domingo, 7 de julho de 2024

A Felicidade é a Ausência da Busca pela Felicidade

 

                                                   Le Moulin de La Gallete – 1876



A felicidade, em sua essência, pode ser concebida como um estado de ser que emerge naturalmente quando o sujeito se despoja da incessante busca por ela. Tal concepção pode ser ilustrada pela máxima de Lao Tsé: "Quando você deixa de procurar, você encontra". Essa ideia ressoa profundamente no campo psicanalítico, onde a busca incessante pela felicidade pode ser vista como aquilo que a impede de existir.

 A felicidade, enquanto conceito, frequentemente se coloca como uma promessa de completude e satisfação plena. No entanto, essa busca por um estado idealizado muitas vezes se revela uma miragem, uma construção ilusória que sustenta a angústia e o desassossego. Na perspectiva psicanalítica, a busca incessante pela felicidade pode ser entendida como uma forma de resistência ao confronto com a realidade e com os próprios limites da condição humana.

Freud, em seus escritos, postula que a vida psíquica é governada pelo princípio do prazer, que busca evitar o desprazer e alcançar a satisfação. Contudo, essa busca é marcada por uma mistura de frustração e gratificação, onde o sujeito está continuamente movido por desejos que, uma vez satisfeitos, logo são substituídos por outros. Assim, a felicidade como um estado permanente torna-se uma impossibilidade, uma vez que o desejo é estruturalmente insaciável.

Lembro-me de quando eu era uma criança pequena e via o pôr do sol no horizonte, eu acreditava que existia ali uma espécie de abismo por onde o sol ‘caía’ e se escondia. Pedia a minha mãe para me levar lá para eu poder ver o sol ‘descendo’ por esse abismo. Todos davam risada e eu não entendia por que, mas só depois vim a compreender que por mais que eu chegasse lá no horizonte sempre haveria outro horizonte. Os horizontes não terminam, sempre abrindo a novos cenários, de modo que não teria como eu chegar na beira do abismo que eu supunha para ver o sol ‘sumindo’. A busca pela felicidade pode ser, assim, uma tentativa de alcançar um gozo absoluto, mas essa tentativa inevitavelmente conduz a uma impossibilidade de tal realização.

É nesse contexto que a felicidade pode ser entendida como a ausência da busca por ela. Quando o sujeito abandona a ilusão de um estado de felicidade absoluta e permanente, ele se abre para uma experiência de ser mais autêntica, onde a aceitação das limitações e imperfeições da vida permite um estado de serenidade e bem-estar. A felicidade, portanto, não é um objeto a ser conquistado, mas um estado de ser que emerge quando o sujeito se reconcilia com a incompletude e a transitoriedade da existência. 

Winnicott, psicanalista inglês, oferece uma perspectiva valiosa ao considerar o brincar como uma atividade que permite ao sujeito experimentar a vida de forma criativa e plena. No espaço potencial do brincar, o indivíduo pode vivenciar momentos de felicidade genuína, não porque está em busca dela, mas porque está imerso na experiência do presente, no fluxo espontâneo da vida psíquica.

Em resumo, a felicidade, na visão psicanalítica, pode ser alcançada paradoxalmente pela renúncia à sua busca incessante. É na aceitação da imperfeição, na reconciliação com os próprios desejos e na capacidade de viver o momento presente que o sujeito pode encontrar um estado de bem-estar autêntico. A felicidade, assim, deixa de ser um fim a ser alcançado e se torna uma consequência natural de um modo de ser mais genuíno e integrado.


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