domingo, 4 de dezembro de 2022

Nossa parte psicótica



A psicanálise nos mostra que dentro de todos nós há forças destrutivas muito intensas. Todos carregamos em maior ou menor grau impulsos desagregadores que podem, dependendo da intensidade, fragmentar a nossa personalidade e nos fazer cometer atos que em sã consciência jamais pensaríamos realizar. Por isso mesmo que pessoas tidas como ponderadas e amorosas podem apresentar atos de selvageria aparentemente inexplicáveis. Essa violência vem dessas forças devastadoras que estão internas e que podem irromper.

Quando alguém está sob o domínio dessa ferocidade interna chamamos em psicanálise que está sob a parte psicótica da personalidade. Bion, psicanalista inglês, nos ensinou que essa parte pode dominar nossas ações e nos levar a comportamentos bizarros. Sob o jugo dessa parte não conseguimos pensar nem usar de faculdades racionais. Os impulsos, nesses casos, são puramente defensivos e primitivos.  

Quanto maior a angústia de uma pessoa mais ela vai usar de seus mecanismos de defesa para lidar com o mundo e menos capacidade para pensar ela terá. Isso significa que ela sentirá o mundo e os demais como perigosos, se sentirá perseguida e por isso mesmo ameaçada. Se alguém está se sentindo ameaçado só vê um caminho possível: atacar.

Uma pessoa sob o domínio da parte psicótica de sua personalidade fica impossibilitada de lidar com a realidade, ela sente que tudo é um perigo e se alguém tentar argumentar que não é bem assim ela se sentirá atacada e desconfiada e poderá até partir para a agressão para se defender do que considera ser ameaçador. 

Essa parte psicótica da personalidade pode ser maior ou menor para cada pessoa, mas todos a tem. Quanto maior for a intolerância à frustração de uma pessoa mais ela poderá ‘ativar’ e fazer uso dessa parte psicótica de sua personalidade, já que ao não suportar a frustração ela vai reagir impulsivamente para atacar ou escapar do que sente que lhe frustra. Para uma pessoa poder pensar ela precisa ser capaz de aturar algumas doses de frustrações. 

É um fato que quando mais uma pessoa é capaz de pensar é porque ela não se sente ameaçada pelas frustrações da vida, porém pode pensar e lidar com elas de uma maneira nova e favorável. Não vai ter necessidade de agir como se fosse tudo uma questão de luta e fuga. Poderá, então, levar em conta a realidade e os próprios sentimentos e responder da maneira que lhe for mais conveniente.

Essa possibilidade de responder conscientemente e não agir impulsivamente não é algo que se dá naturalmente. É preciso muito trabalho interno para que possamos cada vez mais abrir mão das nossas partes psicóticas para se valer das nossas partes mais sadias. É uma construção interna que se dá com tempo e com muita elaboração sobre como vivemos. A psicanálise é uma possibilidade para ajudar nessa conquista. Quando alguém está em análise pode ter a chance de compreender melhor quais são suas partes e respostas psicóticas que muitas vezes lhe trazem prejuízos na vida e pode desenvolver a própria mente para pensar e agir de uma maneira mais proveitosa. Tem-se a chance de cultivar outros lados de sua personalidade que podem ser muito mais convenientes e vantajosos. Uma pessoa que pode pensar verdadeiramente tem mais oportunidades de viver com qualidade. 


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