sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Pergunta de Leitora - Que tipo de Curadora?


Sou uma psicóloga clínica bem reconhecida. Atendo vários pacientes e muitos confiam em mim seus segredos e dores mais íntimas. Já tenho 25 anos de estrada em atender pacientes. Hoje, no entanto, estou me sentindo desestimulada com o trabalho que faço. Não sei explicar bem mas parece-me que está tudo sem sentido. Nunca fiz psicoterapia como paciente e pela primeira vez senti essa vontade, mas em quem confiar? Já tenho muitos conhecimentos nessa área e não sei se alguém poderia realmente me ajudar. Moro numa cidade pequena e sou tipo a melhor das psicólogas aqui, então como ficará minha fama? Muitos são capazes de pensar que sou louca. Pode parecer besteira mas são coisas que levo em consideração. Pensei que após anos atendendo eu não teria mais problemas pessoais, mas vejo que não está sendo assim. Será que é normal sentir-se assim depois de tantos anos de trabalho?

            Nada substitui a própria análise pessoal. Nem os longos anos de estrada em atender outras pessoas, nem o conhecimento intelectual que alguém é capaz de acumular no decorrer dos anos. A análise pessoal é uma experiência intransferível e de extrema importância, principalmente para alguém que exerce a psicologia clínica. Por que será que você desconsiderou isso?
            Psicoterapeutas também são humanos e possuem determinadas questões internas que se não bem resolvidas custarão caro tanto em termos pessoais quanto profissionais. Ainda bem que hoje a angústia está te pegando e levando você ao incômodo. Essa angústia que sente pode ser uma das melhores coisas que poderiam te acontecer. Quem está incomodado procura mudar, faz com que se procure outra posição mais favorável. Agarre essa angústia e a use bem para enfim empreender a sua análise.
            O escritor Hermmann Hesse escreveu uma estória chamada O jogo das contas de vidro que conta que dois curadores famosos em suas respectivas vilas acabam adoecendo na alma e resolvem um procurar o outro para encontrar ajuda. No meio do caminho eles se encontram e o curador mais jovem pede ajuda ao mais velho. Este por sua vez fica envergonhado de pedir ajuda ao mais novo e não conta o que o preocupa. No final ambos saem transformados da experiência que vivem, porém o curador mais velho saiu menos transformado e não aproveitou a oportunidade que tinha em suas mãos por orgulho e embaraço.
            Há dois tipos de orgulho, um deles tem a ver com a autoestima e com a possibilidade de aproveitar com prazer e amor as coisas que conquistamos e construímos. O outro tipo de orgulho tem a ver com a vaidade, que é extremamente nociva. A vaidade não nos favorece em nada e só está serviço das aparências. Vaidade é ilusão e não uma experiência verdadeira e por isso mesmo não incentiva a mudança e o crescimento. O curador mais velho da estória era vaidoso e o mais novo realista. Cabe a você decidir que tipo de curadora quer ser consigo mesma.

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