Esses dias recebi uma
ligação de telemarketing insistindo para que eu adquirisse determinado cartão
de crédito. Respondi educadamente, diga-se de passagem, que não tinha
interesse. A moça então começou a falar sobre as vantagens do tal cartão como
se eu não tivesse já declinado da oferta. Mais uma vez eu afirmei que não
queria. Então ela perguntou se eu já tinha cartão e quando lhe disse que já
tinha ela queria saber quanto de taxa eu pagava e quais benefícios eu tinha do
meu cartão. Disse-lhe que nem precisávamos estender a conversa que eu não tinha
interesse em outro cartão e agradeci a oferta. Ela então iniciou perguntas como
Você gosta de viajar? Você vai ao cinema?
Você quer receber prêmios? E eu mais
uma vez a lembrei que não tinha interesse em adquirir o seu produto. Ela não me
ouvia ou fazia que não me ouvia e continuou o questionário Você trabalha com o que? Tem seguro de vida? Já que ela estava me
fazendo perguntas até pessoais resolvi perguntar quantos anos ela tinha. Ela
estranhou, ficou sem graça, mas respondeu que tinha 18. Perguntei-lhe então se
ela fazia faculdade ou pretendia fazer vestibular e do quê? Ela ficou
sensivelmente irritada e disse que eu estava sendo desagradável. Eu a lembrei
que ela estava também me fazendo perguntas pessoais. Ela rebateu que era o
trabalho dela, ficou muito brava e desligou na minha cara. Isso me fez pensar
nas mais variadas formas de violência que existem por aí.
Nem sempre a violência é um embate físico ou de
xingamentos, mas pode assumir várias formas. Sei que operadores de
telemarketing são pagos para nos ligar e fazer de tudo para que compremos determinados
produtos ou serviços, mas chega uma hora que isso se torna invasivo,
inconveniente e violento. Invasivo porque nos invade em nossos momentos de
trabalho, de lazer e de vida. Inconveniente porque incomoda na insistência do
que não pedimos ou não queremos. E, por fim, violento porque ataca nossa
liberdade de ser ouvido e respeitado. Não podemos fechar os olhos que essas ligações
são, na verdade, uma forma de violência.
Outra forma de violência a que diariamente somos
submetidos é quando estacionamos o carro na rua e somos “obrigados” a pagar
para que alguém fique cuidando do veículo. Tudo bem que são apenas moedas que
muitas vezes damos e não farão tanta falta, mas isso é violento. A rua é
pública e todos temos o direito de usá-la e não podemos tirar dela lucro sem a
devida permissão legal. Se, em algumas vezes nos negamos a pagar para que o
carro seja “olhado”, podemos correr o risco dele ser riscado. É ou não
violência? Na verdade é um roubo, estamos sendo assaltados.
Sei que muitas pessoas que olham os carros na rua são carentes e necessitadas, não desconheço esse fato tão triste, mas estamos todos
desamparados: tanto essas pessoas necessitadas quanto essas pessoas que são obrigados
a ser roubadas. O assalto, no caso, não foi uma arma ou ameaça direta, mas foi
uma violência de qualquer forma.
Somos constantemente submetidos às mais variadas formas
de violência e muitas vezes não percebemos. É uma situação que exige que
prestemos mais atenção até porque nós também vamos exercer violência em muitos
momentos sem ser originalmente nossa intenção. Isso tudo empobrece a qualidade
dos relacionamentos que vemos dentro das famílias, do trabalho e da sociedade.
Perdemos muito ao não reconhecer quando a violência, disfarçadamente, se faz
presente. Desenvolver uma consciência sobre como nos relacionamos é fundamental
e um trabalho para todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário