Com a paralisação dos caminhoneiros que se deu
recentemente a ração para alimentar frangos e porcos nos criadouros ficaram
suspensas e se observou que os animais, após poucos dias sem alimento, estavam
praticando canibalismo. Segundo os especialistas é um comportamento natural
quando os animais se veem sem nutrientes e confinados em espaços pequenos.
Também vimos cenas de violência entre pessoas. Não se chegou ao canibalismo,
mas mostra o quanto a violência é algo inerente aos animais dos quais somos
parte.
Pessoas furando filas, abusando de preços, espalhando
boatos catastróficos, roubando combustível, etc. puderam ser vistos ao longo da
paralisação. Todavia, mesmo sem paralisações a gente vê esses comportamentos e
outros até piores acontecendo por aí. Somos muito mais bestiais do que
gostaríamos de admitir e a organização da sociedade está sempre correndo riscos de desmoronar para abrir espaço para a
besta em cada um de nós.
No clássico texto de Freud Mal Estar na Civilização escrito na véspera da queda de bolsa de
Nova York em 1929 fala-se o quão tênue é a linha que separa o indivíduo da
barbárie. Para funcionar uma sociedade minimamente organizada se necessita
lidar com impulsos muito fortes como a agressividade. Não se pode forçar o outro
ao sexo, à morte, roubar porque tudo isso seria a lei do mais forte que propaga
cada vez mais violência. Faz-se necessário reprimir alguns instintos para um
grupo organizado existir. Porém a vontade de fazer tudo o que se quer, na hora que
se quer está latente em nós e pode irromper à superfície facilmente.
O que nos impede de cair na barbárie é a mente. Quando se
há uma mente desenvolvida podemos lidar com nossos impulsos de maneira mais
eficiente e pensar sobre nossas ações. Com a existência de uma mente não
ficamos tão vulneráveis e submetidos aos impulsos de forma a atuá-los. Reagir
aos impulsos é fácil e rápido. Não dá trabalho. Por outro lado responder aos
impulsos requer uma mente pois demanda entrar em contato com os instintos mais
primitivos e pensar sobre eles e não simplesmente agir.
Nos momentos de crise a gente vê nitidamente as pessoas
agindo sem mente. Contudo quero chamar atenção para os momentos onde não há uma
crise tão clara e mesmo assim a gente vê pessoas agindo sem a menor existência
de mente: Grupos pedindo a volta da ditadura militar, grupos elegendo outros
grupos como inimigos a ser destruídos, pessoas roubando, mentindo, manipulando
dentro dos governos, das empresas, nas ruas e até nas famílias. Estamos nos
canibalizando.
Não se trata apenas da falta de políticos honestos, de
polícia eficiente, de sistema jurídico justo. É falta de mente. Muito a gente
valoriza externamente como status, fortuna, títulos acadêmicos, mas pouco se
valoriza de crescimento emocional. Este não promove curtidas nas redes sociais
nem gera selfies. O único modo de se lidar com essa vida sendo humano é
construindo uma mente. Ela é o nosso melhor e único recurso para lidar com as
dores e adversidades que encontramos. Não é uma política, nem religião e nem uma
teoria que vai nos dar uma mente. Ela não é dada, mas só pode ser desenvolvida
por cada um. É um trabalho pessoal e intransferível. O que pode nos dar uma
mente é a consciência de saber que somos responsáveis pelas nossas vidas e pelo
o que construímos. Não somos apenas vítimas de tudo o que acontece, mas também
criadores. Muito das nossas misérias nós criamos por falta de mente.
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