segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Ilusões perigosas


    A atriz Ana Paula Arósio abandonou a carreira, sumiu da mídia por muito tempo para ficar longe dos holofotes. Várias pessoas tentaram entrar em contato com ela para entrevistas, pedidos de trabalho ou só curiosidade para alimentar as revistas de fofocas. Ela, salvo algumas exceções, sempre recusou e ficou incógnita, despertando muitas curiosidades. Até mesmo sua relação com sua mãe foi, aparentemente, deixada de lado, segundo os relatos da própria mãe, que afirma não ser procurada pela filha por anos. Achei interessante que numa notícia onde a mãe reclamava que não falava com a filha há 7 anos, uma internauta deixou nos comentários da matéria algo assim: “Que monstro é essa Ana Paula Arósio que não fala com a própria mãe?”.
​    Isso me fez refletir sobre como a relação mãe-filho é tão idealizada. Que fique claro: não estou fazendo uma análise da relação entre Ana Paula Arósio e sua mãe. Não as conheço, elas não são minhas analisandas. Apenas usei o exemplo delas para refletir sobre como, muitas vezes, a fantasia e não a realidade predomina quando se trata de falar sobre mães e filhos.
    ​Existe uma ideia errônea de que toda mãe é santa, de que toda mãe é boa por natureza. A verdade é que não é. Existem mães más, mulheres que não são boas mães (isso também acontece com os pais, mas se fala mais das mães do que deles) ou que nunca quiseram ser mães, mas que acabaram sendo e se ressentiram com isso. Há relações de mães com os seus filhos, e vice-versa, em que a melhor coisa que pode acontecer é cada um ficar no seu canto. Assim, haverá menos problemas e adoecimentos.
​    Há socialmente toda uma imposição para que a relação mãe-filho seja considerada algo tão bom e satisfatório que acaba forçando muitas pessoas a viverem o inferno e a fingir algo que não existe. De fato, em alguns casos os filhos e mães precisam se afastar e não necessariamente alguém é monstro nessa história. É apenas como as coisas podem se dar. Claro que há mães monstros e filhos idem, mas em muitos casos ninguém é monstruoso, apenas as coisas não foram bem e a distância pode ser a melhor via para se manter a sanidade e o bem-estar dos envolvidos.
​    É fácil e rápido julgar e condenar os outros, mas ninguém sabe como foi a história verdadeiramente. Há determinadas relações que se quebram a ponto de não poderem ser restauradas. Isso também faz parte da vida e precisamos aceitar. E quando isso acontece numa relação tão idealizada quanto a mãe-filho desperta-se muita raiva, porque a ilusão foi ameaçada. A pessoa que escreveu que a atriz acima mencionada era um monstro porque não falava com sua mãe teve sua ilusão de como essa relação deveria ser fragmentada e, por isso, partiu para o ataque, sem nem se dar conta que ela não sabe nada dessa relação nem do que seria melhor para as duas. 
​    Quando o que fundamenta nossa visão de mundo são ilusões mais há agressões descabidas quando algo sai do roteiro estabelecido. Há menos espaço para se suportar a vida como ela pode vir a ser e muita insistência em fazer com que a vida caiba nas ilusões pré-determinadas. Fazer isso é tanto violência quanto ignorância.

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