sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Respeitar e não julgar

         Clarice Lispector escreveu: “E se me achar esquisita, respeite também! Até eu fui obrigada a me respeitar!” Todos temos nossas características e, muitas vezes, nos comparando com os outros, nos achamos piores ou menores. Isso acontece porque gostar de si mesmo, apesar de parecer fácil, não o é. Possuir uma verdadeira autoestima é um trabalho de longo prazo. Não podemos confundir a autoestima verdadeira com a arrogância, que nada mais é do que uma compensação desastrada de uma baixa autoestima.
            É tão mais fácil ter baixa autoestima porque durante a vida somos sempre muito julgados. Nas famílias, nas escolas, enfim, em toda a sociedade o ato de se julgar os outros se faz muito presente e, com isso, aprendemos a agir no mesmo sentido - com os outros e com nós mesmos. Só que julgar o outro é uma crueldade, pois dá ao outro uma posição que nem sempre corresponde à verdade. Rotula-se o outro e se esquece das coisas que este outro sofreu e passou. Culpa-se os outros muito facilmente, sem nenhum traço de humanidade.
            Muito melhor do que julgar é refletir. Parece apenas uma troca de palavras, mas na realidade se trata de dois atos totalmente diferentes. Ao refletir ou analisar há a possibilidade de compreensão - aliás, é justamente isso que a reflexão sempre busca: compreender. Com esse tipo de atitude não se coloca o outro numa posição já pré-estabelecida, mas permite-se revelar a verdadeira humanidade por trás das pessoas. Com a reflexão há o respeito pelo outro, passa-se a respeitar quem o outro é.
           Se cada um na sua vida particular pudesse trocar o julgamento pela reflexão o ganho de toda a sociedade seria imenso. Aprenderíamos a respeitar os outros e a nós próprios e desse jeito a autoestima não seria artigo raro. Poderíamos gostar de nós mesmos e nos abrir mais facilmente às diferenças dos outros. 
           A melhor lição que recebi de não julgar o outro foi no período de estágio na faculdade. Eu era inexperiente e recebi meu primeiro paciente. Na supervisão fiz uma observação que, na verdade, era um julgamento. Lembro-me muito bem do supervisor ter olhado para mim firmemente e dito: “Sylvio, o paciente chega como pode, não como você quer ou como você acha que deveria ser” Depois dessa aprendi uma bela verdade que me ajuda até hoje quando me encontro com alguém.

Pergunta de leitora - Permanecendo na solidão


Preciso fazer uma pergunta. Sou casada há mais de um ano e tenho a sensação de que estou sempre sozinha. Meu marido é atencioso, está sempre comigo, mas mesmo assim me sinto solitária. Não sei por que isso acontece. Achei que casando essa minha sensação, que já sentia antes, fosse embora, mas não foi. Parece que nada me satisfaz a ponto de não mais me sentir solitária. Meu marido fica assustado comigo e não sabe o que fazer para me ajudar a me sentir diferente. Não quero que ele se sinta mal ou culpado, mas eu mesma não sei o que acontece e o que fazer. Tem alguma coisa que o senhor possa me dizer?

            Há vários tipos de sentimento de solidão. Nem todos são iguais. No seu caso você fala do sentimento de solidão que vive no seu relacionamento com seu marido e percebe que não era para se sentir assim, já que ele se faz presente na sua vida e se preocupa com seu bem-estar. Esse sentimento não é algo real externo, mas se encontra no real interno, ou seja, só vai entendê-lo ao procurar dentro de si mesma.
        Antes mesmo do casamento você se sentia solitária, porém não deu suficiente atenção a este sentimento, considerando-o que era pelo fato de não estar casada e que assim que casasse este mesmo sentimento iria embora. Entretanto, não foi assim que funcionou e esse sentimento permaneceu mesmo não havendo razão para tal. Quem crê que o casamento vai mudar todo o nosso mundo interno se frustra, pois o casamento não serve para isso. Por um tempo pode até mascarar o que sentimos mais internamente, mas depois o que é nosso sempre retorna.
           Fica difícil falar da natureza do seu sentimento de solidão sem maiores informações, mesmo assim arrisco a hipótese de que esse sentimento nasce da expectativa que você cria no relacionamento que vive. Será que você espera que o relacionamento com seu marido venha a lhe trazer satisfação total? Que irá suprir todas as faltas que existem em você? Como isso não acontece, aliás, em nenhum relacionamento isso ocorre, você se sente sozinha, meio que abandonada, tendo a sensação de que está só.
        Estar bem consigo significa desejar o possível. Quem deseja o impossível acaba sempre na frustração. Provavelmente você deseja uma união impossível, uma união que venha a ser totalmente satisfatória, algo que só pode existir na imaginação. Se for este o caso você só ficará bem quando abandonar o desejo impossível e aceitar os limites da vida humana. Uma análise lhe seria proveitosa neste momento, pois falar da sua situação pode iluminar o porquê se encontra desejando o impossível e se impedindo de viver plenamente. Uma boa análise poderá significar o seu sentimento e isso pode te levar a reescrever a forma que você se relaciona consigo e com os outros. Que tal usar a sua angústia para se autoconhecer?

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Uma história assustadora



          Um dia peguei um Uber e, durante a conversa com o jovem motorista, ele contou algo que me deixou perplexo. Ele disse que havia sido chamado para uma corrida em um salão de beleza e que chegando lá duas crianças - uma menina de 7 anos e um menino de 5 (ele soube dizer a idade porque perguntou a elas) - foram até ele e perguntaram se ele era o Uber que a mãe havia chamado. O motorista perguntou aonde a mãe deles estava e a menina respondeu que estava dentro do salão de beleza e que ela havia chamado o Uber para levá-los de volta para casa, onde uma empregada os aguardava. O motorista me disse que ficou incomodado, sem saber bem o que fazer, mas acabou levando as crianças, sem a mãe nem mesmo ter saído para ver a cara de quem ia levar seus filhos. Não é uma história assustadora?

          ​Essas crianças estavam abandonadas. Crianças, como todos deveriam saber, não sabem cuidar de si mesmas e precisam de alguém que cuide delas. Está escrito até mesmo no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas convenhamos que nem precisaria ser lei algo tão básico, bastaria bom senso. Pois é, o bom senso está em falta, tornou-se mercadoria rara e cenas assustadoras assim acontecem com muita frequência.
​          Fico imaginando o terror dessas crianças entrando no carro de um desconhecido, sem nenhuma referência. Mesmo que por fora elas pudessem até não demonstrar medo é óbvio que deveriam estar amedrontadas. É uma situação de grande vulnerabilidade e elas poderiam não ter palavras para descrever o que sentiam, mas não há dúvidas de que o sentimento estava lá. Qual um dos maiores medos das crianças? Serem abandonadas! E foi justamente isso que aconteceu a elas.
​      Sem alguém que cuide de uma criança como ela vai aprender a se cuidar? Aprendemos a nos cuidar quando introjetamos uma função cuidadora, quando alguém nos cuida e podemos, então, espelhar essa ação conosco. Quando somos protegidos e preservados aprendemos a nos proteger e a nos preservar. Quando somos tratados como pessoas queridas e amadas aprendemos a nos amar também. Porém, uma criança que não é cuidada fica à deriva e desamparada.
​          O sentimento de desamparo é terrível e essa mãe não faz ideia do terror que seus filhos deveriam estar sentindo e também do perigo em que ela os colocava. Parece que não há nessa família uma função cuidadora. A mãe não sabe cuidar e proteger (devido, talvez, até ela mesmo não ter sido cuidada) e as crianças vão crescer sem saber se cuidar e vão se colocar futuramente em situações de risco, pois não terão dentro delas um registro de cuidados. Se não mudarem, vão repetir com seus relacionamentos e seus filhos a mesma falha. É uma falha emocional muito grande.
         Quando uma falha desse quilate se instala é como uma cratera imensa que fica no nosso mundo interno. Um buraco que nos leva a cair muitas vezes em relacionamentos doentios, em situações empobrecedoras, em dores que poderiam ser evitadas e tudo isso cobra um preço alto demais no nosso desenvolvimento, que fica tolhido. Essa história que o motorista do Uber me contou, e que parecia ter mexido muito com ele, é só uma gota no meio de tantos abandonos e violências que existem por aí, mas ilustra bem o quanto não ter desenvolvido uma mente que pense de fato influencia esse mundo a ser o que é. Como vamos cuidar do mundo, do meio-ambiente, da boa política se não cuidamos de nós mesmos e do que nos é importante?

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Sobre os corações e as palavras


Um monge foi ofendido por um homem. A mulher desse homem era uma fiel seguidora desse monge e exigiu que seu marido fosse pedir desculpas ao venerável sábio. Contrariado, mas sem coragem para aborrecer a mulher, o homem foi até o templo e murmurou algumas palavras de arrependimento. “Eu não o perdoo”, disse o monge. A mulher ficou horrorizada. “Meu marido se humilhou e o senhor, que se diz sábio, não foi generoso!” O monge então respondeu: “Em mim não há nenhum rancor para com seu marido, mas se ele não está verdadeiramente arrependido, é melhor reconhecer que tem raiva de mim. Se eu tivesse aceitado o seu perdão, estaria criando uma falsa situação de harmonia e isso aumentaria ainda mais a raiva do seu marido.”



​                 Quantas pessoas mundo afora não criam uma falsa situação de harmonia? Em nome da boa educação ou de manter bons relacionamentos fingem que está tudo bem, enquanto por dentro nutrem raiva e ódio. Aparentemente parece que está tudo resolvido e deixado para trás, mas é uma situação falsa. Há apenas uma imagem de harmonia que não é verdadeira.


             Há inúmeras pessoas que vivem assim, através das imagens. Nada adianta apenas existir imagens de boa harmonia se não é isso o que se sente de fato. O velho monge da história acima não cedeu aos costumes de se por panos quentes numa situação tensa e difícil. Ele não procurou uma saída fácil e artificial. Pelo contrário, ficou firme e decidido a ser verdadeiro, mesmo que isso fosse infinitamente mais duro. Ele não aceitou o pedido de desculpas do homem por uma questão egoica ou infantil, mas porque não aceitava aquilo que não fosse do coração, ou seja, que não fosse o que estava sendo sentido pelo homem. 
               ​Só podemos viver de verdade quando nossas palavras e corações são coerentes. Quando corações e palavras estão dizendo coisas contrárias cria-se uma divisão, uma fratura que impede de haver harmonia e bem-estar. Fica-se falso e não há como existir felicidade quando a falsidade está presente. A nossa tendência é procurar saídas rápidas e indolores, enquanto tratar a verdade é sempre mais doloroso, contudo a verdade também gera possibilidades de haver um verdadeiro crescimento. 


              Caso o homem da história acima aceitasse a sua raiva, ele poderia vir a entendê-la e, com isso, poderia vir a transformá-la. Haveria uma evolução, uma aprendizagem e ele sairia mais rico de todo esse evento. Todavia, isso só poderia ocorrer se a verdade não fosse ocultada por palavras bonitas, mas sem significado.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Pergunta de Leitora - Desejar o Possível



Quero perguntar mais uma de minhas maluquices. Eu tenho 20 anos e já me envolvi com três homens casados. O primeiro eu meio que tive uma paixão adolescente. O segundo foi uma atração e o terceiro há muito me sinto atraída por ele, mas fiz o máximo para que nunca acontecesse nada. Até que um dia ele me mandou uma mensagem e contou que se sentia atraído por mim e eu acabei contando a ele que eu também. Depois disso, que contamos um a outro sobre nossa atração mútua, uma hora ou outra ele me mandava mensagens e eu não consegui mais esquecer, os meus desejos por ele só aumentaram e tive sonhos me relacionando com ele. Outro dia ele me chamou pra ir vê-lo andar de bicicleta, então eu fui. Daí a gente acabou se beijando....
Eu não quero dar continuidade a isso. Minha consciência pesa, mas eu sempre me pergunto por que sempre atraio isso e sempre me sinto atraída.

            A gente não escolhe por quem nos sentimos atraídos. Simplesmente nos sentimos atraídos, mas quando você fala que já se envolveu com três homens casados você não está falando de uma simples atração apenas, porém de algo que se repete. Não foi um, mas três homens casados, ou seja, há um roteiro bem estabelecido que você anda seguindo. Descobrir esse roteiro é que se faz importante para que você entenda mais de si mesma.         
            Hoje, você vive sua vida afetiva de maneira bem conflituosa. Afinal, um homem casado traz problemas para você. Desde impossibilitar de fato uma relação aberta e franca que possa progredir, bem como brigas e desentendimentos que porventura possam surgir. A questão que você deve se fazer é por que você está se colocando numa posição tão complicada? Por que será que não se sente atraída por quem está disponível e por quem poderia te oferecer algo?
            Essas respostas, que você está necessitando saber, só poderão ser encontradas se você se debruçar sobre sua história de vida e compreender o que está repetindo quando só se envolve com esse tipo de homem. Você sempre quer um homem casado, que dificilmente poderá ser seu namorado e que se outras pessoas descobrirem, provavelmente, haverá muita perturbação. Parece que você quer o que não pode ter. Quando procuramos o que não podemos ter o resultado é sempre infelicidade.
            Você mesma começa sua pergunta para mim dizendo que era mais uma das suas maluquices. O que será que você quis dizer com essa palavra “Maluquice”? Ousaria dizer que você reconhece, em algum grau, que o que vem vivendo está mais numa dimensão de uma inconsequência, uma temeridade e insensatez do que de uma coisa consistente e verdadeira. Parece que você sabe que há algo aí, ainda não compreendido, que te coloca em risco e que pode te custar caro. Quem sabe já não esteja na hora de você se colocar em análise para se entender melhor e procurar caminhos que te realizem verdadeiramente?

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

A triste miséria interna

     

     
     Vidas Secas de Graciliano Ramos é uma obra que retrata a miséria vivida por uma família de retirantes em busca de uma vida melhor. O romance descreve em detalhes a aridez da terra, a pobreza e a falta de relações humanas de qualidade. Essa história não se foca apenas na miséria que se encontra ao redor dos personagens, revelando carência e falta de recursos materiais, mas revela também a miséria interna que toma conta da mente dos personagens.
     Há dois tipos de miséria. Uma delas é a falta de recursos materiais que traz transtornos e inseguranças. É inegável que esse tipo de carência é uma triste condição e que pode, em muitos momentos e dependendo do caso, inviabilizar a evolução das pessoas, deixando-as sem esperanças e desmotivadas. Sem recursos à nossa volta fica difícil crescer com saúde e dignidade.
     A outra miséria é a falta de uma mente que pense e que dê sentido à vida. É não se ver como ser humano, mas como um ser que vai vivendo sem nenhum tipo de consciência.  Esse tipo de miséria pode estar presente na vida de qualquer um, independe se essa pessoa conta com recursos materiais ou não.
     No romance fica explícito a falta de comunicação entre os membros da família que se expressam por grunhidos, mas nunca por verdadeiros diálogos. O ser humano precisa da fala para se desenvolver. É através da fala que aprendemos a nos conhecer e a conhecer o outro e nesse encontro, entre nós e o outro, construímos um novo saber que humaniza. Ninguém nasce sabendo ser humano. Não é algo que se herda geneticamente, porém é um processo de aprendizagem, como quase tudo na vida. Poder falar e se expressar propicia sonhos e planos que servem de alimento para a alma. Uma pessoa que não é humanizada fica desnutrida.
     As crianças em Vidas Secas nem mesmo nome têm o que revela a falta de significados que cerca esses pequenos que quando crescerem vão repetir os mesmos erros dos pais. Não possuir um nome é não se ver com uma identidade, é ficar sem valor. Quantas pessoas, em nosso meio, será que não estão assim, perdidas nessa miséria?
     A verdadeira e pior miséria que pode existir é a da mente, pois nos prende a um estado de pobreza de significados. Para resolver esse tipo de miséria é necessário trazer alimento para a mente. O alimento se encontra à medida que passamos a falar de nossa condição e a criar sentidos. É um trabalho que cada um necessita empreender para deixar um estado de miséria a fim de chegar a uma vida melhor. 
     Metaforicamente somos todos retirantes por precisar realizar essa jornada para desenvolver a mente e criar melhores condições de vida. Da situação de miséria interna não se foge, até mesmo porque não há lugar para se fugir, ela está em nós e não podemos fugir de nós mesmos. O único caminho é recorrer à transformação desse estado em outro que já não seja mais tão empobrecedor. Um dos significados da palavra miséria é "coisa de pouca importância e valor". Não deixemos a miséria se instalar em nossas vidas.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Pergunta de Leitora - Há vida para viver




Na ceia de Ano Novo me deparei com uma crise de Ansiedade ou Pânico, não sei dizer. Eu preparei uma matéria, um texto para a minha mãe, em comemoração dos 80 anos dela, para falar na ceia de Ano Novo.  Havia umas 80 pessoas, eu estava tranquila, até fui bem, na homenagem, voz meia trêmula, mas saiu; depois me sentei à mesa, comecei a sentir mal: suei muito (a pressão arterial deve ter baixado), uma dor muito forte na boca do estômago, acompanhada de uma diarreia e até a sandália me incomodava, tive que tirar.
Me senti sufocada, com medo não sei do que por alguns momentos. No meu trabalho, em algumas tarefas, funções, às vezes tenho essas sensações de medo, insegurança e ansiedade; eu me lembro que, quando mais jovem, trabalhava no Banestado e um colega me disse, "Voce é muito assustada", e eu não dei importância ao fato. Eu acredito que existe algo que me deixa assim, assustada com coisas, sem muita importância.
Quando me sinto ansiosa, eu procuro ler ou assistir a um filme para me acalmar. Estou com 60 anos, sofri muito de labirintite, e em consequência, tenho deficiência auditiva, mas não me impede de eu levar uma vida normal; tenho uma dieta saudável, pratico musculação e esteira, mas, sinto que preciso de algo para meditação, tipo, ioga. Meu irmão disse que devo procurar uma ajuda psicológica, meu marido já diz que eu devo saber administrar, controlar a ansiedade, pois ele não acredita em psicologia e psiquiatria. Sei que passei neste final de ano, por mais uma crise não sei do quê. É uma sensação horrível, um mal-estar inexplicável. Dr Sylvio, preciso de uma orientação do que pode estar acontecendo comigo, e o que devo fazer!


            Você sabe do seu mal-estar, do quão desconfortável é a angústia que sente, mas não sabe o que origina esse mal-estar. Geralmente, quando ficamos angustiados queremos nos livrar da sensação incômoda o mais rápido possível, porém não se trata de se livrar de algum sentimento ou emoção, mas de poder compreender o que se passa internamente. Em outras palavras, o que lhe falta é dar um sentindo para o que você sente, dar um significado.
            Me chama atenção o fato de que você prepara um discurso para a sua mãe, o faz na frente de tanta gente, e assim que o termina se sente mal. Seu colega de trabalho já dizia que “você era assustada”. No trabalho você, também, sente insegurança e medo. Será que tudo isso diz que você não confia em si própria? Não acredita na sua capacidade? Além disso, pode ser que você se cobre demais, até de maneira cruel, daí a sensação de sufocamento. Talvez, haja uma mistura de falta de autoestima com excesso de auto cobrança na maneira que vem vivendo todos esses anos, o que leva à uma sensação muito difícil de suportar.
            Seu irmão diz que você deve procurar ajuda psicológica, já seu marido desautoriza esse pedido de ajuda, pois acredita que você tem que lidar com tudo isso sozinha já que ele não acredita em nada. Mas o que você quer? Você falou deles, da vontade e da crença deles, mas falta falar de você, do seu desejo e de ir atrás das suas necessidades. Ninguém vai viver a sua vida, pagar o preço dela, então só você mesma poderá decidir. A sua deficiência auditiva não é o problema, tanto que você mesma reconhece que leva uma vida normal quanto a isso, mas a falta de audição sobre si própria é que vem te prejudicando. Quando alguém não consegue ouvir a si próprio, fica mesmo atordoado.
            Ao me escrever esse e-mail você está procurando algum tipo de ajuda. Você já sabe que não dá mais para continuar vivendo nessas condições e que se faz necessário transformar como você se vê e se coloca na sua vida. Que tal agora dar o próximo passo e de fato fazer uma análise? Aprender a se ouvir, aprender a dar um significado a tudo o que se passa internamente? Tudo o que você sente não é inexplicável, é apenas a falta de compreensão sobre si mesma. Com 60 anos há vida pela frente. Está na hora de descobrir sobre si. Descobrir-se sempre traz medo, mas alguns medos valem apena serem enfrentados.