domingo, 21 de julho de 2024

Sobre o vício da pornografia

 



A intensa disseminação da pornografia é um fenômeno que revela muito sobre as dinâmicas do desejo e da pulsão. Vivemos numa era onde o acesso à pornografia é quase instantâneo e ilimitado, com consequências profundas no psiquismo, especialmente entre os jovens, que estão em fases formativas de seu desenvolvimento psicossexual.

Do ponto de vista psicanalítico, a compulsão pela pornografia pode ser vista como uma manifestação de repetição traumática. Freud, em suas investigações sobre o trauma, destacou a compulsão à repetição como um mecanismo pelo qual o sujeito tenta dominar uma experiência dolorosa ou incompreensível. Na pornografia, essa repetição se manifesta pela busca incessante de novos estímulos, cada vez mais intensos, numa tentativa de preencher um vazio interno ou de evitar o confronto com uma falta.

A pornografia, com suas representações idealizadas e muitas vezes desumanizadas do ato sexual, cria uma dissociação entre a realidade e o que se imagina que é real. A pornografia oferece uma satisfação imediata, mas efêmera, que não consegue sustentar uma verdade de maneira significativa. O indivíduo, então, se vê preso numa repetição incessante, buscando incessantemente a excitação momentânea sem nunca alcançar uma satisfação autêntica.

Os jovens, por estarem em fases cruciais de desenvolvimento, são particularmente vulneráveis a essas dinâmicas. A exposição precoce à pornografia pode distorcer suas percepções sobre a sexualidade e o relacionamento. Ao invés de explorarem e desenvolverem uma sexualidade integrada e saudável, muitos jovens acabam internalizando padrões de objetificação e de performance que não correspondem à realidade de suas experiências afetivas.

Ademais, a pornografia na internet é um fenômeno que se alimenta de uma estrutura de gratificação instantânea que caracteriza a era digital. A disponibilidade imediata de estímulos visuais e a facilidade de acesso criam um ambiente propício para o desenvolvimento de comportamentos aditivos. A compulsão pelo consumo de pornografia se assemelha a outras formas de vício, onde o sujeito busca um alívio temporário de suas ansiedades e angústias, apenas para se ver preso numa espiral de dependência e frustração. Só para se ter uma ideia o conteúdo que está mais presente na internet é a pornografia. Alguns calculam que 75% do trafego na web está ligado à pornografia.

É essencial ajudar o sujeito a reconhecer e a confrontar a falta que tenta preencher através do consumo compulsivo de pornografia. Através da análise, o sujeito pode começar a reintegrar seu desejo de maneira mais saudável, construindo uma relação mais autêntica e menos alienada com sua própria sexualidade. Isso não se trata de moralismo contra a pornografia, de dizer o que é certo ou errado, mas de saúde mental.

A disseminação da pornografia na internet e o vício que dela resulta são sintomas de uma sociedade e de pessoas que valorizam a gratificação instantânea e a superficialidade das relações. O desafio psicanalítico é ajudar  a navegar essas águas turbulentas, oferecendo um espaço de reflexão e de construção de uma sexualidade mais integrada e menos dependente de estímulos externos. A cura, no sentido psicanalítico, passa pela reconexão com o próprio desejo e pela capacidade de sustentar a falta sem sucumbir à compulsão.


domingo, 7 de julho de 2024

A Felicidade é a Ausência da Busca pela Felicidade

 

                                                   Le Moulin de La Gallete – 1876



A felicidade, em sua essência, pode ser concebida como um estado de ser que emerge naturalmente quando o sujeito se despoja da incessante busca por ela. Tal concepção pode ser ilustrada pela máxima de Lao Tsé: "Quando você deixa de procurar, você encontra". Essa ideia ressoa profundamente no campo psicanalítico, onde a busca incessante pela felicidade pode ser vista como aquilo que a impede de existir.

 A felicidade, enquanto conceito, frequentemente se coloca como uma promessa de completude e satisfação plena. No entanto, essa busca por um estado idealizado muitas vezes se revela uma miragem, uma construção ilusória que sustenta a angústia e o desassossego. Na perspectiva psicanalítica, a busca incessante pela felicidade pode ser entendida como uma forma de resistência ao confronto com a realidade e com os próprios limites da condição humana.

Freud, em seus escritos, postula que a vida psíquica é governada pelo princípio do prazer, que busca evitar o desprazer e alcançar a satisfação. Contudo, essa busca é marcada por uma mistura de frustração e gratificação, onde o sujeito está continuamente movido por desejos que, uma vez satisfeitos, logo são substituídos por outros. Assim, a felicidade como um estado permanente torna-se uma impossibilidade, uma vez que o desejo é estruturalmente insaciável.

Lembro-me de quando eu era uma criança pequena e via o pôr do sol no horizonte, eu acreditava que existia ali uma espécie de abismo por onde o sol ‘caía’ e se escondia. Pedia a minha mãe para me levar lá para eu poder ver o sol ‘descendo’ por esse abismo. Todos davam risada e eu não entendia por que, mas só depois vim a compreender que por mais que eu chegasse lá no horizonte sempre haveria outro horizonte. Os horizontes não terminam, sempre abrindo a novos cenários, de modo que não teria como eu chegar na beira do abismo que eu supunha para ver o sol ‘sumindo’. A busca pela felicidade pode ser, assim, uma tentativa de alcançar um gozo absoluto, mas essa tentativa inevitavelmente conduz a uma impossibilidade de tal realização.

É nesse contexto que a felicidade pode ser entendida como a ausência da busca por ela. Quando o sujeito abandona a ilusão de um estado de felicidade absoluta e permanente, ele se abre para uma experiência de ser mais autêntica, onde a aceitação das limitações e imperfeições da vida permite um estado de serenidade e bem-estar. A felicidade, portanto, não é um objeto a ser conquistado, mas um estado de ser que emerge quando o sujeito se reconcilia com a incompletude e a transitoriedade da existência. 

Winnicott, psicanalista inglês, oferece uma perspectiva valiosa ao considerar o brincar como uma atividade que permite ao sujeito experimentar a vida de forma criativa e plena. No espaço potencial do brincar, o indivíduo pode vivenciar momentos de felicidade genuína, não porque está em busca dela, mas porque está imerso na experiência do presente, no fluxo espontâneo da vida psíquica.

Em resumo, a felicidade, na visão psicanalítica, pode ser alcançada paradoxalmente pela renúncia à sua busca incessante. É na aceitação da imperfeição, na reconciliação com os próprios desejos e na capacidade de viver o momento presente que o sujeito pode encontrar um estado de bem-estar autêntico. A felicidade, assim, deixa de ser um fim a ser alcançado e se torna uma consequência natural de um modo de ser mais genuíno e integrado.