segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Quem é o responsável por você estar como está?



          Vamos direto ao ponto: quem é o responsável pela maneira que você está agora? Pela forma que você vive a vida? Muitas pessoas vão rapidamente responder que suas vidas estão como estão devido aos seus genes, ao seu pai, à sua mãe, ao marido, esposa, aos filhos, à sogra, a deus, ao chefe, etc. Quero dizer que com muita prontidão as pessoas acabam por arrumar alguém para colocar toda a responsabilidade pelo o que se passa em suas vidas. Culpar alguém ou algo de fora virou um esporte no qual as pessoas se especializaram muito bem. Chega até mesmo a ser prazeroso para muita gente viver desse jeito.
          A verdade é que a qualidade de vida que levamos é determinada por nossa capacidade de responder bem aos acontecimentos que vamos encontrando no caminho. Se desenvolvemos uma capacidade de lidar com os eventos da vida de forma inteligente e competente vamos usufruir de uma qualidade de vida mais digna e prazerosa. Se for o contrário, se não desenvolvemos uma capacidade de responder bem à vida vamos sempre ficar presos às circunstâncias, vamos sempre ficar à mercê do que se encontra fora de nós.
          É muito comum encontrar pessoas que estão sempre querendo melhorar o mundo externo. Querem fazer com que o mundo seja um lugar melhor, mais justo, mais equilibrado. Vou dizer algo que vai soar estranho a muita gente, mas isso é uma bela perda de tempo, um desperdício de energia.
          Isso é uma perda de tempo porque quando queremos mudar lá fora estamos nos voltando para aquilo que está no exterior. Por dentro continua tudo como está. Então como isso mudaria algo? Se nossa qualidade de vida depende de como respondemos à vida a mudança precisa ser interna e não externa. Não dá para querer que a vida seja um mar de rosas tranquilo para assim vivermos bem. Não dá para colocar essa condição.
          Para alcançarmos um certo bem-estar não é o mundo que precisa ser consertado, mas sim nós mesmos! Nós é que estamos doentes e o mundo apenas reflete a doença que vivemos interna e diariamente. Contudo, parece difícil as pessoas perceberem isso. Muita gente nega que está doente e joga a doença lá fora: nos outros, no mundo. Está na hora de sermos mais responsáveis.
          Responsabilidade não é uma questão moral, algo que precisamos encarar com peso, mas significa a maneira como respondemos à vida. E essa resposta precisa ser consciente, ou seja, precisamos escolher/decidir como vamos responder. Estamos sempre respondendo à vida, quer notemos ou não, mas na maior parte das vezes as respostas que damos são inconscientes, não nos damos conta delas e, por isso mesmo, achamos que as coisas acontecem independentemente de nós mesmos. Agora, se podemos nos tornar mais conscientes, mais responsáveis, podemos escolher como vamos responder. Podemos escolher ser mais eficientes em como vivemos. Esta consciência é a verdadeira iluminação e que está ao nosso dispor se trabalharmos para tanto. Responsabilidade é o que nos oferece a verdadeira liberdade. Você se torna livre para ser quem de fato você pode vir a ser.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Ilusões perigosas


    A atriz Ana Paula Arósio abandonou a carreira, sumiu da mídia por muito tempo para ficar longe dos holofotes. Várias pessoas tentaram entrar em contato com ela para entrevistas, pedidos de trabalho ou só curiosidade para alimentar as revistas de fofocas. Ela, salvo algumas exceções, sempre recusou e ficou incógnita, despertando muitas curiosidades. Até mesmo sua relação com sua mãe foi, aparentemente, deixada de lado, segundo os relatos da própria mãe, que afirma não ser procurada pela filha por anos. Achei interessante que numa notícia onde a mãe reclamava que não falava com a filha há 7 anos, uma internauta deixou nos comentários da matéria algo assim: “Que monstro é essa Ana Paula Arósio que não fala com a própria mãe?”.
​    Isso me fez refletir sobre como a relação mãe-filho é tão idealizada. Que fique claro: não estou fazendo uma análise da relação entre Ana Paula Arósio e sua mãe. Não as conheço, elas não são minhas analisandas. Apenas usei o exemplo delas para refletir sobre como, muitas vezes, a fantasia e não a realidade predomina quando se trata de falar sobre mães e filhos.
    ​Existe uma ideia errônea de que toda mãe é santa, de que toda mãe é boa por natureza. A verdade é que não é. Existem mães más, mulheres que não são boas mães (isso também acontece com os pais, mas se fala mais das mães do que deles) ou que nunca quiseram ser mães, mas que acabaram sendo e se ressentiram com isso. Há relações de mães com os seus filhos, e vice-versa, em que a melhor coisa que pode acontecer é cada um ficar no seu canto. Assim, haverá menos problemas e adoecimentos.
​    Há socialmente toda uma imposição para que a relação mãe-filho seja considerada algo tão bom e satisfatório que acaba forçando muitas pessoas a viverem o inferno e a fingir algo que não existe. De fato, em alguns casos os filhos e mães precisam se afastar e não necessariamente alguém é monstro nessa história. É apenas como as coisas podem se dar. Claro que há mães monstros e filhos idem, mas em muitos casos ninguém é monstruoso, apenas as coisas não foram bem e a distância pode ser a melhor via para se manter a sanidade e o bem-estar dos envolvidos.
​    É fácil e rápido julgar e condenar os outros, mas ninguém sabe como foi a história verdadeiramente. Há determinadas relações que se quebram a ponto de não poderem ser restauradas. Isso também faz parte da vida e precisamos aceitar. E quando isso acontece numa relação tão idealizada quanto a mãe-filho desperta-se muita raiva, porque a ilusão foi ameaçada. A pessoa que escreveu que a atriz acima mencionada era um monstro porque não falava com sua mãe teve sua ilusão de como essa relação deveria ser fragmentada e, por isso, partiu para o ataque, sem nem se dar conta que ela não sabe nada dessa relação nem do que seria melhor para as duas. 
​    Quando o que fundamenta nossa visão de mundo são ilusões mais há agressões descabidas quando algo sai do roteiro estabelecido. Há menos espaço para se suportar a vida como ela pode vir a ser e muita insistência em fazer com que a vida caiba nas ilusões pré-determinadas. Fazer isso é tanto violência quanto ignorância.

domingo, 7 de fevereiro de 2021

O menino do barril

 

    Saiu a triste notícia de que na cidade de Campinas foi encontrado em uma casa um menino acorrentado dentro de um barril. Nu, faminto, sem poder deitar-se ou ficar totalmente de pé foi mantido por pelo menos um mês nessas condições, sendo alimentado com cascas de bananas e fubá cru. Os vizinhos fizeram denúncia e parece que autoridades já tinham conhecimento desse fato há algum tempo e não tomaram nenhuma atitude. Quando os policias, enfim, foram no local encontraram uma situação miserável e assustadora.
    O pai do menino o torturava e como cúmplices havia sua madrasta e sua meia-irmã mais velha. Naquela casa havia tortura e ninguém fez nada. Será que era casa de fato no sentido de lar? Será que era família de verdade? Podemos pensar que não é porque algumas pessoas compartilham algum laço sanguíneo que isso significa que são uma família. Nem o fato de dividir o mesmo teto torna um grupo de pessoas uma família. É preciso mais para ser família, é preciso humanidade.
    Como sempre costumo dizer aqui nos textos ninguém nasce humano, mas torna-se humano através dos relacionamentos. Porém, não qualquer relacionamento, pois é preciso que estes sejam relacionamentos sadios. Sem isso não desenvolvemos nossa humanidade. É que aprendemos ser humanos com outros humanos. Família necessita de humanos e quando não há os últimos não tem como se formar uma família de fato. 
    O menino no barril me lembra o seriado mexicano Chaves que tanto sucesso faz aqui no Brasil. Chaves era um menino sem pai nem mãe que passava algum tempo dentro de um barril numa vila. Era criança abandonada, mas no seriado contava com os vizinhos que o ajudavam, mesmo que de maneira torta. No fim havia o amor entre os personagens do seriado e ele não estava acorrentado. O menino do barril de Campinas tinha outra história, mais macabra.​
    Sofrendo desnutrição e desidratação o menino do barril foi levado ao hospital onde já conseguiu ganhar alguns quilos. Talvez essas marcas físicas possam ser revertidas. Talvez seu corpo se recupere bem até porque sendo criança tem muito mais condições de recuperação. E as marcas psicológicas? Essas cicatrizes são mais difíceis de apagar. Elas podem se infiltrar e contaminar em como o menino se vê, se trata, se relaciona consigo e com o mundo e podem ser muito nocivas. Essas marcas não têm como ser apagadas, mas podem ser transformadas. O menino já sofreu tortura, mas não precisa carregar torturas psicológicas para o resto da vida. O que vai acontecer não sei, mas é possível haver transformação com muito trabalho.
    Quando vemos notícias assim nos sentimos desestabilizados e podemos facilmente perder as esperanças na humanidade. Contudo, é justamente o contrário que se faz necessário. Que não nos deixemos contaminar por aquilo que não é humano. O que é primitivo e bestial não pode nos deixar acorrentados e imobilizados dentro de nós mesmos. Que possamos sair de nossos barris e buscar sempre se tornar humano. É um trabalho a que todos nós somos convocados a realizar. Não dá mais para permanecermos no barril.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A base do sofrimento


    As pessoas estão constantemente conscientes de seus sofrimentos. Aquelas que estão sozinhas sofrem por se sentirem solitárias, enquanto aquelas que estão num relacionamento sofrem justamente por estarem num relacionamento. Não é assim? Aquelas que estão sem dinheiro sofrem pela carência material, mas aquelas que têm dinheiro também sofrem para manter o dinheiro e ficam muito ansiosas. Aquelas que estão desempregadas sofrem por não terem um trabalho, enquanto aquelas que estão empregadas sofrem porque no trabalho ocorre toda uma série de situações que as aborrece. O sofrimento está em todos os lugares e situações. As pessoas estão sempre reclamando, salvo raras exceções. Pensando nisto fica a questão: qual será a base do sofrimento humano?
    Como todos sabem o ser humano é de uma complexidade tão grande que responder a essa questão de forma simplista seria um grande engano, mas refletindo sobre a base do nosso sofrimento vemos o quanto sofremos porque, na verdade, não nos permitimos viver. Estamos sobrevivendo, contudo isso é bem diferente de estar vivendo de fato. Ainda não aprendemos a viver como humanos. Estamos num lugar meio perdido entre animal e humano. Sim, todos nascemos animais, mas temos a chance de nos tornarmos humanos. A
humanidade, ao contrário do que muitos imaginam, não acontece por si só, é uma construção interna.
    Se ficamos no meio do caminho entre o animal que nascemos e o humano que podemos vir a ser, ficamos no limbo. O significado de limbo no dicionário é “bordo, extremidade ou estado de indefinição”. Em outras palavras, não se está em lugar nenhum, é algo sem forma. Como se pode imaginar, não é possível viver nesta posição. Nela só há sobrevivência e nesta não se pode viver integralmente, só parcialmente. A grande maioria das pessoas está vivendo apenas parcialmente.
    O problema de se viver parcialmente é que não atingimos nossa totalidade, não atingimos nosso mundo mental. Podemos até atingir intelectualidade, mas intelecto e vida psíquica são bem diferentes. É muito comum, aliás, encontrar pessoas intelectualmente bem desenvolvidas, mas que vivem muito mal, sem qualidade alguma, sem prazer nenhum. Quem está no meio do caminho entre o mundo mental primitivo e o mundo mental desenvolvido fica com um pé aqui e outro acolá, sempre temendo perder o equilíbrio. Essas pessoas conseguem desenvolver a fisicalidade e algumas o intelecto, mas não acessam o próprio mundo mental.
    Essas pessoas sobrevivem buscando prazeres conhecidos, como tentar ser feliz através do dinheiro, do sexo, das drogas, dos títulos acadêmicos, etc., mas tudo isso acaba sempre no mesmo lugar: insatisfação. Não que algumas dessas coisas não sejam boas e não tragam prazer, mas a vida não é só isso nem a felicidade se dá através disso. Há muito mais a ser vivido. O que? Bom, para isso é necessário cada um se permitir descobrir o que está além, o que podemos experimentar quando vamos cada vez mais nos tornando o humano que podemos vir a ser. Essa experiência tem que ser vivida, não é para ser explicada. É um caminho que cada um tem que decidir tomar. Porém, posso dizer que quem vive mais integralmente não sofre tanto, ou melhor, sabe lidar mais eficientemente com o sofrimento.