segunda-feira, 12 de maio de 2014

Análise de Filme: Álbum de Família


            O filme americano Álbum de Família (August: Osage County, 2013) foi baseado em uma peça teatral e retrata conflitos familiares potencializados. Violet é uma mulher após seus sessenta e com um câncer na boca. É uma mulher amarga cujo maior prazer se revela em atacar verbalmente e com injúrias qualquer pessoa que se digne a passar pela sua frente. Seu marido não a tolera e nem as suas próprias filhas. Todos a temem, pois em seus ataques ela consegue ser ferina e capaz de uma violência massacrante. No enredo seu marido some, aparentemente sem deixar rastro, o que faz com que toda a família se reúna: as três filhas com marido e namorados, a irmã casada, seu sobrinho e sua neta. O que era para ser uma reunião de amparo frente ao desaparecimento do marido e da doença que a mãe enfrenta acaba virando um campo de guerra que deixaria muitos generais experientes sem saber como agir.
            Espera-se que a família seja um grupo de pessoas que preze pela segurança emocional e física uns dos outros e que crie um espaço onde possa haver desenvolvimento. Infelizmente, nem todas as famílias são assim e esta da estória é mostra do quanto uma família pode ser um grupo de pessoas que se atacam e que contribui muito para o sentimento de desamparo e de fracasso. Violet, a matriarca com câncer, é uma pessoa primitiva, cheia de sentimentos e emoções negativas, e não consegue lidar com o que sente de forma eficiente e madura; e por isso mesmo projeta nos outros todos os ataques que sente dentro de si mesma. O outro, de fora, mesmo que seja membro da própria família, é o inimigo e inimigos são tratados com ataques. Quando parece que ela está para ter uma conversa tolerável com alguém, está na verdade preparando o próximo ataque.
            Para o psicanalista Bion, uma pessoa cheia de elementos psíquicos agressivos e que não servem para serem pensados só tem uma via: expulsar o que sente. Violet, interpretada genialmente pela atriz Meryl Streep, expulsa tudo o que de ruim sente e quando encontra esses mesmo elementos expulsos depositados em quem está fora age como se aquela pessoa em sua frente fosse monstruosa e que precisasse ser destruída. Suas relações só tem a característica da destruição, nada bom pode ser mantido. Manter algo bom exige que internamente exista um espaço livre de ataques e violência, o que para Violet é impossível.
            O relacionamento de Violet com suas filhas é opressivo, para dizer o mínimo. Qualquer que fosse o desejo delas ou suas conquistas a mãe tinha habilidade para desmerecer e transformar tudo em vergonha ou mediocridade. Ninguém escapava de sua amargura e violência, nem mesmo a empregada que sofria preconceito por ser de origem indígena. O marido desaparecido havia na verdade se suicidado. Ele era fraco e impotente para reagir contra a esposa e a saída foi antecipar a própria morte. Em vez de conseguir encontrar e criar alternativas saudáveis para se ver livre desta mulher, enlouqueceu. Até mesmo os periquitos que a mulher comprava morriam e era devido ao calor excessivo na casa. Uma metáfora para o clima sufocante que quem entrava naquela casa encontrava. Calor parece sinônimo de acolhimento, mas neste caso tinha mais a ver com ser fritado.
            O câncer em sua boca também pode ser interpretado como uma metáfora de que era justamente pela sua boca que saía as piores coisas. Suas palavras lhe intoxicaram e apodreceram a boca e não os cigarros que impulsivamente fumava. Conviver com uma pessoa dessas é uma experiência empobrecedora. Ninguém com um mínimo de autoestima suportaria acatar os ataques que eram desferidos. Quando a família é um grupo onde viceja o ódio mais primitivo, a melhor ou talvez única opção é mesmo a dissolução. Só cada um indo para o seu lado permitiria que cada um pudesse se reconstruir em outra base, base esta mais favorável, construtiva e saudável. Tornar-se uma pessoa amarga e nada fazer para remediar isto custa caro. O custo não é em dinheiro, mas em algo que não tem volta: a própria qualidade de vida.

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