segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Sobre os corações e as palavras


Um monge foi ofendido por um homem. A mulher desse homem era uma fiel seguidora desse monge e exigiu que seu marido fosse pedir desculpas ao venerável sábio. Contrariado, mas sem coragem para aborrecer a mulher, o homem foi até o templo e murmurou algumas palavras de arrependimento. “Eu não o perdoo”, disse o monge. A mulher ficou horrorizada. “Meu marido se humilhou e o senhor, que se diz sábio, não foi generoso!” O monge então respondeu: “Em mim não há nenhum rancor para com seu marido, mas se ele não está verdadeiramente arrependido, é melhor reconhecer que tem raiva de mim. Se eu tivesse aceitado o seu perdão, estaria criando uma falsa situação de harmonia e isso aumentaria ainda mais a raiva do seu marido.”



​                 Quantas pessoas mundo afora não criam uma falsa situação de harmonia? Em nome da boa educação ou de manter bons relacionamentos fingem que está tudo bem, enquanto por dentro nutrem raiva e ódio. Aparentemente parece que está tudo resolvido e deixado para trás, mas é uma situação falsa. Há apenas uma imagem de harmonia que não é verdadeira.


             Há inúmeras pessoas que vivem assim, através das imagens. Nada adianta apenas existir imagens de boa harmonia se não é isso o que se sente de fato. O velho monge da história acima não cedeu aos costumes de se por panos quentes numa situação tensa e difícil. Ele não procurou uma saída fácil e artificial. Pelo contrário, ficou firme e decidido a ser verdadeiro, mesmo que isso fosse infinitamente mais duro. Ele não aceitou o pedido de desculpas do homem por uma questão egoica ou infantil, mas porque não aceitava aquilo que não fosse do coração, ou seja, que não fosse o que estava sendo sentido pelo homem. 
               ​Só podemos viver de verdade quando nossas palavras e corações são coerentes. Quando corações e palavras estão dizendo coisas contrárias cria-se uma divisão, uma fratura que impede de haver harmonia e bem-estar. Fica-se falso e não há como existir felicidade quando a falsidade está presente. A nossa tendência é procurar saídas rápidas e indolores, enquanto tratar a verdade é sempre mais doloroso, contudo a verdade também gera possibilidades de haver um verdadeiro crescimento. 


              Caso o homem da história acima aceitasse a sua raiva, ele poderia vir a entendê-la e, com isso, poderia vir a transformá-la. Haveria uma evolução, uma aprendizagem e ele sairia mais rico de todo esse evento. Todavia, isso só poderia ocorrer se a verdade não fosse ocultada por palavras bonitas, mas sem significado.

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