quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Pergunta de Leitora - Herança Familiar


Estou com uma dúvida há algum tempo e talvez vc possa me esclarecer. Conheço uma pessoa que perdeu a mãe vítima de Alzheimer e o irmão cometeu suicídio. Essa pessoa é psicologicamente instável – critica tudo, se abala muito fácil emocionalmente, chora muito fácil, tem dificuldade em manter uma linha de raciocínio. Gosto muito dessa pessoa, mas usando um termo não correto, digamos, que ela é psicologicamente perturbada. Depois que descobri que a mãe teve Alzheimer e o irmão se suicidou, fiquei pensando se não poderia ser algo genético. Detalhe: o pai, que é de outra nacionalidade, foi prisioneiro durante a segunda guerra. Ela também não deve ter tido uma base familiar das melhores. Enfim, pode ser algo relacionado à genética?

            Querer encontrar na genética as explicações mais variadas para como nossa mente funciona é o sonho de muita gente. Chega a ser o eldorado místico de muitos e famosos cientistas ao redor do globo. Querem achar o gene para a depressão, para a esquizofrenia, para o autismo e para muitas outras coisas que nos acomete. Com essa atitude podemos ver que há uma intensa valorização do orgânico sobre a maneira que nós nos construímos.
            Isso ocorre porque se tudo pudesse ser explicado através da genética então nos sentiríamos redimidos e nem precisaríamos pensar sobre o que fazemos conosco. Ficaríamos, enfim, livres de quaisquer responsabilidades pelas nossas escolhas e trilhas que pegamos. Desejar ardentemente que tudo seja genética, algo orgânico que foge ao controle e que nos define, pode nos colocar no papel de vítima e nos fazer deitar e rolar no masoquismo. Afinal, diriam alguns, o que poderíamos fazer se os genes assim nos definiram?
Acontece que não é tão simples assim e temos para conosco uma responsabilidade muito grande. É claro que a genética existe e tem participação em muitas coisas das nossas vidas. Só que ela não é tudo e principalmente no que concerne ao modo como lidamos com nossas vidas, que está ligado à nossa mente, ela tem pouca relevância. Se nessa família que você cita há tantos desajustes por que pensar que isso se deve aos genes? Se essa sua amiga é, nas suas palavras, perturbada, isso tem mais a ver com a herança mental do que com a herança genética. Com uma mãe destroçada por uma doença incapacitante, um irmão que no desespero, seja lá qual foi,  cometeu o pior auto ataque que poderia e com um pai perseguido pelos fantasmas passados é lógico pensar que a herança de como lidar com a vida e suas frustrações foi a pior e mais pobre possível. Seus modelos de infância foram empobrecidos e muito destrutivos e por isso podemos acreditar que ela não teve no que se agarrar para ser diferente. Mas isso está longe de ser uma questão genética.
Se uma pessoa vive numa família que funciona de maneira muito empobrecida e destrutiva a chance de que essa pessoa vá repetir essas atitudes é alta. Os modelos nos são importantes e uma família com modelos no qual não se conta com uma mente que seja desenvolvida não vai ajudar ninguém a criar uma mente. Quando decidimos que a vida que levamos não nos está mais ajudando e está até mesmo nos prejudicando podemos procurar outros modelos, outras formas de vir a ser, que nos levam a um desenvolvimento. Obviamente que falar é fácil, mas quem vive essa situação sofre muito e muitas vezes por medo de sofrer ainda mais nunca procura ajuda ou nem mesmo toma consciência que está vivendo de uma maneira indigna consigo mesma. É difícil admitirmos que temos uma grande responsabilidade conosco. Seria mais fácil por a culpa toda na genética, mas isso seria desperdiçar nossa mente, que é sempre nosso maior tesouro e a porta de saída para os nossos dilemas. 

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