segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Análise de Filme - Bird Box




            O filme Bird Box da Netflix (2018) ganhou bastante popularidade movimentando as conversas nas redes sociais. Basedo no livro homônimo conta a história assustadora de seres, que não se sabe o que são, que espalham puro terror entre as pessoas levando-as ao suicídio. Quem vê essas criaturas ficam imediatamente enlouquecidas e procuram se machucar com tanta intensidade que o resultado é fatal. Esse terror foi se espalhando pelo mundo inteiro, tal qual uma praga, e ceifando inúmeras vidas. Ninguém sabia o que fazer para combater esse mal e só sobreviviam as pessoas que ficavam dentro de casas com janelas tampadas (sem nenhuma visão) ou que saiam às ruas com vendas nos olhos.
            As pessoas precisavam resistir à tentação de não olhar, de não retirar as vendas. Quem olhasse estava condenado. Os sobreviventes ficavam, então, sob uma pressão e alerta muito grandes para não correrem riscos de olhar o que não podiam, o que não eram capazes de tolerar. Bird Box em inglês significa caixa de pássaros e a história tem esse nome porque as pessoas se valiam de caixas e gaiolas com aves pois elas pareciam ser capazes de perceber, com certa antecedência, a presença dessas criaturas que levavam à loucura. Batendo as asas assustadas elas avisavam os humanos que estavam em perigo, tornando possível se proteger.
            As criaturas não ofereciam nenhum outro tipo de perigo, ou seja, não atacavam, não derrubavam, não mordiam, não tiravam as vendas de ninguém. Elas só não podiam ser vistas. Como aquilo que é proibido é sempre tentador, se segurar para não olhar era tão assustador quanto as consequências de olhar e enlouquecer. No filme, algumas pessoas até conseguiam ver os seres e não enlouquecer imediatamente, mas enlouqueciam aos poucos e violentamente obrigavam os sobreviventes a olhar para aquilo que os levaria a morte.
            Penso que esse filme fez sucesso porque mexe com coisas internas de nossa mente, sobre verdades psíquicas. A psicanálise nos oferece uma chance de entender outros sentidos que não apenas aqueles que estão escancarados, mas de encontrar outros significados que subjazem nas entrelinhas. Psicanaliticamente, podemos pensar que todos carregamos “criaturas” dentro de nós que se vistas de qualquer maneira, sem cuidado ou preservação, podem nos enlouquecer. Há dentro de cada um de nós um potencial para a destruição própria e dos outros. Se não resistimos e nos entregamos à loucura o final será sempre trágico.
            O mundo que vivemos está simbolicamente, e em alguns casos até literalmente, como o mundo que é mostrado no filme. Caótico, cheio de gente enlouquecida, cheio de riscos que não estamos percebendo que está se propagando. Não conseguimos resistir e nos entregamos ao que há de pior em nós. A caixa de pássaros que os personagens usavam sugere seguir mais a intuição, a “natureza” interna para nos preservarmos dos perigos. Estamos perdendo contato com essa caixa de pássaros simbólica, que é a consciência de nossas emoções e sentimentos que nos permite andar por esse mundo louco com certa segurança. É também tolerar aquilo tudo que nos bestializa sem que precisamos nos bestializar. Em resumo, é não soltar a venda e olhar para aquilo que nos pode destruir.
            O filósofo Nietzsche escreveu: "Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você". O que precisamos é aprender a lidar com os nossos monstros internos, sem se deixar influenciar por eles. Sem enlouquecer junto com eles. O filme mexe conosco porque nos convida a lidar, de maneira eficiente, com o terrível dentro de nós, de forma que nos permita sobreviver até chegar um momento onde possamos olhar sem medo de que algo sinistro nos olhe de volta.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Pergunta de Leitora - Dose de Realidade e Pés no Chão




Tenho transtorno limítrofe diagnosticado. Conheci um rapaz também limítrofe pela internet que está num relacionamento insatisfatório. Ele disse que o início era fantástico, mas com o tempo ela foi ficando fria, ausente, desinteressada, cansada, disse estar sufocada. Ele me mostrou uns prints em que dizia amá-la, ela visualizou e não respondeu.
Acontece que no início de nossas trocas de mensagens eu até dei conselhos para ele ser paciente, compreensivo, romântico, fazer surpresas e tentar aprender mais sobre ela... Agora eu me vejo obcecada por ele, sim, obcecada pela atenção! Tanto é que eu ficava relendo nossas mensagens para eu reviver as mesmas sensações inúmeras vezes. Eu até fiz a bobagem de dizer que SE ele decidisse dar outro rumo para a relação dele eu poderia ir até ele. Eu não iria! Não por não querer, mas não poder. Estou bem adoentada, com problemas de saúde, vou constantemente a médicos, faço exames e sigo tratamentos que me fazem ficar presa a uma rotina.
Estou em dúvida se ele a ama. Ele já sinalizou que não a ama tanto assim. Disse que o melhor momento do dia dele é conversar comigo, que não trocaria minha companhia por nenhuma outra dentre tantas bilhões de pessoas no mundo. Algumas vezes ele parece amá-la: disse que mesmo ela sendo fria, ignorá-lo, rejeitá-lo, gosta dela (tudo isso ele falou), que se ela deixá-lo ele irá se suicidar...
Não consigo raciocinar direito, minhas energias estão voltadas para esquecê-lo, para desprezá-lo e para entender se ele a ama.
Não estou apaixonada, estou sem autocontrole de meus pensamentos e emoções; criei muito apego por ele por minha vida ser solitária, monótona e vazia. Eu estou sem psicofármacos e sem terapia, não há ninguém que possa clarear minha mente. Racionalmente eu sei que estou adicta, que agora que me afastei dele, estou sofrendo a abstinência. Emocionalmente sou estúpida por não saber modular minhas emoções.
O que poderia me dizer a respeito disso?


            Parece-me que você mesma já sabe sobre a situação em que você se encontra. Você reconhece não amá-lo, mas que lhe é prazeroso a atenção que recebe dele. Que está viciada nas conversas, tanto que lê e relê como forma de procurar sensações prazerosas e com isso cria toda uma história de amor ilusória. Ainda mais porque você não tem interesse real em viver nada com ele. Por mais que seja por causa de sua rotina, como você explicou, acredito que tem a ver com o fato de você entender que é uma história muito complicada e com pouca verdade.
            Não estou desmerecendo tudo o que você está sentindo por ele, porém você mesma diz que não está apaixonada, que o que sente é obsessão e que essa “relação” está lhe servindo para tapar um pouco a carência que você sente. Em outras palavras você o está usando. Ele também está te usando, por sua vez, para cobrir as próprias carências. É tudo lindo e maravilhoso nas conversas, mas fica-se só nisso e nem você nem ele acreditam muito no que estão vivendo tanto que ele diz que não pode deixar a namorada e você sabe que não iria até ele.
            A questão passa a ser outra. A verdadeira questão que você traz é o seu tratamento, a sua melhora e seu desenvolvimento. Você está sem remédios e sem psicoterapia por que? Se você sabe o quanto isso tudo lhe é importante então não está cuidando disso por que razão? Quanto mais você se deixa de lado mais vai se enchendo de fantasias, mais vai se enganando, mais vai deslocando a questão de você para algo externo. Não é assim que você vai conseguir se ajudar.
            Agora, é necessário uma boa dose de realidade e pés no chão para fazer o que precisa ser feito: Cuidar-se de verdade. Quanto mais adiar essa tarefa menos vida terá. Precisará de um acompanhamento médico para acertar os medicamentos e de um acompanhamento psicoterapêutico para aprender a utilizar a sua mente de uma maneira que lhe seja mais favorável. Dói a gente se voltar para si e se organizar, mas é um trabalho fundamental para quem quer viver de verdade. Que tal pensar nisso?

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

A importância de ser como um bobo sábio




            O texto tão lindamente escrito e lido acima é claro e direto. Não necessita de explicação. Porém, como quase tudo que é límpido e óbvio acaba não sendo entendido porque para seu entendimento é necessário uma mente. Não a mente do intelecto que mensura tudo e compartimenta em várias caixas do saber, mas requer a mente que se sintoniza com a vida. A mente que se encanta e que de maneira curiosa se aproxima do mundo e do que ele nos desperta. Como falta gente boba nesse mundo!
            Lembrando que o bobo aqui do texto lido no vídeo acima é o sábio. Aquele que se permite viver de fato e não em ser esperto ou ir atrás de sucesso. Tanta gente se desperdiça e se esgota indo atrás de sucesso, em ser desesperadamente alguém, que vão vestindo roupas e mais roupas vistosas, mas que não lhe servem a contento. Ficam vestidos magnificamente, mas com vestimentas que trazem desconforto. Já o bobo/sábio prefere ficar nu. Assim consegue se ver melhor e entender o que precisa. Não põe em si qualquer coisa.
            O bobo/sábio deseja conhecer a vida e a conhecendo sente prazer. O esperto, que tanto domina nossa sociedade, que tanto é valorizado e imitado, deseja o prazer e com isso desconhece a vida. Tem que dominar tudo, tem que saber tudo e explicar tudo. Não há espaço para o desconhecido. Ele já está cheio, saturado. Uma mente saturada está repleta de conhecimentos e explicações, mas vazia de sentido. O bobo/sábio ri das coisas mais pequenas e acha graça na vida. O esperto não tem tempo para isso. Está extremamente ocupado em ganhar a vida, que na verdade já tem.
            Como seria bom se pudéssemos ser mais bobos. Até mesmo o amor seria mais possível. O amor nos deixa bobos, não nos deixa espertos. Quando amamos ficamos em estado de graça, bem longe dos cálculos dos espertos. Só que ser bobo traz dor. Quando nos abrimos podemos nos frustrar, nos magoar e ser magoado. Podemos dar com a cara na parede. Isso dificilmente ocorre com quem é esperto. Eles nunca batem de encontro a nada. Todo o caminho é calculado nos seus mínimos detalhes. Eles estão seguros, mas não vivem. Os bobos, por outro lado, estão vivendo, mas sem segurança. Chega uma hora que precisamos decidir se vamos ser bobos ou espertos.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Pergunta de Leitora - Sobreviver à Tempestades




Tenho uma filha adolescente de 16 anos e um dia a peguei beijando outra garota aqui em casa. Essa garota era sempre tida como uma grande amiga e quando vi a cena fiquei assustada, mas resolvi sair sem fazer nenhuma cena. Ela não sabe que eu sei. Não posso admitir, entretanto, que não tenha ficado chocada. Não sei como abordar esse assunto e o que falar. Nunca pensei que minha filha fosse ser homossexual. Meu marido nem desconfia. Estou numa situação sem saber o que fazer. O que pode me dizer?


            Quando os filhos crescem já é um choque. Aqueles que imaginamos que iriam permanecer crianças para sempre começam a desenvolver curiosidade sexual, bem como experimentar. Se fosse um menino que ela estivesse beijando você ficaria preocupada do mesmo jeito. O que mais aquele beijo poderia levar? Será que minha filha poderia engravidar? Não tem jeito, suas indagações viriam de qualquer maneira.
            Como você a viu beijando outra garota suas indagações correm agora para a questão da homossexualidade. Será que ela é homossexual? O que meu marido vai pensar? O que os outros poderão pensar? O que será que fiz de errado na educação dela? São tantas as dúvidas que os pais dos adolescentes ficam tão confusos quanto os próprios jovens.
            Porém, o que você viu? Sua filha beijando outra garota. Não sabemos mais nada além disso. Pode ter sido um único beijo, uma experimentação, uma fase, uma descoberta importante para as duas, o início de um relacionamento amoroso, etc. Podem ser tantas coisas. No entanto, o que sabemos é que agora cada vez mais sua filha terá a própria vida e não há muito o que você possa fazer a respeito. Impedi-la de viver e de se conhecer não a ajudará em nada. E se ela for homossexual, ela não continuará sendo a sua filha? Será que uma filha homossexual seria tão diferente assim de uma filha heterossexual?
            Agora, o que você pode fazer é sempre estar presente na vida dela, não de forma intrometida, mas estar disponível quando ela precisar de alguém de confiança, e acredite, ela vai precisar em algum momento. Todos os jovens precisam. O seu interesse é que sua filha seja quem ela puder vir a ser ou que ela seja um modelo de filha? A delicadeza você já tem, tanto que não fez cenas quando viu sua filha beijando uma menina, pode agora desenvolver a tolerância para suportar com dignidade todas as tempestades que os jovens, sejam eles como forem, sempre trazem. Ajude-se a ajudar a sua filha para o que ela precisar.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Vida que Acende




            Um fósforo disse à vela “Prepare-se! Vou acendê-la com meu fogo.” A vela se assustou e pediu que ele assim não fizesse. “Se você me acender eu vou queimar e será o meu fim.” “Ora – replicou o fósforo – mas as velas são para ser acesas. Quer permanecer fria e morta?” A vela respondeu que se fosse acesa não só se acabaria como arderia também e que isso a assustava muito. O fósforo então disse “Veja bem. O que vale mais a pena: uma existência longa, mas estagnada ou uma vida que produz luz, que ilumina os outros e que traz calor? Você se acabará de qualquer jeito. Se não for acesa demorará em acabar, decerto, mas será uma vida sem valor. Você nasceu para ser acesa. Assim como eu nasci para acender você. E quando você arder, o seu sofrimento e dor serão transformados em luzes que espantarão a escuridão e lhe trará calor que deixará o frio longe. Contudo, a decisão é sua.” A vela ao compreender o que o fósforo dizia abriu-se em um sorriso e falou: “Me acenda. Estou preparada e com muito desejo de virar luz.”
            Essa simples historieta nos mostra como podemos viver essa vida. Muitas pessoas tentam tanto se proteger evitando viver, evitando reconhecer as emoções e lidar com elas que ficam apagadas. Já ouvi gente dizer que prefere não se apaixonar por alguém que desperta os melhores sentimentos porque teme perder o ser amado em algum momento. É verdade que quem se abre á dimensão da paixão pode perder, dar com a cara na parede, se decepcionar. A vida não tem garantias alguma. Abrir-se a alguém gera medo sobre os desdobramentos que podem advir, mas ao mesmo tempo oferece uma experiência única em significados.
            Tem gente que teme dar um passo maior em algum momento na vida e ficam estagnados, quando poderiam ir além. Comprar uma casa, por exemplo, é algo grandioso, que requer planejamento e pés na realidade. Não é algo que pode ser feito levianamente, mas chega uma hora que quando a possibilidade se faz presente precisa que se dê um grande passo. Afinal, não se atravessa de um lado para o outro de um penhasco com passinhos. Se a pessoa já está preparada tem que ousar pular. Claro, tudo dentro dos limites e da realidade. Haverá dúvidas, com certeza, mas se nada é ousado nada também se vive.
            Até mesmo no processo da análise é assim que acontece. Quando um analisando procura análise tem medo do que vai encontrar, com o que vai se deparar, medo de se queimar com o que pode descobrir sobre si próprio. Porém, se ousar ir além, suportar os seus próprios conteúdos e transforma-los em material para crescimento o analisando torna-se quem realmente é. Desabrocha verdadeiramente para a vida.
            Não se trata apenas de adquirir bens ou de ter um relacionamento ou de fazer análise, mas de como vivemos, de como nos “acendemos” na vida em todos os momentos. Em qualquer coisa que nos colocamos podemos viver gerando luz com nossas vidas (e vamos nos gastar) ou podemos ficar guardando sempre uma escuridão, sem cor e nem calor. Muita gente fica tão defendida, tão “sem arder” nas emoções desta vida que ficam como mortas. Estão tão apegadas a uma certa pseudo-segurança que não se permitem produzir a luz que possuem dentro de si. São velas que jamais se acendem.