segunda-feira, 4 de junho de 2018

O Perigo dentro de Nós




            Com a paralisação dos caminhoneiros que se deu recentemente a ração para alimentar frangos e porcos nos criadouros ficaram suspensas e se observou que os animais, após poucos dias sem alimento, estavam praticando canibalismo. Segundo os especialistas é um comportamento natural quando os animais se veem sem nutrientes e confinados em espaços pequenos. Também vimos cenas de violência entre pessoas. Não se chegou ao canibalismo, mas mostra o quanto a violência é algo inerente aos animais dos quais somos parte.
            Pessoas furando filas, abusando de preços, espalhando boatos catastróficos, roubando combustível, etc. puderam ser vistos ao longo da paralisação. Todavia, mesmo sem paralisações a gente vê esses comportamentos e outros até piores acontecendo por aí. Somos muito mais bestiais do que gostaríamos de admitir e a organização da sociedade está sempre correndo  riscos de desmoronar para abrir espaço para a besta em cada um de nós.
            No clássico texto de Freud Mal Estar na Civilização escrito na véspera da queda de bolsa de Nova York em 1929 fala-se o quão tênue é a linha que separa o indivíduo da barbárie. Para funcionar uma sociedade minimamente organizada se necessita lidar com impulsos muito fortes como a agressividade. Não se pode forçar o outro ao sexo, à morte, roubar porque tudo isso seria a lei do mais forte que propaga cada vez mais violência. Faz-se necessário reprimir alguns instintos para um grupo organizado existir. Porém a vontade de fazer tudo o que se quer, na hora que se quer está latente em nós e pode irromper à superfície facilmente.
            O que nos impede de cair na barbárie é a mente. Quando se há uma mente desenvolvida podemos lidar com nossos impulsos de maneira mais eficiente e pensar sobre nossas ações. Com a existência de uma mente não ficamos tão vulneráveis e submetidos aos impulsos de forma a atuá-los. Reagir aos impulsos é fácil e rápido. Não dá trabalho. Por outro lado responder aos impulsos requer uma mente pois demanda entrar em contato com os instintos mais primitivos e pensar sobre eles e não simplesmente agir.
            Nos momentos de crise a gente vê nitidamente as pessoas agindo sem mente. Contudo quero chamar atenção para os momentos onde não há uma crise tão clara e mesmo assim a gente vê pessoas agindo sem a menor existência de mente: Grupos pedindo a volta da ditadura militar, grupos elegendo outros grupos como inimigos a ser destruídos, pessoas roubando, mentindo, manipulando dentro dos governos, das empresas, nas ruas e até nas famílias. Estamos nos canibalizando.
            Não se trata apenas da falta de políticos honestos, de polícia eficiente, de sistema jurídico justo. É falta de mente. Muito a gente valoriza externamente como status, fortuna, títulos acadêmicos, mas pouco se valoriza de crescimento emocional. Este não promove curtidas nas redes sociais nem gera selfies. O único modo de se lidar com essa vida sendo humano é construindo uma mente. Ela é o nosso melhor e único recurso para lidar com as dores e adversidades que encontramos. Não é uma política, nem religião e nem uma teoria que vai nos dar uma mente. Ela não é dada, mas só pode ser desenvolvida por cada um. É um trabalho pessoal e intransferível. O que pode nos dar uma mente é a consciência de saber que somos responsáveis pelas nossas vidas e pelo o que construímos. Não somos apenas vítimas de tudo o que acontece, mas também criadores. Muito das nossas misérias nós criamos por falta de mente.

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