Há uma parábola budista que
conta sobre um monge e seu discípulo que viajavam até se depararem com um rio
que precisariam atravessar. Na beira do rio viram uma prostituta que precisava chegar
a outra margem, mas que tinha medo de atravessar o rio, pois não sabia nadar e era
pequena e frágil e receava que a correnteza a levasse. Ela pediu para o mestre
ajudá-la e o mestre aceitou colocando-a sentada em seus ombros para o horror do
jovem discípulo. Chegando na outra margem o mestre se despede da mulher que
continua seu caminho. No entanto, por mais que tentasse o jovem discípulo não
conseguia tolerar o horror pelo fato do seu mestre ter encostado numa mulher
tão impura, mas por educação não fala nada. Depois de uma semana o mestre
percebendo que algo ia mal com seu pupilo o incentiva a falar sobre o que o
perturbava. O discípulo resolveu falar:
- Mestre, não entendo e não aceito
como um homem tão sábio e sagrado como o senhor se permitiu carregar uma mulher
tão impura.
O mestre caiu na gargalhada
e respondeu: - Eu a carreguei só durante a travessia do rio e você a está
carregando até agora!
Essa parábola me faz pensar como muitas vezes desperdiçamos
energias que seriam bem melhor usadas de outra forma, devido à nossa tendência
em não mudar nosso ponto de vista. É importante saber pensar sobre algo que
incomoda e pensar não significa ficar revivendo o que nos incomoda num círculo
vicioso, porém significa encontrar meios de se elaborar aquilo que perturba.
Carregamos com bastante freqüência fardos emocionais que
não precisaríamos. Isso se dá porque existe nas pessoas uma tendência a evitar
tudo aquilo que traz incômodo e exige um trabalho para mudar, que é o pensar.
Não só tentamos evitar o pensar como também ficamos facilmente presos aos
nossos preconceitos e idéias inflexíveis. Mudar como olhamos o mundo sempre origina
um mal estar em boa parte das pessoas.
Transformar nossas perspectivas é algo custoso e
demorado, por isso mesmo olhamos para os fatos com o mesmo tipo de olhar do
passado, preconceituoso e inapropriado, mas que agora pede uma nova revisão. Nem
todas as maneiras que aprendemos a ver o mundo são benéficas, o que torna então
as mudanças vitais. Se desfazer de visões antigas e preconceituosas é um
trabalho de todos na sua vida particular e com essas pequenas mudanças
individuais podemos criar uma grande mudança na sociedade como um todo.
Nas filosofias orientais, antigas e sábias, o monge só
pode possuir e carregar consigo seu manto, sua cumbuca de comida e um rosário.
Podemos entender isso não só como um desapego das coisas materiais, mas
principalmente como um desapego de todas as idéias erradas que carregava antes
e que impedia de ter uma visão mais real e justa do mundo. Esse é o verdadeiro
desapego que todos somos convidados a praticar: o despego daquilo que nos
impede de nos tornarmos um verdadeiro ser humano.
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