segunda-feira, 23 de julho de 2018

As Várias Formas da Violência




            Esses dias recebi uma ligação de telemarketing insistindo para que eu adquirisse determinado cartão de crédito. Respondi educadamente, diga-se de passagem, que não tinha interesse. A moça então começou a falar sobre as vantagens do tal cartão como se eu não tivesse já declinado da oferta. Mais uma vez eu afirmei que não queria. Então ela perguntou se eu já tinha cartão e quando lhe disse que já tinha ela queria saber quanto de taxa eu pagava e quais benefícios eu tinha do meu cartão. Disse-lhe que nem precisávamos estender a conversa que eu não tinha interesse em outro cartão e agradeci a oferta. Ela então iniciou perguntas como Você gosta de viajar? Você vai ao cinema? Você quer receber prêmios?  E eu mais uma vez a lembrei que não tinha interesse em adquirir o seu produto. Ela não me ouvia ou fazia que não me ouvia e continuou o questionário Você trabalha com o que? Tem seguro de vida? Já que ela estava me fazendo perguntas até pessoais resolvi perguntar quantos anos ela tinha. Ela estranhou, ficou sem graça, mas respondeu que tinha 18. Perguntei-lhe então se ela fazia faculdade ou pretendia fazer vestibular e do quê? Ela ficou sensivelmente irritada e disse que eu estava sendo desagradável. Eu a lembrei que ela estava também me fazendo perguntas pessoais. Ela rebateu que era o trabalho dela, ficou muito brava e desligou na minha cara. Isso me fez pensar nas mais variadas formas de violência que existem por aí.
            Nem sempre a violência é um embate físico ou de xingamentos, mas pode assumir várias formas. Sei que operadores de telemarketing são pagos para nos ligar e fazer de tudo para que compremos determinados produtos ou serviços, mas chega uma hora que isso se torna invasivo, inconveniente e violento. Invasivo porque nos invade em nossos momentos de trabalho, de lazer e de vida. Inconveniente porque incomoda na insistência do que não pedimos ou não queremos. E, por fim, violento porque ataca nossa liberdade de ser ouvido e respeitado. Não podemos fechar os olhos que essas ligações são, na verdade, uma forma de violência.
            Outra forma de violência a que diariamente somos submetidos é quando estacionamos o carro na rua e somos “obrigados” a pagar para que alguém fique cuidando do veículo. Tudo bem que são apenas moedas que muitas vezes damos e não farão tanta falta, mas isso é violento. A rua é pública e todos temos o direito de usá-la e não podemos tirar dela lucro sem a devida permissão legal. Se, em algumas vezes nos negamos a pagar para que o carro seja “olhado”, podemos correr o risco dele ser riscado. É ou não violência? Na verdade é um roubo, estamos sendo assaltados.
            Sei que muitas pessoas que olham os carros na rua são carentes e necessitadas, não desconheço esse fato tão triste, mas estamos todos desamparados: tanto essas pessoas necessitadas quanto essas pessoas que são obrigados a ser roubadas. O assalto, no caso, não foi uma arma ou ameaça direta, mas foi uma violência de qualquer forma.
            Somos constantemente submetidos às mais variadas formas de violência e muitas vezes não percebemos. É uma situação que exige que prestemos mais atenção até porque nós também vamos exercer violência em muitos momentos sem ser originalmente nossa intenção. Isso tudo empobrece a qualidade dos relacionamentos que vemos dentro das famílias, do trabalho e da sociedade. Perdemos muito ao não reconhecer quando a violência, disfarçadamente, se faz presente. Desenvolver uma consciência sobre como nos relacionamos é fundamental e um trabalho para todos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário