segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Barbárie


            Em 1930 Freud escreveu o texto Mal estar na civilização onde expressava sua profunda desilusão com a humanidade em fazer frente aos seus impulsos violentos. Segundo ele os homens foram tão longe em dominar muitas das forças da natureza, mas no que concerne a dominar a barbárie fracassaram. A civilização e o respeito à vida são muito vulneráveis e toda essa violência desmedida que vemos por aí serve como gratificação para os impulsos agressivos que a civilização tentar manter sob controle, porém sem êxito. A violência é inerente à mente humana e todos nós a carregamos. A psicanálise tem muito a contribuir para o entendimento da violência e quem sabe assim algumas soluções possam ser pensadas.
            Não são apenas os psicanalistas que tentam compreender a barbárie. Picasso quando pintou Guernica, por exemplo, mostrava um lado da humanidade muito destrutivo onde todas as imagens ficavam em pedaços revelando o primitivo psiquismo de quem se entrega à violência e de quem a sofre. Aliás, guerras, revoluções armadas, linchamentos públicos, demostram uma realidade mental coletiva que podemos encontrar individualmente. A violência não é só de fora para dentro, mas faz o caminho inverso e nos revela que sua existência se deve a uma mente que não foi desenvolvida e que por isso mesmo fica presa a condutas anti-sociais e perversas.
            A violência subtrai a humanidade que poderia ser desenvolvida em um individuo, já que é pautada apenas por reações emocionais explosivas e jamais por pensamentos e reflexões. Quando não há uma mente desenvolvida não existe um continente mental, ou seja, um lugar onde as experiências vividas possam ser pensadas e elaboradas. Nesse caso tudo aquilo que é sentido na mente como a própria violência interna inerente a cada um, só tem como destino a atuação. No modelo da atuação a única coisa que importa é a descarga emocional e se então o que está sendo vivido é agressividade pura, vai ser descarregada violência nos relacionamentos, contribuindo ainda mais para a fragilidade da civilização.
            Agora, o que permitiria ao ser humano elaborar de maneira eficaz a sua própria agressividade? O remédio para a violência encontra-se nas relações humanas de qualidade, o que, infelizmente, está se tornando coisa rara. É nos relacionamentos saudáveis que aprendemos a controlar nossos impulsos agressivos, pois vemos que se assim não fizermos machucamos a nós mesmos e a quem amamos. Quando há relacionamentos de qualidade aprendemos que nem tudo podemos e que para preservar aquilo que nos é valioso e precioso precisamos conter a agressividade que possuímos para que esta não venha, como na pintura de Picasso, deixar tudo em pedaços.
            Quando as experiências humanas vividas, principalmente nos primeiros anos de vida, não foram boas e estavam repletas de violência não temos como criar internamente uma mente que possa pensar sobre os nossos impulsos agressivos. Não temos como dar conta da violência que sentimos e só podemos atuar o que há de pior em nós. A violência é então uma maneira desastrada e ineficiente de se resolver o que sentimos em nossas mentes usando do autoritarismo para conseguir as coisas. Quando o psiquismo de alguém está organizado nessa dinâmica primitiva e pobre essa pessoa fica enfraquecida e fragmentada. Não tem como tornar-se uma pessoa por inteiro, mas fica a projetar em seu mundo externo as dores e tormentos que sente em seu interior. A barbárie antes de ser externa é interna e demonstra o quanto estamos falhando seriamente na nossa educação sentimental. 

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