre os sete pecados capitais, pode ser sociológica onde se fala das relações sociais; pode ser filosófica onde fala do caráter humano e seus conceitos. Não tem só uma interpretação válida.
Basicamente, o filme conta sobre uma prisão organizada verticalmente onde, todos os dias, desce uma plataforma cheia de alimentos cuidadosamente preparados. Quem está nos andares de cima recebe primeiro essa plataforma e pode se alimentar como quiser e na quantidade que desejar. A plataforma vai descendo e conforme vai alcançando os andares inferiores não sobra comida para os prisioneiros.
A cada mês troca-se os prisioneiros de andar. Então quem estava acima pode ir parar num andar inferior e vice-versa. Aqueles que passam fome chegam às raias da barbaridade como canibalismo e violência, enquanto aqueles que ficam nos andares de cima mostram desprezo e arrogância para com aqueles que vão se alimentar embaixo.
O que me chama mais atenção é que é um filme cru, ou seja, a princípio ele desperta emoções muito fortes de nojo. Assisti-lo apenas vendo o que o filme mostra, sem pensar sobre ele, vai resultar numa reação de nojo e ficar com todas as cenas na cabeça por muito tempo trazendo incômodo e angústia. Esse filme, tal qual a comida, precisa ser digerido. Ele não é para ser entendido literalmente, como se estivesse contando os fatos em si, mas para ser entendido simbolicamente. Daí a necessidade de uma mente para pensar sobre o filme. Quanto mais profunda for a mente de uma pessoa mais ela conseguirá acessar as camadas do filme.
Para mim o filme fala do crescimento. A gente sair da dimensão da prisão do prazer sensorial. As pessoas, ao longo do filme, se guiavam apenas pelo prazer. Queriam se satisfazer a todo custo mesmo que isso não fosse inteligente e fosse até destrutivo. Quem vive assim fica sem escutar qualquer coisa na vida e sem pensar. Vive-se como se não houvesse amanhã.
Algumas pessoas, um pouco mais evoluídas, tentam convencer os outros a fazer diferente, mas sempre vai ser inútil, sempre ineficaz, porque se a outra pessoa está presa no prazer, sem condições de larga-lo, não vai escutar e se recusará a entender e principalmente a mudar.
Outros enlouquecem praticando toda uma série de violências até o ponto que alguns chegam de comer os outros. Outros tentam escapar, mas tomam a direção errada. Querem escapar para as camadas superficiais, o que só leva a erros, porque quando alguém quer realmente escapar de um modo de vida precisa ir para dentro e não para fora. O filme não é para ser entendido literalmente, mas simbolicamente. Ali, os andares são a representação da mente e não uma prisão concreta.
A gente só alimenta as camadas superficiais de nossas mentes, prazer, status, dinheiro, sexo, comparação com os outros... uma pessoa assim não cresce e parece que todos querem isso, querem subir nas camadas superiores, ficar em cima, ficar no topo, naquilo que o mundo considera o sucesso. Tudo isso leva a muitos equívocos, como valorizar coisas erradas e achar que tem que subir a qualquer custo, com toda a violência possível.
Todos querem subir, mas ninguém quer descer às profundezas de sua própria mente para se libertar desse tipo de vida. A menina do filme não existe realmente, mas é uma metáfora para nossa inocência, para aquilo que temos de melhor. Ela é o nosso pudim (que surge no filme como algo especial)... precisamos defender o pudim, aquilo que há de mais puro e íntegro dentro de nós, de tudo aquilo que pode devora-lo.. Só quando o personagem principal defendeu o pudim, quando ele deu o melhor para dentro de si mesmo, para sua pureza, ele se salvou. Pôde sair, pôde se libertar. Parou de procurar ser algo e passou a ser ele mesmo.
Alguns entendem que o homem morreu no final, eu entendo que ele realmente nasceu, se tornou um verdadeiro ser humano. Ele foi para dentro de si, enfrentou o medo de se conhecer cada vez mais fundo e passou a levar alimento para suas camadas inferiores, ao invés de ficar apenas alimentando as camadas superficiais. Isso é crescer, é mudar de verdade.
Eu entendo esse filme como algo de crescimento.. precisamos alimentar mais nosso interior, nossas camadas mais fundas... se preservando, tomando cuidado para sermos nós mesmos e não enlouquecer.... Bem similar com os tempos de pandemia que estamos vivendo.