segunda-feira, 30 de março de 2020

Negação e onipotência

         
Foto: Isac Nóbrega
         Na pandemia do novo Coronavírus o pastor Silas Malafaia aprontou mais uma de suas bizarrices. Ele já fez várias - como querer a cura para a homossexualidade, como se esta se tratasse de doença – mas, agora, ele subestimou o poder do contágio do vírus juntando muitas pessoas num templo para fazer orações. Crianças, idosos e muitas outras pessoas sentadas lado a lado, negando o fato de que poderiam se contagiar e espalhar a doença para outros.
          Para o pastor o templo era o melhor lugar para aquelas pessoas estarem e ele disse que o pastor era tal qual um médico. Bem, usemos a analogia de que um pastor é o médico das almas, mas daí a equivaler essas duas posições seria temerário e ignorante. Cada uma tem o seu valor e sua função. Não dá para confundir as coisas e acreditar que um pastor pode substituir um médico ou que saiba mais que um médico quando se trata de saúde. Cada coisa em seu lugar, senão o mundo vira do avesso.
          Não seguir as recomendações das autoridades médicas é atitude inconsequente e, também, onipotente. Inconsequente porque nega a realidade e vive uma ilusão. Silas Malafaia, acredito, usava de um mecanismo de defesa que se chama negação. Algumas pessoas usam a negação para não entrar em contato com a realidade, principalmente quando esta traz uma dose de frustração. A mente dele não suporta a verdade, então, a nega. Negou o perigo que se colocou e colocou os outros, negou recomendações de gente muito mais estudada e preparada que ele nesse assunto para fazer o que bem queria e entendia. A negação pode levar a consequências muito destrutivas. Não podemos negar quando algo é perigoso, caso contrário colocamos nossa vida em risco.
          Sua atitude também é fruto de um sentimento de onipotência. Na onipotência a pessoa crê que tem poderes, que é, de alguma forma, superior aos demais, sente-se além do que determinam as leis e regras que servem à grande maioria. Na onipotência a pessoa se vê como uma figura mítica, quase um deus e não como um ser humano comum. Como vocês podem imaginar isso também é perigoso e pode acarretar fins trágicos. Quando alguém se dá muito crédito desconhece seus limites e sua fragilidade humana e não pode se cuidar de maneira apropriada. E quem não pode se cuidar não conseguirá, por sua vez, cuidar de outros.
          A vida tem seus perigos e temos que saber reconhecê-los. Não podemos, jamais, evitar a realidade e nem nos sentirmos acima da natureza. Não só fanáticos religiosos cometem essas besteiras, Bolsonaro, também, fez muito mal quando comparou o Coronavírus a uma simples gripe. Em suas palavras, ele, que sobreviveu a uma facada, não iria morrer de uma simples gripe. Acontece que pode morrer, sim. Ou precisar de cuidados médicos intensivos. Ele não está acima de ninguém, não é um escolhido divino nem tem super poderes. É apenas mais uma pessoa como qualquer outra.
          Estamos vivendo um momento em que ricos e pobres, brancos e pretos, diplomados e analfabetos estão todos no mesmo barco, mostrando que todos precisamos aprender a usar a própria mente para poder sobreviver e viver.

segunda-feira, 23 de março de 2020

Os efeitos do terror sobre as crianças


      Conversando com um médico pediatra ele me falou dos efeitos que a pandemia do coronavírus está tendo sobre as crianças. Ele citou que muitas delas estão apresentando sintomas como enjoos, mal-estar, vômitos e várias outras coisas, mas que não apresentam nada que fosse identificado de origem orgânica. Isso significa que elas não estão fisicamente doentes. Algumas crianças deixaram de se alimentar, outras pedem para ir ao médico de maneira desesperada porque acreditam que estão morrendo e outras vivem um pânico generalizado, causador de inúmeros sofrimentos. Como não se trata de algo orgânico precisamos nos voltar para o psíquico.
     ​Esse clima de medo que está instaurado não afeta somente os adultos, mas os pequenos também. Se para os adultos já está difícil, imagina então para as crianças e jovens que veem e sentem todo esse pânico. Todas aa crianças e jovens são dependentes dos adultos. Eles não sabem cuidar de si próprios, não possuem condições para tal. Dependem do cuidado e olhar de alguém adulto. Porém, se os adultos que os rodeiam estão com medo e tomados por uma ansiedade sem nome isso vai afetá-los muito.
     ​Quando uma mãe e um pai vivem o “clima de fim de mundo” a criança certamente perceberá, mesmo que isso tudo não seja falado diretamente. As crianças não são debiloides, elas percebem o que se passa ao redor e a “temperatura emocional” é fácil de ser notada. O problema está no que elas vão fazer com o que percebem, porque não têm estrutura para poder digerir conteúdos emocionais tão pesados e difíceis. Dentro das crianças esse pânico todo pode se transformar em algo muito aterrorizador, digno dos piores filmes de terror.
     ​É que por não possuírem condições de pensar sobre os acontecimentos de maneira mais clara ficam com as fantasias ativadas ao máximo. E essas fantasias conterão os piores medos e ansiedades dos pequenos. Então, eles acabam lidando com algo interno de extrema violência e do qual é impossível escapar. Como alguém escapa do que está dentro?
     ​Por haver um conteúdo interno tão apavorante que não é digerido isso se reflete no corpo. Quando ficamos mal com algo que é da mente é muito comum sentirmos os reflexos no corpo. Afinal, mente e corpo estão ligados, não há uma separação rígida. 
      ​O que elas necessitam nesses momentos é que alguém possa ajudá-las a pensar sobre a situação que vivem. Conversar com elas, deixar que seus medos possam se transformar em palavras ou serem demostrados através do brincar. Já dizia uma antigo ditado “Quem canta, seus males espanta”. Nesse caso, quem coloca em palavras ou em brincadeiras seus medos e angústias espanta muitos fantasmas. É preciso que alguém consiga ouvir o que a criança tem a dizer e ouvir é muito mais que um ato passivo. É uma atitude de ouvir, compreender e conversar. Poder ajudar a criança a conter o próprio medo, a lidar com ele de uma forma menos custosa.
     ​Quando a criança pode ser ouvida, sem condenações ou julgamentos, ela pode aprender a ver seus medos com outros olhos, pode aprender uma coisa de extrema importância para levar a vida adiante: discriminar o que é real do que é fantasioso. Isso é fundamental. Se ela for cuidada, se seu psiquismo for cuidado e levado em consideração, ela poderá também aprender a se cuidar e a levar a sua mente a sério. Vivemos, atualmente, um momento propício para avaliar como lidamos com as crianças e como as ajudamos a se desenvolver.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Nunca precisamos tanto da nossa mente como agora

  
          Há uma epidemia no ar, mas ao contrário do que muitos acreditam, que seja apenas o corona vírus, é uma epidemia de medo. Que o vírus existe e inspira cuidados não se discute. Que muitos países estejam passando por dificuldades e vivendo sérias preocupações devido ao vírus é fato. Porém, de carona com o vírus vem os nossos medos e ansiedades mais primitivos e isso, sim, vem contaminando muito mais que o próprio vírus em si.
        Seja através da imprensa, nas conversas entre as pessoas, vive-se um clima de medo, de quase fim de mundo. Uma coisa, muito importante, é saber ou aprender a se cuidar. Rever os procedimentos de higiene, evitar se colocar em situações de risco, cuidar da própria saúde, etc. Outra coisa, contudo, é declarar o apocalipse. Nessa crise pelo vírus economias de países derretem, falta-se comida em supermercados em muitos lugares, pessoas ficam em estado de pânico lastimável. Na verdade, junto com a ameaça do vírus nossos medos nos contaminam de maneira implacável.
           Já há toda uma série de problemas reais que precisamos enfrentar ao longo da vida. O vírus é mais um deles. Aliás, podemos ir até mais longe e pensar que a forma que tratamos a natureza e o mundo traz consequências severas como doenças, tragédias ambientais e mudanças climáticas. Não podemos achar que somos vítimas desse mundo. Somos coautores de tudo o que vem acontecendo. Uma hora temos que lidar com as consequências. A pergunta é: com que estado de mente vamos pensar e lidar com a vida?
           Ficamos tão desesperados que achamos que o vírus é única coisa que importa. Que basta se livrar dele que as coisas voltarão ao normal, ao que eram antes. O problema, entretanto, é muito maior que o vírus. É a forma que lidamos uns com os outros e com o mundo. Não adianta só pensar em erradicar o vírus. Precisamos disso, mas ir além também.
        Não podemos mais voltar a ser o que éramos antes. É preciso mudar, crescer, se desenvolver. Aprender a criar formas mais eficientes de se lidar com a vida e com o que ela nos traz. Enfim, precisamos passar para uma nova fase.
       ​E para passar para essa nova fase necessitamos de nossas mentes. Nunca se precisou tanto de nossas mentes quanto agora. Para se pensar melhor a vida e para também agora não cair em armadilhas de pessoas que só querem explorar os outros e tirar vantagens, de pessoas que sentem prazer em espalhar o terror e deixar todos aterrorizados. Sim, essas pessoas existem e nutrem um gozo por ver o “circo pegar fogo”. 
       Só nossa mente pode nos preservar de tanta loucura que se espalha bem mais rapidamente do que qualquer vírus.  Precisamos de paciência para poder dar tempo para as coisas se tranquilizarem e precisamos de tolerância às frustrações para suportar o que temos que aguentar e o que teremos nesses dias próximos. 
          ​Sem mente ficamos na barbárie e custa muito caro sobreviver assim. Nesses tempos vamos conhecer o que há de pior em nós, mas também podemos conhecer bem como desenvolver, expandir, o que há de melhor em nós. Depende de como vamos lidar com tudo isso. Depende de como vamos usar nossas mentes. Podemos sair dessa história toda mais ricos e sábios ou podemos sair mais pobres e cheios de ódio. Qual caminho você vai pegar?

segunda-feira, 16 de março de 2020

A importância de saber escolher


          Carmen Miranda falou uma frase muito interessante para refletir: “Na vida sempre fazemos escolhas. Ainda que escolhemos não escolher.” Essa frase é interessante porque coloca a responsabilidade de nossas vidas em nossas mãos e não em eventos e situações externas, apenas. Com bastante frequência as pessoas acreditam que as coisas ao longo de suas vidas simplesmente “acontecem” como se elas nada tivessem a ver com isso. Porém, isso é um engano e faz com muitos acreditem mais nos acasos da vida do que em si próprios.
          Estamos sempre escolhendo. Nossas amizades, nossos parceiros amorosos, nossa forma de nos relacionar com o mundo e com os outros são frutos de uma escolha, mesmo que não nos demos conta dela. Há escolhas que são inconscientes, ou seja, não “sabemos” que estamos escolhendo de uma forma ou outra, mas estamos! O grande problema é que quando a escolha é um processo inconsciente a gente tende a crer que nada temos com ela.
          Um exemplo pode ser bem ilustrativo. Há pessoas que só se relacionam, sucessivas vezes, com outras que, eventualmente, vão acabar lhes passando a perna, fazendo mal. Parece até um enredo que se repete mesmo que se troque os personagens. Isso não se dá à toa, mas se origina de um processo de escolha de alguém que prioriza se envolver com pessoas prejudiciais. Então, quando a gente vê essas situações repetitivas, sempre caindo nas mesmas armadilhas, é porque alguém está escolhendo ficar preso nesse enredo, mesmo que não perceba.
          Nosso poder de escolha é muito poderoso e influencia muito a nossa vida. Por isso mesmo é tão importante criarmos consciência do que escolhemos. Se não tivermos essa consciência vamos continuar escolhendo, mas de uma forma que ficamos ignorantes acerca do que realmente fazemos, o que leva, geralmente, ao sofrimento, já que, quando escolhemos inconscientemente, tendemos a escolher mal.
          Por outro lado, quando passamos a nos dar conta do que escolhemos podemos escolher e priorizar tudo aquilo que nos enriquece, que nos permite viver com mais dignidade.
          Infelizmente, é desconhecido ou até mesmo negado o fato de que escolhemos a nossa vida, a maneira como vamos viver. Isso ocorre porque ao aceitar que escolhemos temos que nos responsabilizar pela nossa própria vida e não mais adiantará botar toda a culpa pelos nossos fracassos nas circunstâncias ou pessoas externas. Quando aceitamos que somos nós que escolhemos como vamos viver precisamos assumir responsabilidades.
          Agora, quando escolhemos acreditar que tudo o que nos acontece nos vem de fora, que somos apenas um personagem passivo diante de nossas vidas, podemos atribuir tudo o que dá errado aos outros ou nas situações externas que fogem ao nosso controle.
          É importante destacar que escolhemos como vamos escolher: vamos escolher de maneira ignorante ou vamos nos atentar mais para o que escolhemos? Em outras palavras, vamos nos responsabilizar pelas nossas vidas ou vamos deixar que as coisas sejam decididas pelas nossas escolhas inconscientes? Saber responder essas perguntas é primordial para decidir que qualidade de vida vamos ter.

sexta-feira, 13 de março de 2020

Pergunta de leitora - Armadilha do inconsciente


Namoro há 2 anos e sempre pensei que ele seria o homem da minha vida e que acabaria me casando. Acontece que desde algum tempo venho sentindo atração pelo irmão do meu namorado. De repente ele ficou irresistível e quando tenho relação com meu namorado penso no irmão. Agora não sei mais o que fazer, não sei mais se meu namorado é o homem da minha vida. Tudo muito confuso. Pior é que essa história já aconteceu antes. Eu tive um namorado e depois me apaixonei pelo primo dele e no final não fiquei com ninguém. Será que invisto no irmão dele? Não sei o que fazer.

            Talvez o problema que você enfrenta seja não saber bem o que quer e nesse não saber vai colocando qualquer coisa no lugar sem pensar verdadeiramente. Tal como uma criança que quer sempre o brinquedo que não possui. Só que em vez de brinquedos há pessoas envolvidas nessa história.            Você mesma consegue ter consciência que isso tudo é uma repetição. Esse enredo já foi atuado antes e assim mesmo você não aprendeu. Está presa a um drama que se não for repensado irá se repetir indefinidamente. Hoje você se encontra empacada na sua história e deve, o quanto antes, sair desse impasse para poder viver favoravelmente. O drama a que você está presa se encontra no seu inconsciente e este se faz necessário decifrar.            Freud, criador do conceito do inconsciente, foi um inovador ao revelar que muitas das nossas atitudes são definidas por uma parte de nossa mente sem nos darmos conta disso. Essa parte, o inconsciente, nos dirige e influencia a maneira como vivemos. Quem não decifra o próprio inconsciente fica ignorante de si mesmo e escravo da repetição. Tal como a esfinge da mitologia que pede por decifração senão devora o seu interlocutor, nosso inconsciente também pode nos devorar se nos mantivermos alheios a ele.            O risco que você corre é o de ser devorada pela repetição e ficar ignorante do que realmente quer e pode ter. Para mudar essa situação é preciso aprender a ouvir o inconsciente e entender em que armadilhas ele te coloca. Saber de si mesma permite não mais cair nas armadilhas de sua mente. Você passa da posição de escrava do inconsciente para a de pensante da própria vida. 
          Quem sabe este não seja o melhor momento para iniciar uma análise e aprender com suas experiências?

segunda-feira, 9 de março de 2020

A diferença entre conhecimento e sabedoria

        

      Cora Coralina disse “O saber a gente aprende com os mestres e com os livros, mas a sabedoria a gente aprende com a vida e com os humanos.”  Só as próprias experiências podem oferecer a construção da sabedoria. O saber “intelectual” é algo muito bom e deve ser sempre cultivado, mas não é nesse tipo de saber que encontramos sabedoria, pois esta implica, acima de tudo, em experiências de vida.
       É até comum encontrarmos pessoas que carregam um vasto conhecimento intelectual, estão sempre bem informadas e a par de tudo, porém são meio que analfabetas no que diz respeito a encarar a própria vida. Em suas vidas emocionais se encontram perdidas e primitivas. E o contrário disso também ocorre, quando há pessoas que não têm um grande conhecimento intelectual, mas que sabem viver muito bem suas vidas e lidam com suas emoções de forma bem mais madura e produtiva.
        Algo que acontece com bastante frequência é que o conhecimento intelectual sozinho é mais valorizado e mais reconhecido. E isso acontece porque, de uma certa forma, o conhecimento intelectual é de mais fácil obtenção do que a verdadeira sabedoria. Acumular conhecimentos é mais fácil do que vivê-los. Porém, o conhecimento sem serventia não tem função para nada além de alimentar o narcisismo de quem o possui. Há inúmeras pessoas que carregam seus conhecimentos como se eles fossem as coisas mais importantes do mundo, como se apenas tê-los os fizessem melhores que o resto da humanidade. Isto é pura arrogância e até superficialidade, pois quem age dessa maneira se esconde atrás de seus conhecimentos, mas também acaba por se esconder da vida.
       Para se obter sabedoria é algo bem mais complexo, mais demorado e também mais custoso em termos pessoais. Ser sábio é se permitir aprender com a vida. É aceitá-la com todas as dificuldades que a vida sempre traz, mas mesmo assim sempre procurar tirar um bom proveito que enriqueça o modo como vivemos. É, como já diz o velho e conhecido clichê, fazer do limão uma limonada. Por isso leva-se tempo. A sabedoria não pode ser comprada e nem conseguida facilmente, mas é conquistada e construída. É mais complexo porque se abrir aos próprios sentimentos e aprender com eles é sempre algo que exige de nós mesmos. E por fim é custoso porque nas experiências de vida não são só coisas boas que acontecem, mas coisas negativas também. Ninguém gosta da ideia de passar por algo ruim, mas para se crescer verdadeiramente é impossível não encarar inclusive os eventos que nos causam tanto sofrimento e angústias. Entretanto, só vivendo a vida de fato podemos passar do nível do conhecimento para o da sabedoria.
      É um caminho que cada um precisa decidir trilhar. A receita para ser sábio não existe. Ela não será encontrada em nenhum livro e com nenhum guru. É algo pessoal e intransferível. Claro, um sábio pode ajudar outras pessoas, mas não transferindo sabedoria, porém a estimulando a trilhar a própria jornada.

sexta-feira, 6 de março de 2020

Pergunta de leitora - Onipotência é prisão



Meu pai é homossexual. Ele se descobriu gay quando tinha 50 anos e eu 22. Ele se separou da minha mãe e acabou assumindo um relacionamento com outro homem dez anos mais novo. Já se passaram alguns anos e eu até hoje não consigo aceitar que meu pai seja gay. Hoje sou casada e tenho um filho e não quero que meu filho se encontre com meu pai, não aceito a condição dele. Nada vai me fazer mudar de idéia. Só quero que ele volte a ser o que era, um pai, um homem casado com mulher, como os homens devem ser. Meu pai me deixa irritada e infeliz.

            O que te deixa irritada e infeliz não é o modo como seu pai vive a vida, que é dele por sinal, mas por insistir no pensamento rígido que não admite mudança e aprendizagem, ou seja, que vai contra a realidade de que você não controla o mundo. Acreditar na onipotência e se deparar que ela é ilusão é o que te aborrece.
            A história da "cura gay" e seus defensores serve para você aprender algo importante: Quem acha que pode mudar o comportamento do outro ou simplesmente estabelecer o que é certo e errado está preso na onipotência. Onipotência só leva ao preconceito e este só leva ao distanciamento entre as pessoas. Hoje você vive afastada do seu pai por preconceito e não porque ele te impede a aproximação.
            Ele não se descobriu gay aos 50, ele apenas se permitiu viver a sua orientação sexual aos 50. Não é fácil mudar a rota da vida, mesmo quando necessário, é um ato que requer muita coragem e isso seu pai mostrou. Será que por essa atitude ele não mereceria alguma demonstração de afeto e respeito?
            Não cabe a você decidir o que seu pai é ou não. Você só pode aceitá-lo. Devemos desejar que as pessoas que amamos sejam felizes e só podemos ser realmente felizes quando podemos ser nós mesmos. Você exige que seu pai seja outro, contrariado e reprimido, e ele deu mostras de que não aceita isso. Ainda bem que é assim. A vingança de impedir seu filho de conviver com o avô é prejudicial a todos e só ensina o ódio e o ressentimento. Enquanto não largar a onipotência a maior perdedora será você mesma.

segunda-feira, 2 de março de 2020

A fonte de nossa raiva

    

    
   Ficamos enraivecidos facilmente com os outros e com as situações. No trânsito, então, nem se fala. Parece que está quase todo mundo com raiva todo o tempo. É só alguma coisa, até mesmo insignificante, acontecer que há xingamentos, buzinadas e gestos obscenos para todos para tudo que é lado. Não só no trânsito, mas também na vida familiar, no trabalho e em muitos outros lugares a raiva está sempre presente e tornando tudo muito difícil. Geralmente acreditamos que são as outras pessoas e as situações que nos causam este sentimento de raiva, mas na verdade, essa raiva já existe dentro de cada um. Nós mesmos somos a fonte da raiva que sentimos.
     Imagine que alguém tenha te insultado. Você sentirá a raiva irromper, você vai ferver e notar que a raiva vai ser descarregada na pessoa que o insultou. Talvez você não tenha percebido, mas a raiva é sua. A outra pessoa não é a fonte dessa raiva. Talvez, o outro tenha atingido a fonte, mas se a raiva não estivesse dentro de você ela não poderia aflorar. Só aflora raiva quando ela já existe em algum lugar.
     Se você jogar um balde num poço cheio de água ele vai voltar com água dentro. Mas se o poço estiver vazio o balde retornará vazio. A água é do poço, assim como a raiva é sua. O balde, nesse caso, só ajudou a trazer a água para fora. A pessoa ou situação que te irritou fez o papel do balde. Portanto, a pessoa que te insulta está jogando um balde em você e ele sairá cheio daquilo que existe lá dentro, seja raiva ou qualquer outro sentimento.
     É importante lembrar que ninguém e nada lá fora tem o poder de fazer você sentir isso ou aquilo, apenas traz à tona o que já existe. Na situação do trânsito, mencionada acima, quando alguém fica com raiva do outro é na verdade uma raiva que já estava presente e que encontrou uma “desculpa” ou “motivo” para sair e ser expressa. 
Nesses momentos em que percebemos que estamos transbordando raiva - ou pode ser até mesmo qualquer outra emoção - é importante prestarmos atenção ao nosso mundo interno, porque é dali que está tudo vindo. A fonte é a nossa mente. O ódio, o amor, ou seja o que for, tudo vem da sua fonte e se ousarmos mergulhar dentro de nós mesmos poderemos ter a chance de compreender melhor nossos processos internos, entender a maneira como funcionamos. Com essa compreensão podemos lidar melhor com o que sentimos. Vamos saber o que é nosso e nos apropriarmos do que fazemos com o que é nossos.
Assim, nos tornamos mais conscientes de nós mesmos e menos dependentes dos outros e do ambiente externo. Vamos nos responsabilizar mais pelos nossos atos, ao invés de jogar toda a culpa nos ombros dos outros e das situações.
     O resultado dde toda essa consciência é a possibilidade de viver melhor consigo e com os demais. A qualidade de vida pode ser imensamente melhorada para todos, mas, para isso, se faz necessário entendermos mais sob nós mesmos e aprendermos a lidar com o que nos pertence. Caso contrário, ficarmos sempre dependentes de alguma coisa lá fora para "justificarmos" tudo o que sentimos. Viver dependente nunca é um bom negócio.