Sou
uma psicóloga clínica bem reconhecida. Atendo vários pacientes e muitos confiam
em mim seus segredos e dores mais íntimas. Já tenho 25 anos de estrada em
atender pacientes. Hoje, no entanto, estou me sentindo desestimulada com o
trabalho que faço. Não sei explicar bem mas parece-me que está tudo sem
sentido. Nunca fiz psicoterapia como paciente e pela primeira vez senti essa
vontade, mas em quem confiar? Já tenho muitos conhecimentos nessa área e não
sei se alguém poderia realmente me ajudar. Moro numa cidade pequena e sou tipo
a melhor das psicólogas aqui, então como ficará minha fama? Muitos são capazes
de pensar que sou louca. Pode parecer besteira mas são coisas que levo em
consideração. Pensei que após anos atendendo eu não teria mais problemas pessoais,
mas vejo que não está sendo assim. Será que é normal sentir-se assim depois de
tantos anos de trabalho?
Nada substitui a própria análise pessoal. Nem os longos
anos de estrada em atender outras pessoas, nem o conhecimento intelectual que
alguém é capaz de acumular no decorrer dos anos. A análise pessoal é uma
experiência intransferível e de extrema importância, principalmente para alguém
que exerce a psicologia clínica. Por que será que você desconsiderou isso?
Psicoterapeutas também são humanos e possuem determinadas
questões internas que se não bem resolvidas custarão caro tanto em termos
pessoais quanto profissionais. Ainda bem que hoje a angústia está te pegando e
levando você ao incômodo. Essa angústia que sente pode ser uma das melhores coisas
que poderiam te acontecer. Quem está incomodado procura mudar, faz com que se
procure outra posição mais favorável. Agarre essa angústia e a use bem para
enfim empreender a sua análise.
O escritor Hermmann Hesse escreveu uma estória chamada O jogo das contas de vidro que conta que
dois curadores famosos em suas respectivas vilas acabam adoecendo na alma e
resolvem um procurar o outro para encontrar ajuda. No meio do caminho eles se
encontram e o curador mais jovem pede ajuda ao mais velho. Este por sua vez
fica envergonhado de pedir ajuda ao mais novo e não conta o que o preocupa. No
final ambos saem transformados da experiência que vivem, porém o curador mais
velho saiu menos transformado e não aproveitou a oportunidade que tinha em suas
mãos por orgulho e embaraço.
Há dois tipos de orgulho, um deles tem a ver com a
autoestima e com a possibilidade de aproveitar com prazer e amor as coisas que
conquistamos e construímos. O outro tipo de orgulho tem a ver com a vaidade,
que é extremamente nociva. A vaidade não nos favorece em nada e só está serviço
das aparências. Vaidade é ilusão e não uma experiência verdadeira e por isso
mesmo não incentiva a mudança e o crescimento. O curador mais velho da estória
era vaidoso e o mais novo realista. Cabe a você decidir que tipo de curadora
quer ser consigo mesma.
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