domingo, 29 de janeiro de 2023

Onde encontramos abrigo nesta vida dura?

 


Há uma história antiga que conta sobre um jovem discípulo que acompanhando o seu velho e sábio mestre em alguma atividade pergunta a ele qual o melhor lugar para ir no verão para não sentir calor em demasia, qual seria o melhor lugar para estar no inverno para não passar frio e qual o melhor lugar para ficar durante a época das monções e protegido das chuvas torrenciais. O mestre olha bem para o discípulo e responde que o melhor lugar para ele encontrar sossego, tranquilidade e para se preservar de qualquer intempérie que fosse era dentro dele mesmo e não um lugar geográfico.

Essa resposta do mestre mostra bem que quando olhamos para a vida de uma maneira muito concreta perdemos o sentido de muitas coisas. Se entendemos tudo numa dimensão apenas concreta sem se dar conta de outros espaços que também existem como o espaço mental ficamos nos enganando. Esse espaço, entretanto, é subjetivo, e requer um ‘olhar’ mais apurado para ser visto. 

Quando não nos damos conta de nossa mente olhamos somente o que é concreto e procuramos as coisas concretamente. Há inúmeras pessoas que estão procurando o melhor lugar lá fora para isso ou aquilo acreditando que lá fora vai dar a elas a paz que gostariam de sentir.

Há gente que acha que precisa disso ou aquilo para ser feliz, que precisa estar de um jeito ou outro, mas esquecem de examinar o próprio mundo mental. Já vi muitas pessoas mudando de cidades e países achando que então seriam felizes verdadeiramente, mas mesmo após a mudança nada aconteceu com elas. O ambiente externo mudou, mas dentro delas continuou da mesma maneira. De nada adianta mudar a localização geográfica se a posição que a pessoa se encontra internamente não muda nada. 

As intempéries que o mestre se referia não eram as climáticas como o calor, o frio ou as chuvas, mas as adversidades que ocorrem na vida de qualquer um. Sempre vão nos acontecer as mais variadas coisas e pode ter certeza que muitas delas serão difíceis e desagradáveis. Faz parte do mundo os infortúnios a que, sem querer, somos submetidos, mas como vamos lidar com essas tormentas é o que importa. É também internamente que enfrentamos as dificuldades.

Tal como nos deparamos com as condições climáticas externas e criamos recursos para lidar com o mau tempo: construindo abrigos, ar-condicionado, teto, etc., temos que aprender a desenvolver recursos internos (mentais) para lidar com o mau tempo que se dá internamente. A verdade é que se não criamos esses recursos psíquicos ficamos vulneráveis às maiores tempestades que podem despertar dentro de nós.

Os ditos distúrbios psíquicos que vêm cada vez mais fazendo parte de nossas conversas e realidade cotidiana têm origem quando estamos tão desamparados internamente, sem nenhuma assistência em nós mesmos, que adoecemos severamente. E na maioria das vezes não é mudando o ambiente externo que traz alívio para esses males, mas apenas quando aprendemos a desenvolver um espaço interno mais preservado e aprazível para que possamos encontrar abrigo verdadeiro. Uma pessoa sem mente desenvolvida é uma pessoa desabrigada.












segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Sonhar, não sonhar pesadelos

 


Sem a capacidade de sonhar não somos humanos. A humanidade depende do quanto podemos sonhar e também em como sonhamos. Se olharmos para qualquer coisa construída pelo ser humano: tecnologias, artes, ciência, todas foram antes sonhadas. O avião, por exemplo, que teve seu voo de estreia com Santos Dumont foi “sonhado” muito tempo antes dele. O próprio Leonardo da Vinci já havia feito alguns rascunhos de um aparelho que voasse, mas naquela época faltava ainda muita tecnologia e entendimentos para que pudesse se realizar de fato. No entanto, provavelmente vendo os pássaros o homem sonhou em voar. Nossa natureza e fisiologia não permite que façamos como as aves, mas isso não impediu que voássemos. Apenas exigiu desenvolvermos os meios que possibilitassem tal proeza. E tudo começou com um sonho, uma imaginação.

Hoje em dia não só há várias naves aéreas como também já se saiu até do planeta. Isso também foi sonhado primeiramente. Em qualquer direção que voltamos os olhos para a atividade humana teve sempre um sonho por detrás. Sonhar então é o que nos torna verdadeiramente humanos. Uma obra de arte, seja da literatura, das pinturas e desenho, do cinema, etc precisou primeiro ser imaginada na mente de alguém e ir ganhando corpo para poder se realizar. As ideias podem encontrar em nossas mentes um terreno fértil e acolhedor que permitam que elas ganhem cada vez mais possibilidades de se efetivar. Um filme nasce da cabeça dos roteiristas, do diretor, dos atores, da equipe toda necessária para fazer o filme sair da imaginação e acontecer. 

Os sonhos são vários e há muitos jeitos de sonhar. Há os sonhos que fazem construções serem levantadas, alta tecnologia ser criada, mas também há os sonhos pessoais, que desenvolvemos para as nossas vidas. Eles são sobre o que queremos, sobre os caminhos que sentimos que precisamos tomar para podermos encontrar realizações e sermos a nós mesmos. Esses sonhos pessoais de cada um é de vital importância. Por isso uma pessoa que não sonha está adoecida, não está podendo alcançar a sua humanidade.

Os distúrbios psíquicos que tanto falamos como pânico, depressão, crises disso e daquilo impedem de sonhar a própria vida. A pessoa que sofre desses males fica acuada sem conseguir sonhar e por conseguinte sem aquilo que impulsiona para seguir em frente. Quem não sonha não sabe o que quer, nem imagina quais trilhas ao longo da vida sente que precisa pegar. Fica-se esvaziado e isso é muito limitador.

Sem sonhos e sem imaginação a própria vida fica enfadonha e sentida como se não tivesse valor algum. Isso é algo perigoso ou no mínimo empobrecedor demais. 

Contudo, há também a necessidade de como vamos sonhar. Podemos sonhar bons sonhos, mas podemos também transforma-los em pesadelos. Os piores horrores que vivemos também foram sonhados inicialmente, mas se tratavam de pesadelos. Guerras, violências extremas, torturas, são todos frutos de um sonho que foi virando pesadelo. Um sonho que não foi bem sonhado. 

Sonhar e criar pesadelos são frutos da habilidade humana. Temos uma responsabilidade muito grande com tudo isso. Temos que nos responsabilizar se sonhamos, não sonhamos ou criamos pesadelos. Vale a pena refletir.


Sem mente ficamos desamparados

 



Acho interessante notar algumas coisas do dia a dia. Em janeiro agora estava na estrada e um pedaço dela estava bastante malconservada, cheia de buracos, sem radares, sem vigilância e sem nenhum tipo de cuidado. Nesses momentos que as pessoas deveriam ser mais cautelosas nesse trecho foi justamente o instante que a loucura parece ter dominado a maior parte de quem lá estava e faziam o que queriam, colocando a si próprios e outros em perigo. Reclamamos dos radares, ao longo das estradas, mas sem eles as estradas ofereceriam muito mais riscos. Sem um certo tipo de “vigilância” ficaríamos todos desamparados.

As leis que existem na sociedade têm por objetivo trazer organização e funcionamento. Caso contrário prevaleceria a lei do mais forte onde manda quem pode mais. De certa forma ainda, mesmo dentro da lei, há inúmeras injustiças que faz com quem for mais poderoso acabe tendo mais regalias, porém de forma geral as leis impõem ordem para que todos possam encontrar espaço. Para isso é necessário certos mecanismos de controle. Os radares nas estradas, ruas e avenidas estão nesse sentido. Sem eles as pessoas abusariam da velocidade em trechos indevidos criando riscos desnecessários. 

Reclamamos desses tipos de controles com muita intensidade e frequência. Quem não xinga os radares, as blitz da lei seca e muitos outras formas de patrulhamento? Quem não se enraivece quando é pego fazendo algo indevido? No entanto, por mais que reclamemos se não houvesse esses meios de monitoramento e cobrança a vida em sociedade se tornaria impossível. Cada um faria apenas o que quisesse sem a menor consideração pelo outro. Nenhum coletivo, nenhuma forma de sociedade organizada e minimamente justa conseguiria sobreviver entregue à lei do mais forte. Seria o pandemônio. 

A grande verdade é que sem leis nos tornaríamos monstruosos. Sem um aparato legal não nos conteríamos e estaríamos disponíveis para realizar as maiores atrocidades. Todos, sem exceção, guardam dentro de si lados bestiais que podem irromper se não houver nenhum tipo de “controle”. 

As leis jurídicas existem e são necessárias porque as nossas leis internas muitas vezes não são suficientes para dar conta dos nossos lados mais primitivos. Quanto mais mente desenvolvemos mais podemos contar com nossa capacidade de pensar sobre o que fazemos e não ficamos desamparados frente aos nossos instintos mais selvagens. Quando temos mente nos preservamos e preservamos quem está ao lado. Quanto mais mente menos dependemos das leis externas e legais para nos conter, mas podemos encontrar em nós mesmo essa contenção.

Sem contenção, sem que possamos contar com nossa capacidade de pensar podemos facilmente embarcar num estado de selvageria. Agora, precisamos lembrar e compreender que contenção não significa tirania onde o controle torna-se cruel e impeditivo de vida. A tirania que alguém pode se impor a si próprio é também falta de mente. Tanto o excesso de leis proibitivas quanto a falta de leis internas são estados que indicam o quanto falta uma mente verdadeira. Temos muito o que desenvolver em nós mesmos!


O que é fanatismo?

 


A palavra fanático vem do latim “fanus” que significa templo ou santuário. Na antiguidade o fanático era o porteiro e vigilante de um dado templo e cuidava com toda a dedicação possível de sua segurança e por isso mesmo da crença que aquele templo guardava. Na antiga Roma as pessoas cultuavam vários deuses, prestando-lhes homenagens e reverências, mas o fanático se apegava apenas a um e para ele a sua crença era a única que existia. Os outros deuses e templos não eram aceitos ou então eram considerados inferiores. O fanático é aquele que defende a sua crença com extremo fervor ficando surdo a tudo aquilo que o contradiga e ameace.

Podemos entender o fanatismo como um estado psíquico que promove uma adoração deslumbrada e irrestrita a uma determinada figura, causa ou movimento. O fanático está certo de sua ‘verdade’, ele não mente quanto a isso, mas acredita em qualquer mentira que venha a reforçar aquilo que crê ser a verdade. Exatamente devido a isso que o fanático é o maior alvo das fakenews e também o maior propagador delas.

Para o fanático as suas ideias estão corretas, mais até do que corretas, elas são a verdade e o ideal da pessoa fanática é mostrar essa dita verdade a todos os demais que ainda não a ‘viram’. Em outras palavras, ele quer ‘salvar’ todo aquele que não teve a revelação da verdade. E quem não quiser ser salvo representa um perigo e uma distorção tão grandes que precisaria ser eliminado. O inimigo passa a ser todo aquele que não comunga da mesma crença.

Vivemos atualmente o tempo do “nós contra eles” e isso vai acumulando agressividade e violência podendo explodir em atos de selvageria. Em tempos assim, nosso lado fanático pode ser estimulado e reforçado nos fazendo perder a cabeça. Tanto que muitas pessoas inteligentes, generosas e capazes praticam ações intempestivas assustadoras, por causa do fanatismo, fazendo com que elas não sejam mais reconhecidas. Essas pessoas ficam meio que ‘deformadas’. 

Na proteção irracional da crença o fanático pode criar mentiras perigosas que geram generalidades imprudentes sobre o outro, aquele que difere. “Todo mulçumano é terrorista, todo mundo que mora na favela é traficante, todo mundo que tem dinheiro é insensível, etc.” Criam-se mentiras que são tratadas como verdades ou como partes da verdade. A mentira, sentida como verdade, sempre estará acompanhando a visão do fanático. Atualmente, nessa polarização política que vivemos vemos um grupo jogando as mentiras mais perniciosas no outro grupo e vice-versa. 

No fanatismo ataca-se tudo aquilo que é diferente. O outro não é suportado e acaba não sendo mais um sujeito, mas um objeto de desprezo e de ataque. O contato com o diferente para quem é fanático é sempre traumático e assustador e por não conseguir usar a própria mente para tolerar e pensar, ele usa a mente para atacar e exterminar. A psicanálise só poderia ajudar alguém fanático na medida que ele suportaria, em algum grau, que não é dono da verdade e que seus sentimentos de vazio precisariam ser encarados e não tampados com falsidades que assegurem uma falsa certeza. Infelizmente, para quem é realmente fanático e fica tão apegado às suas certezas nenhum tratamento é eficaz. 


Como você se prepara para o ano novo?

 



“Ano novo, vida nova”. Com frases assim muitas pessoas começam o ano novo. Esperam que a passagem do dia 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro seja um acontecimento que por si só leve à mudanças e transformações. As pessoas anseiam por modificações em suas vidas, criam expectativas de melhoras e de grandes conquistas, porém esperam que essas coisas se deem com elas sem que muitas vezes elas não precisem fazer nada a respeito. O réveillon não tem esse poder, é só uma data comemorativa que criamos no calendário para marcar a passagem de um ano para outro, no entanto a mudança precisa ocorrer dentro de nós e não nas folhas do calendário. 

Até mesmo para termos esperanças é necessária certa dose de princípio de realidade, caso contrário corremos o risco de nossas esperanças serem apenas expectativas muito irreais. Esperança baseada na realidade, entretanto, é algo que pode levar a muitas consequências favoráveis e benéficas. Isso ocorre porque só temos êxito em qualquer coisa que nos propomos quando trabalhamos com e na realidade. 

As pessoas desejam as coisas mais variadas possíveis e esperam que tudo possa lhe ser dado milagrosamente. Imagine, por exemplo, que uma pessoa deseje uma bela e maravilhosa mansão e esta lhe seja dada de bandeja. Com certeza a pessoa ficará muito extasiada com tal presente, eufórica até, mas passado toda essa alegria há vários problemas a considerar. Se ela simplesmente ganhasse a mansão como ela pagaria o imposto que teima em vir todo ano? Como ela daria conta das manutenções para permitir que a mansão não decaísse? Como ela pagaria todos os empregados necessários para manter a casa e quintal limpos e organizados? Enfim, são fatos que precisariam ser considerados. Não basta apenas ganhar a mansão, mas ver se há condições de manter algo que se deseje, de checar se há preparo para ter o que se deseja.

Isso acontece muito com ganhadores de loteria. Há vários relatos de ganhadores de grandes somas de dinheiro que da noite para o dia ficaram ricos em suas contas bancárias, mas não tinham internamente nenhuma preparação, nunca desenvolveram nenhuma condição para lidar com tal quantia exorbitante. O resultado foi que a grande maior parte dos agraciados na loteria perderam tudo em pouco tempo. Alguns até viveram tragédias horrorosas por causa de seus ganhos para os quais não estavam aptos a administrar. O sonho virou rapidamente um terrível pesadelo. Quando não levamos em conta a realidade a chance de nos darmos mal é sempre grande. 

Quando desejamos algo para o início do ano novo precisamos manter os pés no chão e ir nos preparando, criando em nós condições para conseguir viver o que tanto queremos. Assim, as mudanças são feitas internamente, em nossas vidas, em nossos pensamentos e maneira de funcionar, para poder lidar com o que desejamos. A mágica, assim, não será mais dada pela passagem do calendário ou pelos pedidos que fazemos comendo sete uvas, pulando sete ondas ou qualquer coisa do gênero, contudo acontecerá quando abrimos e mantemos as condições dentro de nós. Quando trabalhamos o nosso desenvolvimento mental ficamos fortalecidos para dar conta dos nossos planos e sonhos. Um feliz ano novo a todos!