O psicanalista Wilfred Bion (1897–1979) foi um grande pensador da condição humana e contribuiu imensamente para o enriquecimento e desenvolvimento da psicanálise. Para falar do trabalho do psicanalista, Bion uma vez comparou o psicanalista com um escultor – artista que dá vida à estatuas e imagens. Algumas esculturas são tão realistas que parecem ter vida própria, como se fossem mesmo pessoas ou animais. Michelangelo talvez seja um dos escultores mais conhecidos ao redor do mundo e reza a lenda que quando terminou a obra do Davi disse para ela falar de tão realística que estava. Os detalhes anatômicos são realmente impressionantes e quase não seria de surpreender se ela falasse e andasse por aí. E qual o trabalho do psicanalista? É ajudar o analisando a esculpir a si mesmo.
Um bloco de mármore, por exemplo, é
só um pedaço de rocha, mas que quando trabalhado, ou seja, esculpido, ganha
outras formas e detalhes que é como se ganhasse vida. Um analisando chega muitas
vezes nos consultórios de seus psicanalistas como um bloco de pedra sem forma e
sem vida, porém na análise pode ir ganhando um sentido que transforma muitas
situações. Não que o psicanalista vá moldando o analisando, mas sim ajudando-o
a descobrir que forma ele quer e precisa tomar.
Enquanto o artista escultor molda
seu material para dar a forma que quer, o psicanalista escuta o seu analisando
para ajudá-lo a compreender que forma ele pode conquistar. Um esculpe o outro,
escuta e assim vidas podem ir tomando formas novas e surpreendentes. É a arte
imitando a vida e a vida imitando a arte.
Na cidade italiana de Florença há
algumas esculturas inacabadas de Michelangelo que se chamam Os Escravos. Nessas
obras, mesmo que não terminadas, é lindo ver figuras de homens meio que saindo
das pedras, como se estivessem se libertando delas. Mesmo sendo estátuas de
mármore sólidas, elas contêm um movimento que exibem a força de estar nascendo.
Bion usou essas obras para falar que o mesmo acontece num processo analítico.
Numa análise o psicanalista ajuda e assiste
o analisando a nascer. Às vezes situações que o prendiam e o deixavam imóveis
começam a perder a força, ou melhor, o analisando começa a ganhar força e sai
daquilo que inicialmente o prendia e não o deixava viver plenamente. O
analisando deixa de ser escravo da própria história de vida para ser senhor de
si mesmo. Detalhes que antes não eram observados e reconhecidos na vida de
alguém começam a ganhar nitidez e desenrola inúmeras mudanças no desenvolvimento.
É algo extraordinário.
Tudo aquilo que é ordinário é comum,
mas tudo aquilo que é extraordinário vai além do comum. Nascer dentro de um
processo analítico é algo que vai muito além do comum e traz todo um
significado que muda completamente como uma pessoa pode viver. Triste é quando
alguém está tal como uma meia estátua, metade fora e metade dentro do bloco de
pedra. Não está livre nem consegue se libertar daquilo que o aprisiona. Numa
obra artística, como Os Escravos de Michelangelo, é belo, mas na vida de uma
pessoa é desalentador.
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