O filme americano Álbum de Família (August: Osage County,
2013) foi baseado em uma peça teatral e retrata conflitos familiares
potencializados. Violet é uma mulher após seus sessenta e com um câncer na
boca. É uma mulher amarga cujo maior prazer se revela em atacar verbalmente e
com injúrias qualquer pessoa que se digne a passar pela sua frente. Seu marido
não a tolera e nem as suas próprias filhas. Todos a temem, pois em seus ataques
ela consegue ser ferina e capaz de uma violência massacrante. No enredo seu
marido some, aparentemente sem deixar rastro, o que faz com que toda a família
se reúna: as três filhas com marido e namorados, a irmã casada, seu sobrinho e
sua neta. O que era para ser uma reunião de amparo frente ao desaparecimento do
marido e da doença que a mãe enfrenta acaba virando um campo de guerra que
deixaria muitos generais experientes sem saber como agir.
Espera-se que a família seja um
grupo de pessoas que preze pela segurança emocional e física uns dos outros e
que crie um espaço onde possa haver desenvolvimento. Infelizmente, nem todas as
famílias são assim e esta da estória é mostra do quanto uma família pode ser um
grupo de pessoas que se atacam e que contribui muito para o sentimento de
desamparo e de fracasso. Violet, a matriarca com câncer, é uma pessoa
primitiva, cheia de sentimentos e emoções negativas, e não consegue lidar com o
que sente de forma eficiente e madura; e por isso mesmo projeta nos outros
todos os ataques que sente dentro de si mesma. O outro, de fora, mesmo que seja
membro da própria família, é o inimigo e inimigos são tratados com ataques.
Quando parece que ela está para ter uma conversa tolerável com alguém, está na
verdade preparando o próximo ataque.
Para o psicanalista Bion, uma pessoa
cheia de elementos psíquicos agressivos e que não servem para serem pensados só
tem uma via: expulsar o que sente. Violet, interpretada genialmente pela atriz
Meryl Streep, expulsa tudo o que de ruim sente e quando encontra esses mesmo
elementos expulsos depositados em quem está fora age como se aquela pessoa em
sua frente fosse monstruosa e que precisasse ser destruída. Suas relações só
tem a característica da destruição, nada bom pode ser mantido. Manter algo bom
exige que internamente exista um espaço livre de ataques e violência, o que
para Violet é impossível.
O relacionamento de Violet com suas
filhas é opressivo, para dizer o mínimo. Qualquer que fosse o desejo delas ou
suas conquistas a mãe tinha habilidade para desmerecer e transformar tudo em
vergonha ou mediocridade. Ninguém escapava de sua amargura e violência, nem
mesmo a empregada que sofria preconceito por ser de origem indígena. O marido
desaparecido havia na verdade se suicidado. Ele era fraco e impotente para
reagir contra a esposa e a saída foi antecipar a própria morte. Em vez de
conseguir encontrar e criar alternativas saudáveis para se ver livre desta
mulher, enlouqueceu. Até mesmo os periquitos que a mulher comprava morriam e
era devido ao calor excessivo na casa. Uma metáfora para o clima sufocante que
quem entrava naquela casa encontrava. Calor parece sinônimo de acolhimento, mas
neste caso tinha mais a ver com ser fritado.
O câncer em sua boca também pode ser
interpretado como uma metáfora de que era justamente pela sua boca que saía as
piores coisas. Suas palavras lhe intoxicaram e apodreceram a boca e não os
cigarros que impulsivamente fumava. Conviver com uma pessoa dessas é uma
experiência empobrecedora. Ninguém com um mínimo de autoestima suportaria
acatar os ataques que eram desferidos. Quando a família é um grupo onde viceja o
ódio mais primitivo, a melhor ou talvez única opção é mesmo a dissolução. Só
cada um indo para o seu lado permitiria que cada um pudesse se reconstruir em
outra base, base esta mais favorável, construtiva e saudável. Tornar-se uma
pessoa amarga e nada fazer para remediar isto custa caro. O custo não é em
dinheiro, mas em algo que não tem volta: a própria qualidade de vida.
Gostei!
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