quinta-feira, 26 de maio de 2022

Controladores

 



Existem pessoas que estão sempre procurando o controle de maneira intensa. Seja na vida profissional, em seus ambientes de trabalho ou em suas vidas pessoais, entre os familiares e amigos, essas pessoas afirmam “saberem” o que é melhor para os outros e querem que tudo seja feito conforme acreditam que tenham que ser. O resultado é que essas pessoas acabam se tornando muitas vezes insuportáveis e os outros podem terminar evitando suas companhias. 

Quem não conhece aquela pessoa no trabalho que sempre está a criticar indevidamente os demais e impõe aos outros o seu jeito de fazer, entender e ver as coisas? Estão constantemente cuidando do trabalho dos colegas e sempre têm comentários até mesmo depreciativos. Essas pessoas dizem que estão ‘ensinando’ ou ‘fazendo críticas positivas’, mas na verdade são intrusivas e grosseiras. Há pessoas que acabam virando piada entre os colegas do trabalho por causa desse jeito tão controlador. Alguns ambientes corporativos ganham ares insalubres devido a tantas tentativas de controle. 

Nas famílias e nas relações com os amigos também pode existir esse controle sobre o outro. Há pais que tentam controlar seus filhos decidindo quem eles deveriam ser e o que eles deveriam fazer. Alguns jovens não encontram espaço para poder de fato se descobrirem e ficam aprisionados diante de tanto comando. Muitos pais, munidos das melhores intenções, enredam seus filhos em teias muito difíceis de serem toleradas. Há também filhos que fazem o mesmo com seus pais, tentam decidir por eles e a consequência são brigas e desentendimentos que trazem angústias e empobrecimentos nas relações. 

O que leva algumas pessoas a quererem controlar tanto assim? Até mesmo ao ponto de serem evitadas e vistas como chatas e inconvenientes? Claro que cada um carrega sua própria história com elementos bem peculiares e isso vai ‘formando’ as personalidades ao longo da vida, mas uma hipótese possível é que as pessoas controladoras tentam controlar os outros lá fora porque temem o que não conseguiriam controlar dentro de si próprias. Deparar-se com a própria vida mental é algo que pode ser bem assustador porque sentimos coisas que não queremos e que nem mesmo imaginamos que poderíamos sentir. A ideia que fazemos de nós mesmos nem sempre coincide com quem de fato somos e se dar conta disso pode ser desconfortável. A verdade é que não controlamos quem podemos ser, apenas podemos lidar com quem somos. Ao não aceitarem isso, ao se aterrorizarem com esse fato, as pessoas controladoras focam toda a sua atenção no mundo externo como forma de gerenciarem coisas e pessoas e assim sentirem que estão no controle de algo. Dessa forma, também, elas não precisam prestar atenção em si mesmas e lidar com o que é de fato delas.

Quem não aceita nem acolhe a própria vida mental passa a desconhecer seu mundo interno e por isso acaba temendo o que não entendem e não controlam e buscam controle naquilo que conseguem ver fora de si, ou seja, a vida dos demais. O problema é que viver assim é um jeito que traz muitos desconfortos que poderiam ser evitados e que deixam a vida mais pesada.


domingo, 15 de maio de 2022

Escolher e aprofundar - Filme A pior pessoa do mundo (2021)

 



No filme norueguês A pior pessoa do mundo (2021) a protagonista Julie não consegue sossegar. Pensa inicialmente que quer ser médica e começa a faculdade, mas depois decide que quer psicologia e muda de curso para após algum tempo mudar completamente de rota e tentar a fotografia. Seus parceiros amorosos são vários e quando pensa que encontrou alguém com quem quer viver mais intimamente se entendia e encontra um outro cheio de novidades. Nada fica estável em sua vida, tudo fica a perigo, incluindo a própria vida mental de Julie. 

Esse filme retrata muito bem a busca por um sentido na vida principalmente nos dias de hoje quando parece haver tantas opções, mas qual a melhor? Qual dentre a inúmeras possibilidades é a certa ou mais apropriada? Especialmente entre os jovens atuais não faltam alternativas para carreiras nem para relacionamentos amorosos. Tudo está no plural, mas isso acaba mais confundindo do que ajudando a decidir. A consequência pode ser uma grande sensação de insatisfação e a origem de uma idealização de alguma coisa que possa trazer o fim dessa mesma insatisfação, ou seja, uma ilusão. 

Creio que o filme aborda duas questões muito importantes: a responsabilidade que cada um tem pela sua vida e a possibilidade de se criar relações mais íntimas e aprofundadas. 

A responsabilidade passa pela escolha. Escolher dentre tantas opções disponíveis significa abrir mão de muitas outras. Quando escolhemos algo é porque não podemos ter tudo ou ser tudo, mas precisamos aceitar os limites da condição humana e nos atermos às nossas escolhas. Ao escolher um caminho para essa vida deixamos muitos outros de lado e fazer isso gera angústia já que todo caminho escolhido vai ter seus tumultos e inquietações. Isso pode gerar dúvidas se escolhemos certo e trazer medo. Qualquer caminho que nos dispusermos a trilhar vai originar agitações, não tem nenhum caminho que só dê certezas. 

A personagem Julie parece idealizar um caminho, uma profissão, um relacionamento que não a faça nunca ter dúvida alguma como se tal coisa fosse possível. Não encontrando essa certeza que idealiza não continua no que começou e parte logo para o próximo curso, a próxima pessoa, a próxima atração. Nada pode então perdurar. Quem não consegue assumir o cuidado consigo mesmo não consegue fazer escolhas. Só no momento que compreendemos que precisamos nos cuidar podemos escolher algo em detrimento de muitas outras possibilidades. Por não poder justamente fazer escolhas a protagonista do filme não pode também se aprofundar em algo (como se aprofundar se nada foi escolhido?) ficando tudo muito superficial.

Uma profissão qual seja, um relacionamento amoroso, demandam tempo, tolerância às frustrações e aprender com as experiências. Aí algo vai podendo ser aprofundado, enraizado. Com raízes ficamos mais estáveis e não tão suscetíveis. Estabilidade completa, cem por cento, não existe, mas viver sem estabilidade alguma torna a vida impossível. Isso que ocorre com Julie, sua vida vai se tornando impossível e ela deixa de viver coisas importantes. A falta de responsabilidade com ela mesma e o medo de se aprofundar em algo a fazem correr atrás da próxima grande atração. Nada contra isso, cada um vive como pode, mas fica sempre uma insatisfação que talvez não fosse necessária. Quem sabe não precisamos estar correndo tão desesperadamente atrás de novidades e possamos escolher? Quem sabe não possamos aprender a nos cuidar melhor e mais sabiamente?


domingo, 8 de maio de 2022

Pedestal não é lugar para amor

 


  Na belíssima escultura “Adoração” de Stephan Sinding (1903) vemos um homem nu de joelhos ‘adorando” uma mulher nua sentada. À primeira vista parece se tratar de um grande ato de amor que chega ser dramático. Aliás, acredita-se que o amor só é verdadeiro se for dramático. Na verdade, quanto mais drama parece estar sobre uma relação mais esta está longe do amor. O dramalhão nada tem a ver com o amor, mas com outras questões de naturezas bem distintas.

Quando numa relação há algo como adoração, há na verdade idealização e isso pode ser bastante perigoso. A idealização trata do que queremos que seja e não da realidade. No entanto, só podemos viver a realidade. A experiência do que vivenciamos só pode se dar na dimensão da realidade. Caso contrário, não é real, mas algo criado, fabricado e portanto, artificial. Uma relação que chamamos amor não deveria possuir natureza artificial.

Na idealização parece que colocamos o outro no pedestal e assim como colocamos podemos também tirar. Não é surpreendente então que muitos casais apaixonados começam com juras de amor as mais extravagantes possíveis e terminam um odiando o outro com fúria mortal. Como podem passar de um estado de adoração total para um de ódio letal? Justamente porque não se tratava de amor, mas de idealização. Assim como se cria os altares para endeusar alguém, cria-se também piras para se queimar alguém caso haja frustrações.

No momento que num relacionamento amoroso alguém adora e outra pessoa é adorada estão dispostos todos os ingredientes para que aquilo se transforme numa tragédia. No endeusamento do parceiro(a) constrói-se uma prisão que exige que ele ou ela permaneça num estado que jamais traga frustração. A pessoa adorada não pode mais ser ela mesma, mas precisa ser e desempenhar o papel que o outro lhe deu e caso isso não funcione aquilo que era tido como amor transforma-se em ódio. Entronar alguém é uma maneira de aprisionar alguém. Mesmo que o prisioneiro fique num lindo trono dourado assim mesmo continua prisioneiro. Há pessoas que acreditam que o amor tem que ser como uma gaiola, mas não vamos esquecer que uma gaiola, mesma feita de ouro e cravejada com pedras preciosas continua sendo uma gaiola, ou seja, algo que tira a liberdade. 

O amor só pode existir de fato quando não há tentativa de se ‘apossar’ do outro, de entroná-lo e endeusa-lo. Criamos ‘deuses’ para prendê-los e mantê-los à nossa disposição. Isso, como é obvio, está bem longe da vivência do amor que preza, sobretudo e sem negociação, pela liberdade do outro ser quem ele pode ser. O drama, por conseguinte, não é excesso de amor, mas excesso de carências e quando é a carência que vai guiando um relacionamento amoroso isso não tem como acabar bem.

Por alguém no pedestal, não só nos relacionamentos amorosos, mas na vida como um todo, como criar ídolos na arte, na política, no esporte, etc, é algo que não é belo, porém trágico. Deveríamos ver a realidade como ela é e não ficar procurando ver apenas o que queremos que a vida seja.