segunda-feira, 4 de maio de 2020

Verdadeiramente oferecer a outra face


Conta-se que um guerreiro muito belicoso foi até um grande mestre reconhecido por sua sabedoria e fez de tudo para tirá-lo do sério, jogando nele vários insultos e impropérios. Porém, nada tirava o mestre de sua serenidade. Toda essa provocação durou horas e horas, até que o guerreiro (provocador) cansou-se e foi embora. Os discípulos em volta do mestre foram ter com ele e disseram. “Como aturou tantas ofensas daquele animal? Por que não reagiu? Por que não respondeu à altura?” O mestre, calmamente, explicou que quando alguém oferece um presente, mas você não o aceita, o presente retorna para aquele que ofereceu.

          Esta parábola oriental tão conhecida me faz lembrar da passagem bíblica em que Jesus diz que diante de uma agressão devemos oferecer a outra face. Em nenhum momento precisamos entender essa passagem como um convite à passividade ou até ao masoquismo. Quem entende por aí, na verdade, não entendeu nada. Oferecer a outra face não se trata de virar a cara para apanhar do outro lado, mas implica em algo muito diferente.
          Geralmente, diante de uma agressão que sofremos, ainda mais se for injustamente, ficamos machucados e furiosos. Queremos ir à desforra, nos vingar. Todavia, essa atitude de vingança nada mais é que responder da mesma forma: agressão com agressão. Nada muda, pelo contrário, fica-se na mesma. Violência respondida com violência é oferecer a “mesma face”, é ficar no igual, sem transformação alguma. Infelizmente, o que mais ocorre é isso. Retornamos a mesma face que nos foi oferecida.
         Já dizia Gandhi: Essa história de olho por olho deixará todo mundo cego. Na parábola oriental acima o mestre, muito sábio, não devolveu a mesma face. O provocador, cheio de ira dentro de si, queria jogar para dentro do mestre todo o ódio que sentia e com o qual ele não sabia como lidar de maneira eficiente. Queria se livrar de todo o veneno interno que carregava. A sua provocação era uma forma, estúpida, de projetar no outro o que ele não era capaz de tolerar. Ele era primitivo e nem contava com uma mente para elaborar o que era dele próprio.
          Já o mestre, por sua vez, contava com uma mente desenvolvida e era capaz de compreender que não precisava aceitar o convite que o provocador lhe fazia. Ele se manteve separado do guerreiro e de seus conteúdos mentais. E ao não pegar para si o que pertencia a outro, deu uma bela lição, tanto para o provocador quanto para seus discípulos. Ele mostrou o que era, verdadeiramente, dar a outra face.
          Será que oferecemos a outra face em nossas vidas? Ou será que oferecemos a mesma face? Ficamos presos num mecanismo ação-reação ou podemos ser humanos para pensar e escolher como vamos responder? O guerreiro da parábola podia saber a arte da luta, mas o mestre sabia a arte de pensar com a própria cabeça.

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