No
filme norueguês A pior pessoa do mundo (2021) a protagonista Julie não
consegue sossegar. Pensa inicialmente que quer ser médica e começa a faculdade,
mas depois decide que quer psicologia e muda de curso para após algum tempo
mudar completamente de rota e tentar a fotografia. Seus parceiros amorosos são
vários e quando pensa que encontrou alguém com quem quer viver mais intimamente
se entendia e encontra um outro cheio de novidades. Nada fica estável em sua
vida, tudo fica a perigo, incluindo a própria vida mental de Julie.
Esse filme retrata muito bem a busca por
um sentido na vida principalmente nos dias de hoje quando parece haver tantas
opções, mas qual a melhor? Qual dentre a inúmeras possibilidades é a certa ou
mais apropriada? Especialmente entre os jovens atuais não faltam alternativas
para carreiras nem para relacionamentos amorosos. Tudo está no plural, mas isso
acaba mais confundindo do que ajudando a decidir. A consequência pode ser uma
grande sensação de insatisfação e a origem de uma idealização de alguma coisa
que possa trazer o fim dessa mesma insatisfação, ou seja, uma ilusão.
Creio que o filme aborda duas questões
muito importantes: a responsabilidade que cada um tem pela sua vida e a
possibilidade de se criar relações mais íntimas e aprofundadas.
A
responsabilidade passa pela escolha. Escolher dentre tantas opções disponíveis
significa abrir mão de muitas outras. Quando escolhemos algo é porque não
podemos ter tudo ou ser tudo, mas precisamos aceitar os limites da condição
humana e nos atermos às nossas escolhas. Ao escolher um caminho para essa vida
deixamos muitos outros de lado e fazer isso gera angústia já que todo caminho
escolhido vai ter seus tumultos e inquietações. Isso pode gerar dúvidas se
escolhemos certo e trazer medo. Qualquer caminho que nos dispusermos a trilhar
vai originar agitações, não tem nenhum caminho que só dê certezas.
A
personagem Julie parece idealizar um caminho, uma profissão, um relacionamento
que não a faça nunca ter dúvida alguma como se tal coisa fosse possível. Não
encontrando essa certeza que idealiza não continua no que começou e parte logo
para o próximo curso, a próxima pessoa, a próxima atração. Nada pode então
perdurar. Quem não consegue assumir o cuidado consigo mesmo não consegue fazer
escolhas. Só no momento que compreendemos que precisamos nos cuidar podemos
escolher algo em detrimento de muitas outras possibilidades. Por não poder
justamente fazer escolhas a protagonista do filme não pode também se aprofundar
em algo (como se aprofundar se nada foi escolhido?) ficando tudo muito superficial.
Uma profissão qual seja, um relacionamento amoroso,
demandam tempo, tolerância às frustrações e aprender com as experiências. Aí
algo vai podendo ser aprofundado, enraizado. Com raízes ficamos mais estáveis e
não tão suscetíveis. Estabilidade completa, cem por cento, não existe, mas
viver sem estabilidade alguma torna a vida impossível. Isso que ocorre com
Julie, sua vida vai se tornando impossível e ela deixa de viver coisas
importantes. A falta de responsabilidade com ela mesma e o medo de se aprofundar
em algo a fazem correr atrás da próxima grande atração. Nada contra isso, cada
um vive como pode, mas fica sempre uma insatisfação que talvez não fosse
necessária. Quem sabe não precisamos estar correndo tão desesperadamente atrás
de novidades e possamos escolher? Quem sabe não possamos aprender a nos cuidar
melhor e mais sabiamente?
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