O filme ‘A Baleia” (2022) mostra a vida de um professor com obesidade mórbida que tenta, desesperadamente, se reconectar com sua filha com quem não fala há anos. Além de uma insatisfação por estar distante da filha ele precisa enfrentar consequências severas de saúde causadas por sua obesidade. Viver está cada vez mais difícil e cada dia parece aumentar o nível do seu sofrimento tornando sua vida extremamente angustiante.
Seu peso é tão grande que ele não consegue mais se levantar adequadamente para ir ao banheiro, mas o peso maior que enfrenta não está no seu corpo, porém na sua mente. Para dar aulas ele recorre à educação à distância que permite aulas na modalidade on-line e quando ele está com seus alunos não liga a sua câmera para que ninguém o veja. Ele tem vergonha do estado em que se encontra, mas não uma vergonha por questões estéticas, porém envergonha-se por entender que seu estado é fruto de uma autodestruição. Ele vem nos últimos anos empenhado em se autodestruir.
A perda de alguém muito próximo o abalou de maneira extrema. Culpa-se por não ter podido salvar a pessoa em questão e culpa-se também por ele mesmo ser de uma maneira que não condiz com quem ele achava que deveria ser. Há aqui um auto preconceito. Sua identidade se descobriu de uma forma que não estava em seus planos e não podendo aceitar isso plenamente, até se permitiu viver por um tempo ser quem realmente era, mas após acontecimentos trágicos sua auto violência veio com tudo exterminando qualquer possibilidade de continuar seguindo com a vida.
Baldes de frango frito, caixas de pizza em grande número, doces industrializados aos montes e sanduiches em fartura faziam parte de sua dieta no dia a dia. O que ele não podia sentir em sua mente virava comida. O calor que lhe faltava em emoções e sentimentos era compensado pelas altas calorias. A própria palavra caloria quer dizer calor e energia. O que ele não podia viver simbolicamente como calor e energia virava algo concreto através da comida que o matava aos poucos.
Quando não temos condições internas para pensar sobre o que sentimos vamos atuar no mundo externo, ou seja, o que não podemos assimilar internamente, de maneira afetiva, vai virar uma ação lá fora. Tanto que no filme nos momentos de mais angústia ele desatava a comer desesperadamente, mas o que precisava mesmo ‘digerir’ não era a comida em si, mas o que estava em sua mente.
Apesar de tanto sofrimento e falta de condições internas para pensar sobre o que sentia o personagem era de extrema sensibilidade e delicadeza. Seus olhos eram ternos e demonstravam alguém perspicaz e atento ao outro. Tinha sempre um olhar positivo até mesmo para situações que muita gente já teria desistido e transmitia isso com muita leveza aos demais. Era amado por muita gente, exceto por ele mesmo. Era capaz de formar conexões emocionais com os outros, mas se impossibilitava de formar conexões mais saudáveis consigo mesmo.
Quanta gente não vem vivendo assim, ou melhor, não se permitindo viver por não conseguir estabelecer um olhar mais saudável e humano sobre si mesmo? É um filme delicado e potente que nos mostra a importância de fazermos as pazes não só com os outros, mas consigo próprio também.